Os motores V-8 representam a performance e potência bruta no mundo automobilístico. Há anos são usados em larga escala nos carros mais potentes do mundo, nos mais radicais e brutos, criando uma aura especial sobre os carros que equipam.
Do mesmo jeito, os V-12 são tidos como a melhor forma de propulsão com refinamento e sofisticação. São suaves, lisos, sem a agressividade dos borbulhantes irmãos menores de oito cilindros. Se o V-8 é o rock’n’roll em forma de motor, o V-12 é a a orquestra sinfônica tocando música clássica, perfeita e afinada.
Por muitos anos, os principais fabricantes do mundo reservam seus V-12 apenas para os carros mais sofisticados e exclusivos. Não são motores baratos por terem mais componentes, precisam de atenções diferenciadas e seu uso é mais específico, diferente do V-8 que é “pau pra toda obra”.
Os mais exóticos supercarros usam os V-12, justamente pelo sua distinção e qualidade, além da capacidade de extrair potência, pois de forma em geral são motores de grande cilindrada. Os Ferraris mais caros e potentes são V-12, assim como os Paganis e Lamborghinis.
Além de supercarros, estes motores também foram usados em carros “normais” que se destacam em meio aos seus semelhantes, assumindo a responsabilidade de serem os melhores dentre suas respectivas marcas. Grandes carros, não necessariamente esportivos, foram concebidos para rodar com toda a imponência e suavidade dos V-12, com potência de sobra sempre a disposição de seus usuários.
Rodar com um V-12 é uma experiência única e especial, que deve ser aproveitada segundo a segundo, não importa em qual carro seja. É poder sentir-se a bordo de um automóvel diferenciado, pois carregar doze cilindros não é para qualquer um.
Aqui estão listados, em ordem cronológica, dez modelos não-superesportivos equipados com V-12 que considero os mais interessantes e especiais.
1) Packard Twin Six 1916
Uma das pioneiras a usar o V-12 na produção seriada foi a americana Packard com o modelo Twin Six, posteriormente chamado de Twelve. Pela suavidade de funcionamento e potência gerada, a engenharia da Packard optou pelo motor de doze cilindros de válvulas no bloco para equipar seus modelos mais refinados e disputar mercado com o novo Cadillac V-8 da época.
Com este modelo a Packard ganhou fama no mercado, consolidando a imagem de automóveis potentes, silenciosos e refinados. Assim como diversos fabricantes da época, existia na Packard a opção de comprar um chassi rolante (carro sem carroceria, apenas o chassi, eixos, direção e o conjunto motriz) e levar a um encarroçador independente. Os V-12 se destacavam neste segmento, por trazer status aos seus proprietários.
Os 90 cv de potência levavam os Twin Six a até 120 km/h, um marco para os anos 1910. O V-12 de 7 litros foi um dos primeiros a ter os cabeçotes removíveis, sistema sofisticado de ignição, melhor distribuição das galerias de circulação de água no motor com menos tubulações externas e carburadores Stromberg no centro do V. Permitia também que o chassi fosse mais estreito, pois o ângulo entre as bancadas era de 60°, mais fechado que os 90° do V-8.
O modelo Twin Six perdurou por anos graças à qualidade e sofisticação do conjunto, opções de carrocerias variadas que se tinha com encarroçadores independentes e o glamour de se rodar com doze cilindros.
2) Cadillac Série 370 1931
A Cadillac é a divisão de luxo da General Motors há décadas. Seus carros são os mais sofisticados dos EUA e desde o começo do século são pioneiros com diversas inovações automobilísticas. Com o propósito de ter um modelo intermediário, logo abaixo de seu exuberante V-16, em 1931 o modelo 370 foi introduzido.
Ao longo de algumas versões, identificadas por letras após o número 370, o Cadillac V-12 era silencioso e confiável. Por ser menor que o V-16, mesmo com o motor menor, o desempenho era surpreendente para a época. O 370 trouxe ao mercado americano uma das melhores opções que fugia ao comum com este V-12, mais acessível que o V-16.
