Nós, os doentes em estado terminal por automóveis, não conseguimos entender a sanha do público moderno pelos suves. Mesmo porque hoje em dia a definição de suve é bastante ampla. Carros como o Mercedes-Benz GLA são na verdade hatchbacks com suspensão um pouco mais alta e pneus maiores. Chamar isso de suve, uma categoria que teoricamente engloba a Chevrolet Suburban, mostra o quanto andamos esticando o termo.
Rodas maiores e mais vão livre são inúteis no uso de um hatchback de tração dianteira, e trazem uma série de compromissos: reduz o espaço interno, sobe o centro de gravidade, aumenta sobremaneira a massa não suspensa. Peso maior, consumo menor, desempenho pior. Por que o povo continua querendo somente eles então? Por que não ficam com os hatches normais?
Por estilo e moda, claro. Não adianta reclamar e tentar achar lógica; simplesmente assim é o gosto estético do consumidor. Não sei explicar o porquê, mas não discuto mais. Assim ele evoluiu, assim ele é hoje, e não temos como mudar isso. Ajuda, claro, que o estado da arte da engenharia automobilística esteja tão tecnologicamente avançado que as desvantagens teóricas sejam quase imperceptíveis. Quase é a palavra aqui, principalmente quando se fala de espaço interno, desvantagem mais fácil de notar.
Se antes se usavam minivans e antes disso peruas, hoje se usam os tais suves para levarmos os filhos para a escola e as demais atividades do dia a dia. E apesar de menos eficiente que minivans ou peruas, na maioria das vezes atendem perfeitamente esta função. E são carros muito bons, é bom lembrar.
Então é por este prisma que devemos avaliar estes carros. São os veículos familiares do nosso tempo, alguns deles focados em conforto, outros em desempenho, mas todos eles usados para que as mamães e papais continuem elegantes e na moda ao rodar por aí com seus pimpolhos. Peruas e minivans, fora dos círculos autoentusiastas, simplesmente são considerados carros antigos, cafonas, algo completamente demodé. Incrível, mas é verdade.
E, sinceramente, não há mais porque odiá-los. A marcha da tecnologia os tornou, principalmente em suas versões menores, com monobloco e suspensões independentes, em carros muito bons em todos os aspectos, que mascaram perfeitamente todas as suas desvantagens teóricas. Como prova este Q3 que usamos por uma semana, podem ser carros de luxo extremamente confortáveis e perfeitamente adequados a uma família de quatro pessoas.
O Audi Q3
O menor dos SUV da Audi, o Q3 é concorrente direto do BMW X1 e do Mercedes-Benz GLA (Pai, esse carro chama glá mesmo? Que nome feio!). Produzido na fábrica da marca em São José dos Pinhais, no Paraná, desde março deste ano, é um carro de tração dianteira, com base do tamanho de Golf, mas grandalhão principalmente em altura, visto bem de pertinho. Os 4.388 mm de comprimento, 1.831 mm de largura e 1.590 mm de altura, somados aos pneus enormes (235/50 R18 na versão Ambition testada), lhe conferem uma ilusão de carro grande, o que sozinho deve ser motivo de muita compra.
Por dentro, porém, a ilusão desaparece, apesar de ter espaço mais do que suficiente para a minha família (eu, esposa, filha de 17, filho de 12, e vira-lata de 2). O espaço interno não é ruim, apenas é menos que o prometido por fora, como em todo suve.
A Pipoca, porém, nossa vira-lata grandalhona, não gostou do porta-malas e reivindicou um lugar no meio das crianças no banco traseiro; em minha perua (uma BMW 328i 1996) ela fica bem no porta-malas, mas o Q3 é apertado acima da linha de cintura do porta-malas, fazendo com que ela ficasse sem espaço para andar de um lado a outro. O espaço para malas, abaixo da linha de cintura, é ótimo, porém bem maior que o da minha velha BMW. Este é na verdade o pequeno preço a pagar por um perfil de carroceria belíssimo, com caída forte da linha de teto depois do banco traseiro. Conseguir um desenho bonito assim em um carro com estas proporções básicas “atarracadas” não é nada fácil, mas a Audi conseguiu.
O Q3 é equipado com o conhecido motor 1,4-litro TFSI, turbo, acoplado a um suave câmbio robotizado de seis marchas e dupla embreagem, o S tronic. São 150 cv de 5.100 a 6.200 rpm, e 25,5 m·kgf de 1.250 a 5.000 rpm, em um motor realmente pequeno em tamanho, que parece perdido no espaço do cofre, debaixo do capô. A suspensão dianteira é McPherson, a traseira independente multibraço, e os freios são a disco nas quatro rodas.
