“Existe apenas um bem, o saber; e apenas um mal, a ignorância”
Sócrates (469 – 399 a.C.). Filósofo grego
O motor do automóvel é uma máquina térmica, especificamente um motor de combustão interna. A combustão produz calor, que precisa ser domado, ou motor quebraria por avaria dos seus componentes por excesso de temperatura. Para evitar isso existe o sistema de arrefecimento. Sua função é transferir o calor do motor para algum outro meio, geralmente a água — existe também o ar para isso, mas essa solução há um bom tempo foi abandonada por o ar não ter a mesma capacidade de “receber” calor que a água tem.
Antes de continuar, um parêntese. Há uma diferença básica entre arrefecimento e refrigeração. Arrefecer é fazer a temperatura de algo que está acima da temperatura ambiente baixar para esse nível; refrigerar é fazer baixar a temperatura ambiente para um nível abaixo dela. Por isso neste texto você só lerá arrefecimento, sistema de arrefecimento.
É desnecessário aqui descrever todo o sistema de arrefecimento, a finalidade desta matéria é outra, saber qual a melhor forma de observar a temperatura do meio líquido para saber se está normal ou anormal. Esse meio líquido é água — que não é usada pura, mas aditivada com outro líquido, o etilenoglicol — o conhecido “aditivo de radiador — em proporção que varia de 20% a 50%. O aditivo tem duas funções: uma, reduzir o ponto de congelamento da água, essencial nas regiões de inverno rigoroso, de temperaturas subzero, que praticamente não temos no Brasil. A outra função é elevar o ponto de ebulição da água, evitando sua fervura ao atingir 100 ºC ao nível do mar (com a altitude esse ponto abaixa).
Como essa mistura deixou de ser água, convencionou-se chamá-la de líquido, ou líquido de arrefecimento. Para o tipo de arrefecimento, diz-se arrefecimento a líquido.
Todo carro tem uma peça chamada radiador, onde se realiza a segunda transferência de calor, que é do líquido para o ar atmosférico. O líquido deixa o motor bem quente, esfria-se ao passar pelo radiador e segue para o motor de novo, numa circulação permanente provida por uma bomba d’água.
É para informar o motorista se o motor está ou não funcionando em temperatura correta, identificável pela temperatura do líquido de arrefecimento, que há basicamente dois métodos empregados, o termômetro (foto de abertura) e a luz-espia.
Muitos fabricantes adotam um termômetro pelo qual o motorista visualiza a quantas anda a temperatura do líquido de arrefecimento (e do motor); outros se valem de uma luz-espia para avisar o motorista quando o motor está com temperatura do líquido acima da normal
Nos termômetros, a temperatura é indicada numa escala seja em graus Celsius (ºC), como o da foto acima, seja numa escala em cores, normalmente uma zona verde, outra zona vermelha.
Utilização da informação
Termômetro
Pressupõe-se que o termômetro indique a temperatura real no momento, mas de uns anos para cá as fabricantes adotaram a estratégia do “ponteiro estável”. O termômetro não trabalha de forma natural, subindo e descendo conforme a condição de uso, mas sim com um filtro eletrônico. Essa estratégia tem a função principal de trazer tranquilidade ao motorista, e faz o ponteiro ficar estabilizado, ou seja, ficar imóvel na faixa de trabalho padrão do motor. Sem este apresentar problemas, o ponteiro não se move, só fazendo caso a temperatura do líquido de arrefecimento atinja determinada temperatura, no mínimo 100 ºC.
Mas será que esse padrão atual é suficiente? Depende.
Tomemos meu caso como exemplo. Tenho uma Peugeot 206 SW 2008 que tem termômetro. Sua escala é numérica e não o simplório “frio, normal e quente”. Isso já mostra um direcionamento técnico ao se definir o mostrador. Soma-se a isso o funcionamento sem filtros.
Se rodo com bom fluxo de ar devido a velocidades acima de 50, 60 km/h, a temperatura chega ao redor de 80 °C. Se estiver bastante calor, fica mais próximo de 90 °C, e o ventilador do radiador liga. Mas se eu ligar o ar-condicionado e o segundo ventilador entrar em ação, ela desce para valores entre 70 °C e 80 °C. Se o ambiente estiver mesmo muito quente e com trânsito para-e-anda, vai a 85 °C ou 90 °C e por ali permanece, com o ventilador cuidando para que não passe disso, até que se volte a andar um pouco mais solto novamente.
Esse termômetro me salvou um tempo atrás. O carro tinha por volta de 90.000 km e numa volta do trabalho para casa a temperatura passou do normal, com o ar-condicionado ligado. Como sempre estou de olho nos instrumentos, fui monitorando e logo depois estava em 90 °C, isso num dia não muito quente. Estranhei, e em seguida, parando em semáforos por poucos segundos, notei que o ponteiro subia mais rápido que o normal. Alerta cerebral ativado, mudei meu caminho para casa, passando por distâncias maiores, mas que são ruas de menos movimento e menos paradas. O ponteiro chegou até os 100 °C algumas vezes, caiu novamente ao andar um pouco mais rápido, mas não houve superaquecimento, o líquido de arrefecimento não entrou em ebulição, já que o aditivo que se coloca na água é justamente para esticar a faixa de uso, não congelando a zero grau Celsius e não fervendo a 100 °C, como aconteceria se trabalhasse apenas com água.