No fim de 1937, a linha V-12 da Cadillac foi cancelada por ter números de vendas cada vez menores. A atenção seria voltada exclusivamente aos V-8, o motor que caiu no gosto dos americanos. Hoje em dia, os Cadillacs V-12 são tão procurados como os V-16 por sua representação de uma época de ostentação e fartura automobilístca.
3) Voisin C20 Mylord Demi-Berline 1931
Os Voisin hoje são raridades de valores inestimáveis. Mais raros que Bugattis, a extravagância dos modelos franceses era notória já nos tempos em que eram carros atuais. O preço de um Voisin novo era bem superior aos seus concorrentes, o que já os tornavam diferenciados.
A ligação da marca com a aviação era forte por conta de suas origens. Diversas técnicas de construção eram usadas nos aviões e carros da Voisin, além da disposição de diversos instrumentos no painel. Este modelo C20 é único, com uma carroceria em alumínio desenhada na própria fábrica.
O motor era um dos mais modernos do mundo para a época, um V-12 de 4,9 litros com sistema de válvulas por camisa deslizante, o conceito criado por Charles Knight. Este sistema era mais silencioso e permitia que o motor atingisse rotações mais elevadas por não ter válvulas com molas de retorno como nos motores convencionais.
Produzindo 115 cv e acoplado a um câmbio de quatro marchas, o C20 era rápido, capaz de chegar sem muito esforço a 150 km/h. O carro de destaca pelas linhas com cantos vivos, perfil baixo e o silencioso V-12, mais do que adequado para um dos mais refinados e caros automóveis dos anos 1930.
4) Franklin Model 17 1932
A Franklin, empresa de Nova York que começou a fabricar carros com motores arrefecidos a ar em 1902, era um dos pontos fora da curva do mercado americano. Carros luxuosos capazes de rivalizar em grau de igualdade com os melhores da indústria.
Os motores de arrefecimento a ar eram similares aos dos concorrentes arrefecidos a água. Nada de motores boxer ou coisa do tipo. Eram grandes motores de cilindros em linha, até que em 1932 apresentaram um modelo com um v-12 de 6,5 litros arrefecido a ar, desenvolvido por Fred Glen Shoemaker, um renomado engenheiro aeronáutico da época.
O carro não era lá essas coisas se comparado com os seus modelos anteriores. O conforto ficou comprometido por conta dos reforços feitos no chassi e na suspensão para suportar o novo motor, grande e pesado, bem como o alto custo que espantou boa parte dos clientes, recém-afetados pela crise financeira americana do fim dos anos 1920. De qualquer forma, era um carro diferente. Para usar um motor deste tipo nos EUA era preciso coragem para arriscar o investimento.
Aproximadamente 200 carros foram feitos, e este é tido como um dos responsáveis por acabar de enterrar a Franklin em meio às suas crises financeiras e acabar com um dos poucos fabricantes a apostar nos motores arrefecidos a ar nos Estados Unidos.
5) Lincoln Zephyr 1936
O Zephyr teve sua produção iniciada em 1935, como uma linha intermediária de modelos Lincoln, os mais refinados carros debaixo do grupo Ford. Para a época, o Zephyr era um carro bem moderno, com características construtivas que estariam presente nos carros dos anos 1940.
O motor conhecido como Série H era um V-12 de válvulas no bloco derivado do clássico Ford flathead V-8. Começando a produção como uma unidade de 4,4 litros (115 cv), o motor evoluiu ao longo dos anos até chegar a 5 litros (135 cv). Os primeiros motores tinham cabeçote de alumínio, mas muitos problemas nos primeiros anos fizeram com que fossem substituídos por peças de ferro fundido.
A proposta do Zephyr era boa, com um carro menor porém moderno, no segmento de luxo americano. Com o tempo, o nome Zephyr foi abandonado e todos os modelos passaram a se chamar apenas Lincoln, mas mantendo a proposta da marca original.