O carro não é pesado pelo seu volume, com 1.405 kg em ordem de marcha, o que dá um bom desempenho: 0-100 km/h em 8,9 segundos, a caminho de uma velocidade final de 204 km/h. Um veículo familiar capaz de gerar estes números costumava ser raríssimo, mas hoje é corriqueiro.
Preços: A versão avaliada é a Ambition, a mais cara e equipada, que custa a partir de R$ 169.990. Some a isto o pacote tecnológico, que inclui o excelente som Bose, o Park Assist com câmera de ré, keyless entry e o Audi Drive Select (que propicia escolha entre os modos Efficiency, Comfort e Dynamic), e o preço sobe para R$179.990. O “meu” Q3 azul veio também com pintura metálica (R$ 1.500), o delicioso pacote conforto (iluminação interna em LED, abertura e fechamento do porta-malas elétrico, e o maravilhoso teto solar “Open Sky”, todo em vidro, por R$ 9.500), e mais alguns outros opcionais (pacote de conveniência e faróis full LED), para um grandioso total de R$203.990. Eu sei que você torceu o nariz ao saber disso, mas depois de passar uma semana com este carro de luxo de extremo bom gosto e qualidade disfarçado de suve pequeno, eu não. Coisa boa, de qualidade, vale dinheiro.
São oferecidas também as versões Attraction (R$ 142.990) e Ambiente (R$ 153.990). A versão avaliada tem tudo que se poderia desejar, mas destaco aqui meu opcional preferido, o que escolheria se pudesse pegar somente um: o agradabilíssimo teto solar de vidro “Open Sky”. Este teto deveria, em minha opinião, equipar todas as versões de série: torna o interior iluminado e agradável, e é um dos pontos altos do carro.
Uma semana com o Q3
O carro não tem nada que lembre os suves tradicionais além do porte, da altura do solo, e dos pneus grandes. Dirigindo, imita perfeitamente bem um hatchback de porte médio, e a altura não incomoda em nada, mesmo dirigindo rápido em curvas. Somente em ritmo de corrida que começa a se sentir as desvantagens de suspensão alta, e uma roda ou outra acaba saindo do chão. Mas dirigindo à moda é realmente impressionante como pode se imprimir um ritmo forte com total segurança.
O motor puxa muito bem, e o câmbio, sempre suave nas trocas, ajuda bastante se você comandá-lo manualmente pelas borboletas atrás do volante ou pela alavanca. Não é nem de longe um carro esporte, duro e rápido nas reações; obviamente o mote aqui é conforto e suavidade. O ritmo forte é conseguido na maior tranquilidade, a suspensão suave absorvendo as imperfeições da pista tranquilamente, e as marchas trocadas com suavidade extrema.
Suavidade é a melhor característica deste carro de luxo, e um adjetivo que permeia toda a experiência. Tem três ajustes pré-programados: Eficiência, Conforto, e Esportivo, que alteram a resposta do acelerador/motor, da direção, e do câmbio, este último também possível de ser selecionado entre D (Drive, conforto), S (Sport, automático esportivo) e manual. Em todas as regulagens, a diferença é sutil, e o carro sempre roda suave e confortável.
Particularmente preferi deixar o carro em modo Conforto, e o câmbio em Sport, com as ocasionais intervenções nas borboletas quando redução se fazia necessária. A direção no modo Sport me pareceu desnecessariamente pesada, e de um modo artificial demais, enquanto em Conforto ela fica leve e mais agradável.
Andando com a família, mais tranquilo, o único senão é certa demora para o turbo entrar em ação abaixo de 1500 rpm; nada que seja irritante demais, mas que requer um tempo de aclimatação. No segundo dia, aprende-se que quando se precisa de reação rápida a rotações bem baixas, melhor dar duas batidas na borboleta esquerda antes de acelerar.
E é andando com a família que se entende o porquê deste carro: suave e confortável, muito silencioso, com desempenho, estabilidade e segurança exemplares, mas sem pedir desconforto ou trancos em troca, e com o interior de qualidade que é tradicional nos Audi, é uma bela porta de entrada para famílias que queiram comprar um carro da marca pela primeira vez.