Eu poderia também usar um truque simples, ligar o ar quente no máximo e com a máxima velocidade de ventilador, fazendo parte do líquido do motor ter seu calor trocado com o ambiente através do aquecedor. O problema seria apenas conseguir andar com todos os vidros abertos para não ser cozido dentro do carro, mas é uma ação possível que deve ser lembrada.
Cheguei em casa, desliguei o motor, abri o capô e olhei para ver se havia vazamentos, com auxílio de uma lanterna: nada. Com cuidado, comecei a tocar as mangueiras do radiador, e vi que a superior, que traz líquido quente até o radiador, estava fria. Junto do bloco do motor, onde essa mangueira é fixada, fica a válvula termostática, responsável por fazer o motor aquecer rapidamente quando é ligado: ela fecha a passagem do líquido e vai abrindo conforme a temperatura aumenta, comandado por uma cera especial que é seu elemento interno básico. Se ela não abre, a água não vai ao radiador, a água só circula dentro do motor e, consequentemente, a mangueira não esquenta.
Fácil de diagnosticar, mas não dava para resolver em casa, com trabalho no outro dia bem cedo. Pela manhã meu caminho era tranquilo e livre pelo horário “de padeiro” que eu adotava, saindo de casa pouco antes das 6h00. Fui num ritmo rápido mas sem acelerar muito, ajustando a velocidade para não parar muito tempo em semáforos, e deixei o carro numa oficina perto do trabalho para o conserto.
Luz-espia
Seria possível fazer todo o procedimento acima sem um termômetro no painel? Se eu fosse depender de uma luz que acendesse acima de 100 °C, por exemplo, como saber se a temperatura estava próxima da ebulição do líquido?
Seria possível também, embora não com a mesma tranquilidade de ler a temperatura em graus, e isso justifica a ampla adoção da luz em vez do termômetro do líquido de arrefecimento, embora haja quem, como eu, prefira o velho termômetro.
De qualquer maneira, o mesmo ritual que usei no caso do meu Peugeot pode ser utilizado no caso de o veículo só ter a luz-espia. O fato de a luz acender não significa que o liquido de arrefecimento vai entrar em ebulição imediatamente. Providências como aliviar acelerador no caso de se estar num rodovia podem levar a temperatura a abaixar e a luz, a apagar. Vale, claro, a técnica de ligar o aquecedor ao máximo.
Assim como eu teria que parar meu carro caso a temperatura entrasse na zona vermelha do termômetro, se a luz relutasse em apagar seria necessário fazer o mesmo.
Há quem diga que a luz-espia só serve para indicar superaquecimento, e não motor muito frio decorrente da válvula termostática com defeito, caso de uma descida de serra ela dever fechar para manter a temperatura do líquido normal e não fazê-lo. Ocorre que as válvulas termostáticas de controle eletrônico, que não é o caso do meu Peugeot 206, comandadas pelo módulo de gerenciamento do motor, recebem informações de seu funcionamento e podem mandar sinal à luz-espia se estiverem travadas abertas também, nesse caso indicando motor muito frio. A luz-espia, então, avisa de problemas nos dois extremos.
O importante é saber que a solução da luz-espia, mesmo não sendo considerada apropriada por muitos automobilistas, tem funcionamento seguro e por isso mesmo vem sendo bastante adotada pela indústria. Nos nossos testes mais recentes de BMW notamos que o instrumento no lado direito do painel é um termômetro… do óleo do motor. Nada de termômetro do líquido de arrefecimento mais.
Nos carros novos ou com pouca quilometragem é praticamente impossível ocorrer um problema de superaquecimento, mas depois de um certo tempo ou quilometragem com um carro todo motorista precisa se atentar para o sistema de arrefecimento com mais frequência.
Uma falha do tipo “voltar andando para casa”, a pé, é o pior que pode acontecer para o dono do carro e para a fábrica dona de uma marca valiosa, que precisa de clientes fiéis. O sistema de aviso da temperatura precisa ser eficiente, e o usuário deve estar atento a ele sempre.
Pessoalmente fico mais tranquilo com o termômetro, mas há muita gente que dirige tranquila apenas com a luz-espia. Em qualquer caso, o usuário precisa se acostumar a observar as temperaturas de trabalho em diversas condições, como escutar quando o ventilado liga e quando desliga. Não é tão fácil em carros mais bem isolados, ou com sistemas de arrefecimento que emitem pouco barulho, mas que pode ser percebido pelo leve aumento e diminuição da rotação em marcha-lenta em alguns carros quando o alternador precisa gerar mais energia para alimentar o potente motor elétrico do ventilador do radiador.
Saber a temperatura é vital para seu motor. Afinal, se você não estiver bem de saúde e for a um hospital, confiaria em um médico que não medisse sua temperatura corporal?
JJ