Até hoje os motores V-12 flathead do Zephyr são bastante procurados, até mesmo para equipar hot rods Ford.
6) Jaguar XJ12 1972
O irmão maior da família XJ da Jaguar foi por anos o topo de linha da marca inglesa. Dividindo o motor-base com o esportivo E-Type, o XJ12 tinha sérios problemas de arrefecimento. Como o espaço no cofre era o mesmo disponível para o motor seis-cilindros, o V-12 coube por milímetros, e pouco sobrou para alojar um radiador compatível. Os quatro carburadores Zenith-Stromberg depois foram substituídos por um sistema de injeção de combustível Lucas. Em ambos os casos, problemas quase que certos ao longo da vida do carro.
Todos os problemas do Jaguar são esquecidos quando olhamos para ele. É simplesmente lindo. Por anos, a Jaguar pouco se importou com recursos tecnológicos modernos, os famosos gadgets eletrônicos. Até os anos 1990, um XJ era apenas um bom carro (enquanto estivesse funcionando), não um conjunto de truques eletrônicos e botões para todos os lados.
Couro, madeira, aço, sistemas elétricos com vontade própria e um V-12 liso e sonoro, que de acordo com uma publicação da revista Car and Driver da época sobre os últimos XJ12, “parecia ser feito com peças de felino, não de metal”. Tudo embrulhado em luxo e elegância. Esta era a receita do XJ12. Britânico da cabeça aos pés.
7) Lamborghini LM002 1986
Um Lamborghini na lista de não-superesportivos? Sim! O jipe LM002, também chamado de “Rambo Lambo” na cultura automobilísticaa, foi uma criação completamente inesperada da marca do touro de Bolonha. Inicialmente o LM002 deveria ser um veículo militar chamado Projeto Cheetah, feito em parceria com um grupo americano. Originalmente com motor V-8 central, o projeto fracassou, mas a Lamborghini aproveitou o que pôde e transformou-o em um veículo civil, chamado LM001. Muitos consideram o LM002 uma picape de cabine dupla, já que tinha caçamba.
Em vez de usar o motor Chrysler central, os italianos tentaram usar um V-8 da AMC, mas também não foi bem-sucedido por problemas de dirigibilidade. Para não perder totalmente o trabalho, a Lamborghini usou o que tinham em mãos, ou seja, o V-12 do Countach 5,2-litros, porém montado na frente do carro. O sistema de tração 4×4 foi modificado para se adequar à configuração de motor V-12 dianteiro. Pneus especiais foram feitos pela Pirelli (345/60VR17) a um custo exorbitante.
Se não fossem os 3.075 kg do LM002, os 450 cv do V-12 fariam deste carro um dos mais rápidos modelos vendido nos Estados Unidos na época. Mesmo assim, acelerar um monstro deste tamanho de zero a 160 km/h em 20 segundos não era lento. Na época, o LM002 custava 120 mil dólares, míseros 90 mil a mais que um Range Rover. Um dos mercados alvo era o Oriente Médio, onde os xeques árabes gastavam milhões em carros.
Como automóvel, não era muito bom. Grande demais, pesado demais, beberrão demais, caro demais. Para o crescente mercado da ostentação, era perfeito. Não foi uma das melhores coisas que a Lamborghini já fez em termos de sucesso de vendas, mas com certeza é uma das mais legais.
8) BMW 850i 1990
A BMW teve em sua gama de modelos o incrível Série 8, fabricado de 1989 a 1999, como substituto do Série 6 cupê, mas na verdade a marca passou de um cupê baseado em um sedã para um verdadeiro grã-turismo.
A versão final de produção tinha duas opções de motor, o V-8 e o V-12, ambos utilizados no Série 7. O modelo 850i foi o primeiro carro de rua a ter um V-12 com câmbio manual de seis marchas e um dos primeiros BMW com suspensão traseira multibraço. Tinha também faróis escamoteáveis. How cool is that!
