Uma coisa sempre me chamou a atenção no Brasil. Aqui tem as tais “leis que não pegam”. Pois é, demorei a entender como isso funciona e na verdade mais do que compreender eu acho que apenas me resignei, pois quando preciso explicar isso para algum estrangeiro simplesmente me faltam palavras. E quando eu digo que me faltam palavras… quem me conhece sabe que isso é quase impossível. Em qualquer idioma. Mas juro que fica difícil fazer alguém entender isso.
É como se no Brasil muitas pessoas apenas escolhessem quais leis vão seguir e quais não. Tente explicar isso para um alemão. E, se quiser treinar ainda mais argumentação, dialética e mesmo transcendência da alma, tente explicar isso para um suíço alemão. Vale um doce quem conseguir isso em menos de dois dias. E, claro, não vale o suíço alemão fazer como eu e apenas aceitar que é assim, pois é muito provável que seja isso o que acabará acontecendo. Não é falta de boa vontade do gringo. Trata-se apenas de que aquilo está além da compreensão de qualquer ser humano, por mais inteligente que seja.
Claro que me refiro a leis lógicas, de bom senso e não às jabuticabas com as quais nos encontramos com alguma frequência. Poderia escrever um zilhão de exemplos dos dois casos mas, para facilitar a vida de quem me edita e de quem me lê limitar-me-ei (para usar uma das tão na moda mesóclises) a uma: o motorista é obrigado a dar passagem a quem vem mais rápido, ainda que se esteja na faixa mais rápida da pista e ainda que se esteja no limite da velocidade da via.
Parece simples, não? No entanto, acho que essa é das leis/normas/regulamentações que parece que “não pegaram” no Brasil. Na verdade, acho que mais do que “não pegar” esta entra na lista daquelas que são desconhecidas por boa parte dos motoristas brasileiros. O que, no fundo, dá na mesma.
Já mencionei aqui uma vez que tive de explicar isso para uma jornalista — portanto, supõe-se uma pessoa culta e com vasto acesso à informação. Que, aliás, à época tinha mais de 25 anos de carteira de motorista e já havia viajado para vários países do mundo. No entanto, apesar de ir trabalhar todo dia de carro, não sabia disso e ainda reclamava quando alguém insistia em pedir passagem para ela, que transitava livre, leve e solta pela faixa da esquerda na marginal do Tietê e na do Pinheiros, seus caminhos costumeiros naquela época.
Mas vamos lá. Aqui vai a informação de novo:
Está tudo no Código de Trânsito Brasileiro, mas é assim também no resto do mundo. O Artigo 29, capítulo III diz que o trânsito de veículos nas vias terrestres abertas à circulação obedecerá às seguintes normas:
I – a circulação far-se-á pelo lado direito da via, admitindo-se as exceções devidamente sinalizadas.
E no inciso IV: Quando uma pista de rolamento comportar várias faixas de circulação no mesmo sentido, são as da direita destinadas ao deslocamento dos veículos mais lentos e de maior porte, quando não houver faixa especial a eles destinada, e as da esquerda, destinadas à ultrapassagem e ao deslocamento dos veículos de maior velocidade.
Quanto a você ceder a passagem, o Artigo 30, no Capítulo III diz que Todo condutor, ao perceber que outro que o segue tem o propósito de ultrapassá-lo, deverá: I – se estiver circulando pela faixa da esquerda, deslocar-se para a faixa da direita, sem acelerar a marcha.
Em alguns países é sagrada a circulação pela direita e o uso da faixa da esquerda somente para ultrapassagem. Na França isso é normal, e olha que o país não tem exatamente os melhores motoristas da Europa pelo padrão do resto da região. Fora que ainda tem placas na estrada, o tempo todo, que lembram aos motoristas “En autoroute on roule à droîte”. Ou seja, na estrada, circula-se pela direita. A Alemanha, na minha opinião o melhor lugar do mundo para se dirigir, segue super à risca isso. E olha que lá são normalíssimos os carros mais rápidos do mundo. Ou seja, não é questão de velocidade, mas sim de educação, pois ainda que você esteja circulando a 180 km/h o fará pela direita.
Nos Estados Unidos é rara a circulação pela direita. O pessoal acaba passando e ultrapassando por onde dá mesmo, mas também é comum que a circulação aconteça por todas as faixas. É raríssimo ver alguém encalhado na faixa 1 como se fosse o dono da pista, assim como é comum que as estradas tenham várias faixas.
Em Portugal, onde estive recentemente, tem um pouco de tudo, mas no geral não tivemos problemas em receber passagem. E encontrei um artigo numa publicação lusitana onde já há uma preocupação com o assunto. Só que lá o pessoal usa as faixas centrais principalmente. Vejas só o que diz o Razaoautomóvel: Diz-se que tendencialmente o eleitorado português é de centro-esquerda. Não sei se é por convicção política, mas essa preferência parece estender-se também à condução. As estradas portuguesas estão pejadas de automobilistas que simplesmente ignoram a faixa da direita. Será complexo político? “Ai que horror, mas que faixa tão «fascista».
São milhares de quilómetros de asfalto quase virgem, ali mesmo ao lado, ignorados pela esmagadora maioria dos condutores. Se quiséssemos continuar no campo político, poderíamos argumentar que a construção da terceira faixa de rodagem é um vergonhoso exemplo de despesismo público. Milhões de euros deitados ao lixo que dos quais ninguém — ou quase ninguém…— usufrui.
Mas não pensem, caros leitores, que circular pela direita e apenas ultrapassar pela esquerda é prerrogativa de países do Primeiro Mundo — embora seja já que isso se tornou praxe. Já mencionei aqui que nas diversas cidades da África do Sul pelas quais circulei vi, sempre, o pessoal circular pelas faixas mais lentas, ultrapassar e voltar para onde estava. Lembrando que lá a mão é “inglesa”, isto é, invertida, e as faixas mais lentas são à esquerda. E isso vale para a linda autoestrada N4 ou para as de pista dupla somente. No caso das vicinais de pista simples, o pessoal vai para o acostamento mesmo. Nem precisa pedir passagem. E, pelo visto, olham sempre para o retrovisor, pois nem é necessário chegar perto. Prova de que não é questão de fazer leis, mas sim de educação das pessoas.
Mudando de assunto: este comentário é totalmente fora do tema. Mudei de assunto, mesmo. Por que é que repórteres de televisão agora têm mania de sublinhar determinadas sílabas ou mesmo letras quando falam? E virou mania em todos os canais, apesar de que é mais perceptível na GloboNews. Fica até difícil compreender uma frase inteira. Nada a ver com dar ênfase a algo em especial – entenderia que insistissem em, por exemplo, “a-p-e-n-a-s 0,1%”. Mas não, frisam letras ou sílabas em frases como “o governo fez bem em se de-bru-çar sobre tal assunto”, ou “caíram as vendas em a-ç-o-u-g-u-e-s da capital”. Ou, ainda “caíram as ven-das em a-çougues”, “dando a im-pressão de que a U-nião Europeia…”. Soluço gramatical? Deveras i-rri-tan-te.
NG