Minha história de hoje pode-se dizer é quase um sonho que a princípio era pouco provável que um dia se realizasse, mas que de uma hora para outra se tornou realidade.
Quer saber que sonho foi esse?
Desde menino sempre ouvi falar que um dos carros mais perfeitos do mundo e também o mais caro era o Rolls-Royce. Aqui no Brasil existiam alguns, mas seus proprietários eram pessoas da alta sociedade e tão reservadas que dificilmente eram vistos publicamente, somente em grandes eventos aos quais nós, simples mortais normais, dificilmente teríamos acesso.
Há muitas histórias em torno da mítica marca, uma delas a de um ilustre proprietário de um aqui no Brasil que teve um problema com seu carro e pediu ajuda à fábrica localizada na Inglaterra. De lá se veio um engenheiro que foi à residência dessa personalidade e lá mesmo conseguiu identificar o problema e de imediato fez o reparo. Passadas algumas semanas, tudo bem com o veículo, o proprietário entrou em contato com a fábrica e solicitou que lhe enviassem a conta referente aos serviços executados, passagem aérea, despesas de hotel, alimentação e o que mais haveria para pagar.
Em uma forma britanicamente conhecida, a fábrica respondeu ao cliente que infelizmente nada constava em seus registros que indicasse que o seu carro tivesse passado por algum tipo de atendimento e que desta forma não haveria importância alguma a pagar, encerrando a conversa com votos de satisfação contínua com o Rolls-Royce e se colocando à disposição para outras eventuais dúvidas.
Essa história pode até ser lenda, mas ela retrata o que esta centenária marca, há 18 anos pertencente à BMW, significa para a indústria automobilística mundial e para o segmento de veículos de extremo luxo.
Mas voltemos ao meu sonho realizado.
Eu trabalhava na General Motors do Brasil, isto em 1999, mais precisamente na Engenharia de Serviço/Pós-Vendas, quando fui chamado pela diretoria para uma ação importante que deveria se desenvolver em Brasília.
Naquela época o governo brasileiro utilizava para o transporte do presidente da República, seu vice, ministros, entre outras autoridades, veículos importados pela General Motors, os conhecidos Omega CD australianos. Fazia um ano exato que esses Omegas eram comercializados no Brasil. Fernando Henrique Cardoso era o presidente, seu segundo mandato.
Pois bem, por recomendação da fabricante, a Holden, uma empresa da GM, era necessário fazermos uma atualização do sistema de gerenciamento eletrônico da injeção. Em que consistia esta atualização? Trocar o conjunto da eletrônica e fazer novos ajustes, serviços que poderiam ser feitos em um dia desde que os veículos estivessem à nossa disposição para isso.
De acordo com os contatos políticos e técnicos feitos pelos responsáveis tanto na GMB como na oficina de manutenção da frota do governo em Brasília, os reparos foram agendados e lá fui eu, mais dois técnicos, para a Capital.
Chegando ao local indicado, fomos recebidos pelo coronel do Exército Paulo Renato Caldas Fayão, que se identificou como responsável por toda manutenção da frota de automóveis de passageiros do governo — ônibus, caminhões etc. estavam fora de sua alçada.
A frota de Omegas estava toda alinhada esperando a atualização. Os trabalhos foram iniciados imediatamente e nossa ideia era terminar o serviço no mesmo dia.
Em determinado momento, caminhando pela oficina principal, o coronel Fayão me perguntou se eu conhecia o Rolls-Royce da Presidência da República, no que lhe respondi “apenas pela TV.” Em seguida ele me disse, “então venha comigo, vou lhe fazer uma surpresa.”
O coração por pouco não me saiu pela boca. À distância eu via um vulto coberto por uma capa de proteção preta. Chegando mais perto o perfil se definiu e pude ver a silhueta de um Rolls-Royce que, mesmo coberto, foi emocionante.
Gentilmente o coronel Fayão me pediu ajuda e começamos a tirar a capa, e a emoção aumentava a cada parte do carro que ficava descoberta.
Era a primeira vez na minha vida eu via um Rolls-Royce de perto e estava ao lado dele!
Este modelo é conversível e, pasme, a capota tem acionamento elétrico, e isto já em 1952, incrível.
O coronel sentou-se ao volante, deu partida e baixou a capota até que aquela verdadeira obra de arte ficasse totalmente “escondida” dentro do porta-malas. Tirou o carro do galpão e levou-o até a parte externa, ao ar livre. Eu respirava fundo de emoção.