O espaço atrás é ótimo até para minha filha mais velha, que é maior que a maioria dos adultos, tanto para pernas quanto para cabeça. Mesmo “atrás de mim”, que com 1,92 m também não sou baixinho. Os bancos de couro são ótimos ao toque, e muito confortáveis. Iluminados pela luz que atravessa delicadamente o teto de vidro, fizemos passeios memoráveis neste ambiente agradabilíssimo.
Eu até descobri uma coisa que já tinha notado no Duster Oroch: carros monobloco altos, com pneus grandes e suspensões independentes, são sensacionais para o off-road urbano que o governo nos faz enfrentar todos os dias. Quebra-molas desaparecem, buracos são ignorados, costelas de vaca se tornam uma pequena irritação somente. Ainda acho que o motivo do povo gostar deste tipo de carro não tem relação nenhuma com este fato, mas para mim só isso já justificaria a compra de algo do gênero.
Mas um carro de família tem que ser julgado primeiro por ela, e a opinião do pai acaba ficando em segundo plano. E a minha simplesmente adorou o Q3. Minha ferrenha defesa das peruas foi completamente ignorada e desprezada; o povo lá de casa gosta mesmo é de suve. E até a Pipoca, safada, não queria sair mais de dentro! Sai daí, Pipoca!
MAO
FICHA TÉCNICA AUDI Q3 AMBITION | |
MOTOR | |
Tipo | Ignição por centelha, 4 tempos |
Instalação | Dianteiro, transversal |
Material do bloco/cabeçote | Alumínio |
N° de cilindros/configuração | 4 / em linha |
Diâmetro x curso (mm) | 74,5 x 80 |
Cilindrada (cm³) | 1.395 |
Aspiração | Forçada por turbocompressor com interresfriador, pressão 0,8 bar |
Taxa de compressão (:1) | 10,5 |
Potência máxima (cv/rpm) | 150/5.100~6.200 |
Torque máximo (m·kgf/rpm) | 25,5/1.250~5.000 |
N° de válvulas por cilindro | 4 |
N° de comando de válvulas /localização | 2 / cabeçote, com variador de fase de admissão e escapamento, corrente |
Formação de mistura | Injeção direta Bosch MED |
ALIMENTAÇÃO | |
Combustível | Gasolina de 95 octanas RON |
SISTEMA ELÉTRICO | |
Tensão (V) | 12 |
Alternador (A) | 140 |
Capacidade da bateria (A·h) | 59 |
TRANSMISSÃO | |
Rodas motrizes | Dianteiras |
Câmbio | Robotizado, duas embreagens a seco |
N° de marchas | 6 à frente e uma à ré |
Relações das marchas (:1) | 1ª. 3,46; 2ª. 2,05; 3ª. 1,30; 4ª.0.90:1; 5ª. 0,91; 6ª 0,76; ré 3,99 |
Relações de diferencial (:1) | 4,80 e 3,60 |
FREIOS | |
De serviço | Hidráulico, duplo circuito em diagonal, servoassistido |
Dianteiro | Disco ventilado |
Traseiro | Disco |
Controle | ABS, EBD, BAS |
SUSPENSÃO | |
Dianteira | Independente, McPherson com subchassi de alumínio, braço triangular, mola helicoidal, amortecedor pressurizado e barra estabilizadora |
Traseira | Independente, multibraço, mola helicoidal e amortecedor pressurizado separados e barra estabilizadora |
DIREÇÃO | |
Tipo | Pinhão e cremalheira, assistência elétrica indexada à velocidade |
Diâmetro mínimo de curva (m) | 11,8 |
Relação de direção | 15,3:1 |
RODAS E PNEUS | |
Rodas | Alumínio 7Jx18 |
Pneus | 235/50R18 |
PESOS | |
Em ordem de marcha (kg) | 1.405 |
CARROCERIA | |
Tipo | Monobloco em aço, suve, 4-portas, 5 lugares, subchassi dianteiro e traseiro |
DIMENSÕES EXTERNAS (mm) | |
Comprimento | .4.388 |
Largura sem espelhos | 1.831 |
Altura | 1.590 |
Distância entre eixos | 2.603 |
AERODINÂMICA | |
CAPACIDADES (L) | |
Porta-malas | 460 |
Tanque de combustível | 64 |
DESEMPENHO | |
Velocidade máxima (km/h) | 204 |
Aceleração 0-100 km (s) | 8,9 |
CONSUMO DE COMBUSTÍVEL | |
Cidade | n.d. |
Estrada | n.d. |
CÁLCULOS DE CÂMBIO | |
V/1000 em 6ª (km/h) | 46 |
Rotação do motor a 120 km/h em 6ª | 2.600 |