Era uma vez um jovem técnico em elétrica que nasceu em 1943 e cresceu em uma pequena cidade, calma e pacata. Seu pai era dono de uma empresa de sistemas elétricos, bem consolidada na região. Pela sua formação e criação, o rapaz iria manter os negócios da família com o tempo. Este jovem tinha um Fusca, que o usava para ir e voltar do trabalho, todo santo dia. Não ligava para carros, como ele mesmo dizia, era apenas um meio de transporte. Um simples Fusca dos anos 1960, época em que este rapaz vivia.
Como todo homem perto dos seus 25~30 anos, Peter, o rapaz em questão tinha diversos amigos. Reuniam-se para sair, conversar, como qualquer grupo de amigos. E sempre nesses grupos há um elemento meio maluco. Nestenão devia ser diferente. Peter tinha um amigo que gostava de carros.
Com o tempo, este amigo de Peter o convenceu que seu Fusca era muito sem graça. Para Peter pouco importava, pois o carro não precisava fazer nada além de ir de A para B de forma prática e econômica. O Fusca então foi parar em uma oficina, onde aos poucos foi sendo preparado. Isto não era muito comum na região, pois na sua terra natal andar rápido ou ter um carro mexido não era muito bem visto.
Aos poucos, aquele Fusca foi mexendo com Peter. Ele estava pegando gosto na diversão. Ter um carro rápido era mesmo divertido. Ele até se inscreveu em algumas corridas locais com seu Fusca, e gostou. Nunca havia pensado que um dia se interessaria por carros preparados e corridas de automóvel. Mas gostou, e isso lhe deu ânimo para começar seu próprio negócio de carros de corrida.
Este jovem trabalhador, nascido na Suíça, com seu Fusca preparado que nunca deu a mínima atenção aos carros e muito menos à corridas, chamava-se Peter Sauber. Aquele Fusca foi o início de uma empreitada que segue até hoje, e chegou até a Fórmula-1, passando por diversas outras categorias, todas com sucesso e digno de respeito.
Ainda no fim dos anos 1960, Peter já havia modificado tanto seu Fusca que poucos diriam que aquele carro um dia foi um modelo da VW. Participou de diversas provas na região e cada vez mais sua paixão pela mecânica e o automobilismo cresciam. Mas Sauber já via que poderia ir além, sua nova paixão não poderia se resumir a um Fusca modificado. Em 1970, ele construiu na casa de seus pais um carro esporte de dois lugares, capaz de se enquadrar no regulamento das corridas regionais e algumas da Europa. Em homenagem à sua esposa Christiane, quem teve que agüentar a nova mania do marido que até então era um trabalhador comum e normal, o primeiro carro foi batizado de Sauber C1.
O C1 tinha um chassi tubular projetado pelo próprio Peter, uma carroceria simples, básica, similar a um Lola da época. O motor era um Ford 1-litro preparado pela Cosworth, muito usado na Europa nos anos 1960. O próprio Peter pilotava o carro em provas de carros esporte e subida de montanha.
Peter venceu corridas com C1 de chassi 001, enquanto que outro carro (chassi 002) foi fabricado e entregue nas mãos de outros pilotos, com sucesso similar. Por alguns anos estes dois carros permaneceram na ativa, já não mais pilotados por Peter Sauber. O sucesso do C1 cativou ainda mais o jovem Sauber, que abandonou o banco de piloto e assumiu a cadeira de construtor e chefe de equipe. Assim nascia a PP Sauber AG, alocada em um galpão da indústria de seu pai, na rua Wildbach.
O próximo carro, modelo C2, seguia as mesmas linhas de projeto do primeiro. Carro simples e sem grandes complicações. Confiabilidade de projetos simples, uma premissa sempre viável. Com o modelo C3, outros pilotos sem relação com Peter começaram a comprar seus carros. Era um indício de que estava no caminho certo, pois seus carros despertavam interesse de outros pilotos. Três carros construídos do modelo C3 foram usados em diversos campeonatos pela Europa, ajudando a divulgar cada vez mais o nome da equipe suíça.
O C4 foi o primeiro carro construído por Peter com monobloco de alumínio, abandonando os chassis tubulares de aço. Desenhado por Edi Wyss, o novo Sauber já entrava em contato com as tecnologias mais modernas da época. O motor Cosworth BDG 2-litros de duplo comando gerava 300 cv, suficientes para o carro ser competitivo. Apenas um carro foi feito e ficou na equipe, mostrando bons resultados no campeonato europeu de carros esporte.
Com o modelo C5 agora usava motor BMW, geração M12 de quatro cilindros e 320 cv, e uma carroceria nova, mais longa e aerodinâmica. Cinco carros foram construídos, alguns para equipes particulares e outros para serem usados pela equipe Sauber. Em 1976 o C5 venceu o Campeonato Interséries e em 1979 o Campeonato Suíço de Carros Esporte foi vencido pelo C5 da equipe, uma glória para Sauber.
