Apresentamos mais um causo do Afrânio Benzaquem de Souza, que escreveu vários causos com seu Fusca bege 1970; aliás, ele se refere a este carro como sendo “seu único e primeiro carro”. Acho que ele já é bem conhecido aqui na coluna “Falando de Fusca & Afins”, pois já foram publicados o causo do Livro II – “Eles têm artes… do cão!” e o interessante causo das “Vacas afetuosas“.
MEU CASO COM UM VOLKSWAGEN E A BRANDURA POLICIAL
Por Afrânio B. de Souza
Quando adquiri o meu Fusca novo, em 1970, tinha recentemente tirado a carteira de motorista no Rio de Janeiro. Minha mulher, a todo custo, queria aprender a dirigir e, praticamente, exigiu que lhe ensinasse as artimanhas do volante.
Isso executei num loteamento deserto, à beira da Rio-Petrópolis, onde havia, pouco adiante, um intervalo no eixo central da rodovia, que era aproveitado para retorno.
Após instruções bem-sucedidas, eis-me manobrando por ali, bem no nariz dum policial rodoviário que não vi, numa espera no centro do canteiro, cujo risco, em minha inocência, não percebi. O guarda apitou quando cruzei a estrada.
Ele aproximou-se calmamente, pegou meus documentos e, muito educadamente, perguntou: “O que fazia o senhor ali no intervalo das pistas? “Um retorno” — respondi. “Aprendi a fazer assim nas avenidas…”
O policial mostrou-se incrédulo e pensativo, sinalizando para que descesse e o acompanhasse. Quando chegamos a uma distância em que a minha mulher não pudesse ouvir, voltou a me interrogar: “O senhor está mesmo confundindo procedimentos de avenidas com os usados nas estradas?” Estava mesmo, candidamente assenti. Ele sacudiu a cabeça e me olhou com uma pena indizível…. Felizmente, nem suspeitou que estivera ensinando a mulher a dirigir, naquele mesmo Fusca, a poucos metros dali.
Pacientemente, começou a desfiar, de maneira afirmativa, a essência das regras aplicáveis: “De cara, o senhor deveria esperar no acostamento, como aquele motorista ali… (apontou ao longe). O senhor fez uma de gato escondido com o rabo de fora…. Do jeito que estava, passava um veículo em velocidade e arrancava-lhe a cauda desse carro…”
Dei uma risadinha sem graça, enquanto ele municiava-me de outros conhecimentos: “Na estrada, o fator principal é a velocidade… Com isso, as margens de manobra são restritas… É preciso atenção para todos os lados e obediência às regras estabelecidas…”
Já me sentia inteiramente “frito” e meu Fusca rebocado, enquanto caminhávamos em direção ao posto policial. Nesse momento, a imagem que eu fixava era a do maldito talãozinho, visível na mão do agente…. Não me contive e arrisquei: O senhor vai me multar? “Tenha calma”, respondeu-me. “Vou consultar o meu supervisor”… Essa autoridade, após certificar-se de que eu tinha aprendido os procedimentos legais, simplesmente me liberou!
Eu e meu Fusca ficamos exultantes e agradecidos por esse memorável e educativo incidente. Passei a ser um autêntico cultor dos deveres e táticas relativas ao trânsito. Até me lembro dos artigos precursores que li, na década de 70, sob o título “Direção Defensiva”. Nesse tempo, poucos automobilistas conheciam ou falavam disso!
Fiquei com esse Fusca até 1999, sem nunca ter me envolvido em acidente algum. Até hoje ele está inteirinho da silva, quase aposentado, na cidade de Olindina, interior da Bahia. Esse êxito quero dividir com aquele anônimo agente da Polícia Rodoviária Federal, que, tão oportunamente, advertiu-me e ensinou-me, no início de minhas lides automobilísticas, guardando, inclusive, extraordinária discrição em relação à minha mulher!
Saudosos tempos em que os policiais de trânsito podiam ser cavalheiros e havia espaço para instruir motoristas iniciantes e ingênuos… E em que os Fuscas eram como extensões de nós mesmos e só faltavam falar!
AG