Antropólogo diz que brasileiro abomina a igualdade no trânsito e não suporta se comportar como igual nos espaços públicos.
Um engenheiro recém-formado no Brasil foi estagiar numa fábrica na Suécia. Nos primeiros dias do estágio, um colega da empresa, seu vizinho, ofereceu carona.
O brasileiro topou e percebeu, no primeiro dia, que ao chegar à fábrica o estacionamento estava quase vazio, pois ainda faltavam uns 30 minutos para o início do turno da manhã. Mesmo assim, o sueco encostou o automóvel longe do portão de entrada.
No segundo dia, o carro foi novamente estacionado no mesmo local, apesar das vagas disponíveis próximas ao portão. O brasileiro, sem entender, olhou em volta e procurou por árvores que pudessem proteger o carro do sol à tarde. Ou se ali era mais elevado que o lado contrário, para evitar uma eventual inundação. Nada encontrou que explicasse a opção do sueco.
No terceiro dia, de novo no mesmo lugar e aí o brasileiro perguntou o porquê de parar o carro longe da entrada.
“Simples — respondeu o sueco — nós estamos chegando cedo e temos tempo para atravessar com calma o estacionamento. Assim, deixamos as vagas próximas ao portão para os colegas que chegam mais tarde e que se atrasariam se tivessem que encostar tão longe”.
Essa história retrata a diferença entre culturas e povos. O sueco seria considerado pela maioria dos brasileiros como um verdadeiro trouxa. Sob o raciocínio de que tem direito à vaga mais próxima por ter chegado mais cedo…
Ao volante, nós xingamos quem atrapalha o fluxo na rua ao parar em fila dupla (foto de abertura). Mas não hesitamos em formar fila tripla ao deixar o filho no colégio. Nem em avançar no cruzamento congestionado mesmo sabendo que vamos interromper — desnecessariamente — o fluxo da outra rua. Ou estacionar em vaga de Portadores de Necessidades Especiais — mais próxima da saída — pois ainda existem vários outras caso apareça alguém que tenha direito de fato. Sempre queremos levar vantagem.
O antropólogo Roberto DaMatta tem uma explicação para o complicado comportamento do brasileiro ao volante em seu livro “Fé em Deus e Pé na Tábua”, da Editora Rocco. Ele diz que nossos motoristas abominam a igualdade no trânsito e não suportam se comportar como iguais nos espaços públicos. Esse complexo de superioridade — diz DaMatta — tem raízes na própria história do Brasil. E afirma que nossos motoristas “dirigem no melhor estilo Carlota Joaquina”, alusão ao protocolo real que obrigava, na época do império, que todos parassem para reverenciar a corte quando esta passava pelas ruas.
O antropólogo diz que o brasileiro normal dirige, em geral, com um estilo agressivo. Não temos paciência para ficar ao lado daquele sujeito que, no nosso ponto de vista, é um atrapalhador do trânsito pois dirige devagar demais. Enquanto isso, ele olha para você e fala “Aquele cara é um débil mental porque está querendo correr e colocar nossa vida em risco”.
Alguns idiotas só rodam na faixa da esquerda numa estrada de duas pistas pois “já estou na velocidade máxima e não preciso, portanto, deixar ninguém me ultrapassar”. Ou encosta defronte à garagem “só um minutinho” e vai para o bar tomar cerveja com os amigos.
Alguns chegam às vias de fato e se envolvem em lutas corporais no meio da rua porque foi “fechado” pelo outro. Ou na garagem porque teve sua vaga desrespeitada. E não é raro a imprensa noticiar homicídio provocado por briga de trânsito.
Quantas gerações serão necessárias para que o brasileiro tenha o mesmo espírito de civilidade e respeito aos terceiros como o do sueco? Ou que, pelo menos, não pense ter o rei na barriga?
BF