Explicações a respeito da mecânica do carro, tipo de câmbio — primeira marcha “seca”, não sincronizada, que exigia a técnica da dupla-debreagem para engatá-la com o carro andando. Quem aprendeu a dirigir em carros antigos, como o Prefect da minha mãe, sabe do que estou falando. Ou os Volkswagen até 1960. Era normal primeira não sincronizada.
O coronel Fayão então colocou a mão sobre meu ombro e me perguntou, “quer dar uma volta?” Pelo meu entusiasmo desde o início da minha chegada à oficina ele percebeu o quanto eu era fanático por tudo aquilo.
“Sente-se e ajuste o banco para seu maior conforto.” disse o militar. Eu não sabia se chorava ou se ria de nervoso. “Mas coronel, eu vou dirigir?” ainda lhe perguntei, e ele me respondeu perguntando. “você não quer?”
O volante era enorme, de diâmetro absurdamente grande e de reação superlenta, e por não ter nenhum tipo de assistência a direção era bastante pesada.
Imagine a cena: eu dirigindo e o coronel no banco ao meu lado, passeando pelos jardins daquele belo local (foto de abertura, gentilmente feita pelo coronel Fayão com a minha câmera). Numa situação precisei engatar primeira com o Rolls-Royce em movimento, e feita a operação com sucesso o coronel me perguntou se eu já havia dirigido caminhão. “Sim, um Mercedes 1113 e muito Volkswagen” — respondi-lhe.
De repente o ele me pediu que parasse o carro. Abriu o porta-luvas e de lá, como em um passe de mágica, tirou duas bandeiras brasileiras e as fincou nos para-lamas dianteiros, num ponto específico para isso. Eu tremia!!!
Em seguida apareceram meus amigos que já tinham realizado os serviços nos Omegas e conosco pegaram uma carona — eu motorista, o coronel Fayão ao meu lado como se fosse um segurança, e os meus amigos no banco traseiro curtindo o passeio como se autoridades fossem (um deles era do nosso escritório regional de Brasília).
Um detalhe chamou minha atenção: os pneus e aros de roda não eram os originais que se viam normalmente em desfiles, aquelas faixas brancas largas não existiam. Uma explicação logo me foi dada.
“Quando o veículo fica parado, o que é a maior parte do tempo, guardamos os pneus e rodas originais para não se deformarem ou ressecarem e em seu lugar usamos estas que são de um caminhãozinho Mercedes 608 D. Este carro somente é utilizado em duas ocasiões, durante a posse de um novo Presidente e no desfile de 7 de Setembro,” completou o coronel.
Bem, já estou dirigindo há mais de 30 minutos e acho que já abusei da gentileza do coronel , e voltamos para a garagem. Foi uma experiência única e tem detalhes que observei durante este “test-drive” que mais tarde pude confirmar estar certo.
Agradecemos ao coronel Fayão sua gentileza, sua atenção, e com o espírito renovado e uma boa história para contar, voltamos a São Caetano do Sul trazendo conosco algumas fotos que compartilho com você.
Durante minhas voltas nos jardins em Brasília achei o motor bem fraco, o carro tinha um peso absurdo e mui provavelmente o motor estava cansado.
Cerca de dois anos depois, assistindo pela TV a primeira posse de Lula, quando ele e esposa, devido à chuva, tiveram que passar pela garagem do Senado e teriam que enfrentar uma rampa algo íngreme naquele Rolls-Royce cujo motor eu havia achado fraco, e tendo a bordo motorista, presidente, primeira dama e um segurança em cada estribo, tive certeza de que Rolls-Royce não conseguiria subir aquela rampa. Tanto que eu até disse à minha mulher que comigo assistia à posse, “se não empurrarem não sobe” Dito e feito, foi exatamente o que aconteceu.
No afã de tentar subir o motorista precisou abusar da embreagem, que acabou patinando totalmente, até fumaça se viu. Os seguranças desceram e alguns outros que estavam próximos ajudaram o Rolls-Royce a vencer mais aquele desafio.
RB
A coluna “Do fundo do baú” é de total responsabilidade do seu autor e não reflete necessariamente a opinião do AUTOentusiastas.
(Atualizado em 6/set/16 às 15h00, informação do nome do coronel, Paulo Renato Caldas Fayão)