Caros leitores, não desanimem. Não vou falar aqui da “indústria de multas”. Ou, pelo menos, vou tentar não fazer isso. Estou me esforçando muito, muito mesmo, mas como você conhece minha irresistível vocação para argumentar e pesquisar dados, fica aqui o esclarecimento de que não estou na frente do computador com nenhuma ideia preconcebida. Vamos concluindo na medida em que os números pululam à nossa frente. Combinado?
Um tempo atrás separei um texto de jornal que me chamou a atenção. Era sobre a rodovia no litoral paulista que é recordista em multas no Estado, com 35.000 autuações por excesso de velocidade por mês. Trata-se da SP-55, que reúne a Padre Manoel da Nóbrega, Cônego Domenico Rangoni e Doutor Manuel Hipólito Rego. É claro que é sempre bom contextualizar, mas esse volume de multas corresponde a quase 10% dos flagrantes por excesso de velocidade nas 110 estradas paulistas que têm radares, que respondem por uma média de 370.000 multas por mês. Ambos segundo dados do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) do estado.
A rodovia tem 336 quilômetros de extensão e passa ao largo do litoral paulista. Boa parte da via (87,6%) é administrada pelo próprio DER e o restante pela concessionária Ecovias. Passei por ela no final do ano e notei muitos radares. Segundo o DER, são 115 fixos — ou seja, quase um a cada dois quilômetros, basicamente. Do total de multas por excesso de velocidade, 85% são de veículos que transitaram por lá acima da velocidade do trecho em até 20% acima da máxima. Ao longo da via a velocidade regulamentada varia entre 60 e 110 km/h.
A SP-55 é a rodovia paulista com mais autuações por excesso de velocidade, mas a segunda no ranking é a Anhanguera (SP-330) que registrou 30.108 autuações mensais no ano passado. A diferença fundamental é que a Anhanguera é consideravelmente mais longa do que a SP-55 (tem 450 km) e por lá trafegam 2 milhões de veículos a menos por mês. Parte da explicação também pode estar no fato de que tem menos radares: 105.
Mas o que mais me chamou a atenção foi um quadro sobre a quantidade de radares que há nas estradas do Estado de São Paulo. Não pela quantidade em si, apesar de essa ser uma reclamação constante nos meios de comunicação e nas reuniões com os amigos, mas pela proporção. Passam por estas 10 estradas 78.450.000 de veículos por mês em média. Deste total, 207.741 foram multados por excesso de velocidade — ou 0,0026 multa por carro. Nem são tantas multas assim, apesar do elevado número de radares, já que são 344 em 3.518 quilômetros. Ou quase 1 aparelho a cada 10 quilômetros, para fazer uma conta mais palatável para nossos neurônios. Veja este mapa do próprio DER:
Dentro da cidade de São Paulo já estamos (mal) acostumados a tantos radares pois estamos quase chegando à marca de 1.000 para 17.000 quilômetros de ruas e avenidas incluindo, claro está, as de terra, as vielas, picadas e outros que sequer comportariam um radar de qualquer espécie. Provavelmente sequer um meteorológico… Isso dá 0,053 radar por quilômetro ou 5,3 a cada 100 quilômetros (dados da CET de dezembro de 2014). É claro que isso inclui vias de terra, sem saída, com apenas alguns metros de extensão, todo tipo de rua ainda que não faça sentido nem comportem radares de qualquer espécie.
O radar que está no final da rodovia dos Imigrantes registra 18.800 multas por mês, ou uma autuação a cada dois minutos. Um radar. Umzinho. 18.800 multas por mês de todo tipo, se bem que é fato que na capital o maior volume de multas é por excesso de velocidade mesmo — média de 50% nos últimos dois anos. E vale lembrar que os números dos 115 aparelhos da SP-55 que mencionei são apenas de multas emitidas por excesso de velocidade.
