A Ford lançou recentemente do seu sistema de conectividade embarcada SYNC 3 na linha 2017 do Ford Focus. O sistema representa uma grande evolução sobre a versão anterior, o SYNC 2, mas não traz grandes novidades, pois é essencialmente o mesmo sistema já mostrado na Campus Party de São Paulo meses atrás. O fabricante promete a instalação do sistema em toda sua linha até o final de 2017.
Enquanto produto, é natural pensarmos que o SYNC 3 seja apenas a versão atual de um mero sistema multimídia convencional, e que futuramente contará com versões SYNC 4, 5 e assim por diante. Entretanto, considerar o SYNC 3 como mera central multimídia é um grande erro. É como comparar uma calculadora com um smartphone, e essa diferença não é por acaso, pois faz parte de um um amplo plano do fabricante para o futuro.
Portanto, o mais importante não foi a apresentação do SYNC 3 em si, mas sim posicioná-lo segundo a visão de futuro da Ford para conectividade e mobilidade, bem como os esforços que a fabricante vem fazendo neste caminho de conectividade e mobilidade.
O SYNC 3
Aos olhos desatentos, o SYNC 3 é apenas um sistema de computador de bordo que oferece serviços de mapas offline (não depende de uma conexão com a internet para funcionar), facilidades de áudio (rádio, MP3 etc.) e de integração com o telefone.
Muito da sua interface lembra a forma como operamos nossos smartphones, com toques, arrastes e até mesmo a ação de pinça para ampliar ou diminuir a escala de um mapa. Mas aqui já começa a diferenciação. Toda a interface é baseada em botões grandes com ícones minimalistas. É uma interface voltada à praticidade para quem não pode se distrair com uma tela, nem criar elementos gráficos que aumentem a carga de trabalho do cérebro do motorista, já sobrecarregado.
Seguindo a mesma linha de impactar o mínimo possível na concentração do motorista com o ato de condução, esta interface foi pensada para que qualquer função do SYNC 3 seja alcançada com no máximo 2 toques na tela. Nada de entrar em uma tela de opções onde uma opção leva a outra tela carregada de novas opções, que leva a outra tela… Tudo tem que ser lógico, fácil e prático.
Ainda assim, a distração de tocar na tela tem de ser minimizada ao máximo, e para isto o SYNC 3 conta com um sofisticado conjunto de comandos acionados por voz.
São 840 comandos por voz principais e mais de 10.000 comandos derivados ou compostos que o sistema é capaz de atender.
O sistema de voz foi bastante refinado, com capacidade de interpretação semântica do comando, de tal forma que o motorista pode dialogar com naturalidade com o SYNC 3, sem se preocupar com ditar comandos com palavras precisas e tom de voz pausado.
O sistema já está totalmente em português e o reconhecimento de voz foi calibrado para aceitar qualquer sotaque típico no país, o que mostra a preocupação da Ford na integração do produto ao nosso mercado.
Um dos diferenciadores do SYNC 3 sobre seu antecessor SYNC 2 é a capacidade de rodar aplicativos que podem ser baixados da internet. Além de aplicativos de entretenimento, como o Spotify, outros aplicativos genéticos, como os de acesso às informações de banco, são perfeitamente possíveis. Há ainda o acesso a uma vasta gama de informações sobre o funcionamento do veículo, como rotação e temperatura do motor. Este é um ponto-chave para a Ford, pois potencializa a oferta de novos serviços, muitos deles inovadores.
O SYNC 3 é um ambiente operacional completo para oferecer todo tipo de funcionalidade ao motorista, mas caso ele prefira, o sistema ainda oferece os ambientes Android Auto do Google e CarPlay da Apple. E todo o sistema pode ser atualizado dentro de uma rede wifi ou através de um pendrive em sua porta USB no painel.
Uma visão geral do SYNC 3 pode ser vista no vídeo a seguir:
Qual a visão da Ford para o futuro?
A Ford sabe que o futuro é da integração do mundo real com o virtual, e por isso ela quer se tornar líder mundial em conectividade e mobilidade. O tamanho do mercado de mobilidade para os próximos anos será de 5,4 trilhões de dólares ao ano, e evidentemente, a Ford planeja conquistar a maior fatia possível desse mercado.