O 850Csi V-12 tinha motor 5,6-litros e 385 cv de potência e apenas a caixa manual de seis marchas. Era um dos melhores GTs do mundo na época, e a suavidade e potência do V-12 combinavam perfeitamente com a qualidade e desempenho esperados. Este motor, com certas alterações, foi usado no McLaren F1 de Gordon Murray.
Infelizmente novas normas de emissões europeias mataram o V-12, pois seria preciso muito investimento para reprojetar o motor para atender as novas legislações da época. Até hoje, o 850 é um dos grandes BMW de todos os tempos e bastante procurado por colecionadores.
9) Audi Q7 V-12 TDI 2008
A Audi é mundialmente conhecida pelos seus carros com tração integral, sistema chamado de quattro, que há décadas faz sucesso tanto no uso “civil” como nas competições. Mais recentemente, a Audi investiu em um carro de corrida diesel para disputar as 24 Horas de Le Mans, o R10 TDI. Foi um sucesso, sendo o primeiro diesel a vencer a corrida.
A cultura de carros diesel na Europa é forte por serem modelos mais econômicos, mas até então associados com carro sem graça e lentos. A Audi aproveitou o sucesso do R10 de corrida e lançou no mercado o utilitário esporte Q7 com motor 6-litros V-12 biturbo diesel e tração quattro. Com 500 cv e 102 m·kgf de torque, este diesel era o Q7 mais rápido da família, feito para brigar com os Mercedes AMG e BMW X5.
Foi uma forma muito boa de aproveitar o marketing do R10 de corrida e colocar no mercado um diesel que provasse ser capaz de andar junto com qualquer carro do mercado, mesmo não tenho nenhuma peça em comum com o motor de corrida. Este foi um dos modelos mais legais que a Audi fez, mesmo eu não gostando muito de SUVs e tendo pouco contato com carros diesel.
10) Mercedes-Benz S65 AMG 2013
O Mercedes-Benz Classe S é o modelo mais sofisticado da marca alemã há gerações. Em 1991, o Classe S pela primeira vez teve como opção na versão topo de linha o motor V-12 de 6 litros e desde então muitos modelos foram considerados referência no mercado pelo seu bom funcionamento e desempenho. O modelo padrão é o S600, mas há um mais interessante ainda.
A divisão AMG, preparadora in-house da Mercedes, trabalhou em diversas versões do V-12 para seus modelos especiais, e o S65 é a cereja do bolo. Dois turbocompressores, interresfriadores, muita eletrônica e 6 litros de cilindrada geram 620 cv que podem chegar a mais de 700 cv no sedã mais luxuoso da Mercedes. Existem os Brabus, que são os AMG preparados, mas acabam não sendo Mercedes originais. Os grandes Mercedes são referência em classe e desempenho desde os seus primórdios, como os incríveis 770K, os luxuoso 300D e os potentes 450SEL 6,9-litros.
O S65 AMG junta em um carro só dois universos distintos. É como ter a potência de um supercarro na limousine mais sofisticada do mundo, capaz de deixar comendo poeira qualquer Ferrari ou Porsche na Autobahn. A aceleração e a retomada deste carro são impressionantes, visto seu tamanho e proposta de carro de luxo. Simplesmente genial, melhor que isso só se inventassem uma perua Classe S.
Menção honrosa: Toyota Century
Desde 1967, o Century é um dos carros mais refinados do Japão, destinado apenas ao seu mercado local. Na geração iniciada em 1997 e em produção até hoje, o modelo ganhou um motor V-12 fabricado pela Toyota, o único em produção no Japão.
O motor é um 5-litros com 48 válvulas e duplo comando que gera 320 cv e existe uma versão de fábrica pronto para rodar com gás natural, com o propósito de reduzir emissões de poluentes, grande foco no Japão em função da poluição elevada nas grandes cidades.
Mereceu aparecer aqui, pois representa a classe dos japoneses. Discreto e reservado, traz prestígio à limusine japonesa sem grandes alardes.
MB