Parece que os órgãos públicos fazem questão de tabular e divulgar dados de formas diferentes apenas para atrapalhar meu raciocínio. Cada um usa uma metodologia, um período, um tipo de variável e ainda por cima muda tudo de tempos em tempos, o que não ajuda em nada as comparações. Vixi! E aqui vai um parênteses. Sou fã de seriados e filmes de investigação policial e sempre morro de inveja dos bancos de dados que eles têm. Se há um suspeito de, sei lá, envenenar pessoas numa determinada rua, eles acessam o cadastro de todos os vendedores de alimentos naquele bairro. E quando a polícia chega ao endereço, o sujeito está lá! No Brasil não temos bancos de dados, os poucos que temos estão desatualizados em termos de endereço, nomes, tudo. Claro que nos seriados há uma boa dose de ficção, mas é fato que boa parte da recuperação de Nova York se deveu à integração dos bancos de dados do país e ao aprimoramento deles. Com isso, aumentou muito a apuração e a prevenção de crimes de todo tipo. Certamente bancos de dados confiáveis e atualizados é o começo de qualquer estudo sério.
Mas voltemos aos radares nas estradas e na capital. Se um único aparelho emite uma multa a cada dois minutos dá para suspeitar que tem algo errado. Ou todos os motoristas infratores decidiram dar voltas em torno do tal radar apenas para serem multados por alguma patologia ainda não estudada pela psiquiatria? Ou seria que tem algo errado com ele? Emitiria notificações sem sentido? Não sei, o Ipem (Instituto de Pesos e Medidas) “garante” que fiscaliza os aparelhos. Ou mais provavelmente há algo errado com a sinalização — seja porque a velocidade é incompatível com o bom senso ou porque não há indicação clara sobre ela.
O atual Secretário de Transportes e o prefeito disseram que querem diminuir a quantidade de multas. Vamos ver se isso se verifica, pois temos na cidade hoje 925 radares fixos, o dobro do que havia quatro anos antes. E algo que já comentei aqui. Não basta dizer que quem anda no limite da via não é multado, assim como quem não comete infrações não será multado. Essa é uma simplificação errada. Se amanhã sancionarem uma lei que obriga os carros a levitarem eu serei multada pois nem eu nem meu carro sequer sabemos como “flutuar” no ar. Da mesma forma, colocar placas de velocidade escondidas, pouco visíveis ou irreais (como passar de 60 ou 70 km/h para 20 km/h em apenas alguns metros, como acontece no final da Marginal Pinheiros para entrar na Av. Itapaiúna) é, sim, indústria de multas. Nem menciono aqui o famoso exemplo da marginal do Tietê sentido oeste, o acesso à ponte das Bandeiras, onde havia um radar que bateu recorde de multas por acesso proibido — ele estava depois que se entrava na alça de acesso à ponte, quando já não era mais possível não entrar. Isso não é “pegadinha”?
O estranho é que apesar de haver tantos radares na cidade, o número de infrações não para de subir. Burrinhos os motoristas paulistanos que insistem em ser multados, não? (modo irônico ativadíssimo) (veja o Mudando de Assunto, logo abaixo).
Não acho que o número de radares nas estradas paulistas seja pequeno, que fique bem claro, mas parece haver uma dicotomia entre quantidade de radares, volume de tráfego e número de infrações — o que me leva a crer que haja, sim, um problema de sinalização ou de adequação das normas dentro da capital.
Os números de 2016 não estão totalmente fechados, mas com quase 12 autuações por minuto (em média), as multas por excesso de velocidade são campeãs de arrecadação na cidade de São Paulo e respondem por 50% do total de infrações. Entre janeiro e outubro de 2016 (último dado disponível) elas passaram de 2,6 milhões nesses meses de 2014 para 5,5 milhões no ano passado. E isso para uma frota de 8 milhões e veículos que, como sempre digo, está superestimada por falta de atualização nas baixas. E no caso das multas, ainda falta incluir novembro e dezembro…
Mudando de assunto: A CET divulgou o volume arrecadado com multas em janeiro deste ano: R$ 145,7 milhões, um aumento de 28,93% quando comparado com janeiro de 2016. É a maior arrecadação com multas para o mês de janeiro desde 2008, quando começaram a divulgar este tipo de informação. Mas não foram divulgados os volumes de multas. Detalhe: todas as multas foram emitidas em 2016, o dinheiro apenas entrou nos cofres da Prefeitura este ano. Portanto, são da gestão anterior. A administração passada havia previsto recolher R$ 1,11 bilhão e fechou 2016 com saldo de R$ 1,531 bilhão. O total representa 137,9% do projetado ou R$ 421 milhões a mais.
NG