Para isso, ela criou o plano Ford Smart Mobility, que prevê cinco pontos fundamentais:
– Conectividade
– Análise de dados
– Soluções de mobilidade
– Veículos autônomos
– Experiência do consumidor
A conectividade é o alicerce para que os outros pontos possam funcionar. A análise de dados é feita a partir de dados capturados do próprio veículo. Não é apenas uma questão de captar o que o motorista está fazendo, mas como está fazendo para que a partir destes dados seja possível desenvolver e aprimorar a relação do motorista com o veículo. A mobilidade irá modificar a maneira como as pessoas irão interagir com diferentes formas de locomoção.
Veículos autônomos irão revolucionar a forma como as pessoas utilizarão os automóveis no futuro. A Ford é a fabricante com a maior frota de veículos autônomos de teste em operação e vem realizando testes sob as mais rigorosas situações.
E a experiência do consumidor irá mudar a forma como ele entenderá e se relacionará com os futuros meios de locomoção. Uma das principais mudanças será no conceito de posse. Em vez da ideia do veículo como uma propriedade, ele passará a um conceito de serviço prestado.
Olhando para esta visão mais ampla dos planos da Ford, é possível compreender o real posicionamento do SYNC 3 dentro deste escopo. Ele não é apenas mais um computador de bordo com mapas, conexão com o celular e multimídia. Ele é uma das plataformas tecnológicas sobre as quais todo este plano será construído.
Por que é importante entender o SYNC 3 num escopo maior?
Na década de 1990 vimos o surgimento de dois tipos novos de gadgets: os celulares e os assistentes pessoais, os chamados PDAs ou handhelds, que tinham a função de agenda e de acesso à internet. Muitos já previam a fusão do celular com os PDAs, mas ninguém sabia ao certo como seria o produto resultante.
Vimos então o surgimento dos primeiros smartphones, feitos pela BlackBerry e pela Nokia. Eram aparelhos caros e bastante limitados, com uma tela pequena para permitir a existência de um teclado físico e um sistema operacional muito fraco. Este formato dominou o mercado por alguns anos. E então veio a Apple com seu revolucionário iPhone, que subverteu a forma como entendemos os smartphones.
Ainda assim, o iPhone não era perfeito e precisou evoluir. Em paralelo, surgiram o Android e o Windows Phone, duas visões paralelas ao iPhone sobre como seria um smartphone.
O carro conectado possui uma história inicial semelhante. A ideia de um carro conectado parece lógica e óbvia, porém ninguém sabe como seria um carro conectado ideal. Esta é ainda uma ideia bruta que precisa ser lapidada, tal e qual os primeiros smartphones antes do iPhone.
Há muitos fabricantes de automóveis e cada um tem seu sistema. E não há ainda uma convergência consistente entre eles. Faltam ainda as ideias inovadoras que conduzirão os carros atuais aos modelos conectados do futuro, tal como foi o iPhone.
Há, no entanto, um problema. Pergunte às pessoas sobre o que elas precisam e o que elas gostariam de ter em seus carros, e as respostas apontarão soluções surgidas há 10 anos ou mais. As grandes transformações não vem da opinião dos consumidores, mas do investimento em ideias inovadoras dos grandes lideres. É sob esta ótica que temos que entender a proposta da Ford e ficar de olho nela.
Em fevereiro de 2012 escrevi uma matéria intitulada “Brincando de adivinhar o futuro“ . Nesta matéria, na qual faço algumas previsões, eu disse que o grande painel digital do Tesla Model S não teria futuro. Na apresentação do SYNC 3 foi dito textualmente que “a Ford percebeu que o automóvel do futuro não será um tablet sobre quatro rodas”, referendando o que eu disse quase meia década atrás.
É importante notar a diferença do impacto entre as duas afirmações. A Ford pode ter demorado alguns anos a perceber o que eu já havia dito antes. Porém é o poder de liderança da Ford que fará com que essa ideia se transforme em um mantra para os futuros carros conectados. É sob este aspecto, muito mais amplo e transformador que devemos entender o lançamento do SYNC 3.
Considerando que ainda ninguém chegou ao formato básico do que seria um carro conectado, certamente podemos considerar que o SYNC 3 não é a palavra final sobre esse recurso, porém é um passo significativo nesse rumo.
AAD