Como o carro atendia o regulamento do Grupo 6 do Campeonato Mundial de Resistência, os carros foram inscritos para as 24 Horas de Le Mans de 1977 e 1978. Os C5 lideraram suas categorias mas em ambos os anos abandonaram por falhas mecânicas. Independente de não terminarem a corrida, o fato de conseguir a liderança já foi um grande sucesso.
No fim dos anos 1970 e começo dos anos 1980, Peter abriu seu leque de participação no mundo automobilístico. Fez parceria com a Lola para trabalhar em carros de fórmula de menor desempenho e investiu em carros GT. O ápice de seu sucesso com carros GT foi em 1981, quando sua equipe venceu a 1.000 Quilômetros de Nürburgring. O carro era um BMW M1 preparado pela própria equipe Sauber e pilotado por Hans-Joachim Stuck e o brasileiro sensação da F-1, Nélson Piquet.
Voltando para os carros esporte-protótipo, o próximo projeto da Sauber foi o C6, que contou com a parceria com a empresa suíça de tecnologia em materiais Seger & Hoffmann para fabricar um carro para se enquadrar no regulamento do Grupo C do Mundial de Resistência.
No meio do desenvolvimento, a parceria terminou e Sauber seguiu sozinho com o projeto. Os materiais exóticos como compósito de fibra de carbono e aramida já estavam englobados no conceito do C6, e assim seguiu.
Muitos problemas marcaram a vida do C6, que em pouco tempo foi substituído pelo C7. Durante as tentativas de fazer o C6 ser um carro competitivo, Sauber fez diversos contatos com a Mercedes-Benz para fornecimento de motores, mas os alemães ainda não estavam interessados a voltar para o mundo do WEC.
O Sauber C8 foi construído com um motor Mercedes V-8 turbo de 5 litros, geração M117, mas na condição que a Sauber projetasse o carro e assumisse boa parte dos custos. Era a chance que Peter precisava para mostrar aos germânicos que sua equipe era capaz de criar um carro competitivo e que os motores Mercedes seriam bem aproveitados. Henry Pescarolo foi um dos pilotos do C8 e deu à Sauber a vitória na 1.000 Quilômeros de Nürburgring de 1986 e outros bons resultados que fizeram a Mercedes assinar a parceria com Sauber para o próximo projeto, o C9.
A Sauber seria a equipe oficial da Mercedes para o Campeonato de Resistência. Os carros da equipe Sauber foram pintados de prata, alusão aos Flechas de Prata dos anos 1930, orgulho alemão de longa data. Seria a volta oficial da Mercedes a Le Mans depois do acidente de 1955 que vitimou instantaneamente quase uma centena de espectadores, inclusive o piloto do 300 SLR, o francês Pierre Levegh. Em 1988, o carro mostrou um ótimo desempenho, enfrentando de igual para igual os Jaguar XJR-9 já bem estruturados e dominantes da categoria. Em Le Mans, após muitos problemas com os pneus, a Sauber optou por não correr, sob o risco de avaria nos pneus da grande reta de Mulsanne (6 km), algo muito perigoso.
Mas, de qualquer maneira, a parceria foi um sucesso. O Sauber-Mercedes C9, como ficou conhecido, venceu a 24 Horas de Le Mans em 1989 com os pilotos Jochen Mass, Manuel Reuter e Stankey Dickens. Nos treinos para a corrida, o C9 marcou incríveis 400 km/h na longa reta. O motor V-8 M119 biturbo da Mercedes entregava bons 780 cv, graças aos novos cabeçotes de duplo comando. O chassi do C9 ainda era um monobloco de alumínio, mais conservador que o de compósito de fibra de carbono do antigo C6. Não apenas foram vencedores em Le Mans, mas também campeões do mundo na categoria em 1989.
Para o ano seguinte, o C9 foi substituído pelo C11. Diz a lenda que não existiu o C10 porque em alemão o som do C é muito parecido com o som do 10, e ficaria estranho pronunciar C10. Assim, pularam para o C11. O uso de alumínio no chassi foi descartado em prol da fibra de carbono. Com o apoio da Mercedes, foi mais fácil ter uma alta robustez no projeto.
Com o motor revisado e produzindo agora algo perto dos 900 cv, o novo C11 trouxe ao automobilismo internacional de grande escala ninguém menos que Michael Schumacher. Junto com Jochen Mass, eles venceram a última corrida do ano, carimbando o título mundial de 1990. Isto com certeza abriu caminho sua estréia na F-1 pela equipe Jordan (por só uma corrida, em Spa, pois Flavio Briatore, da Benetton, logo o contratou). Além de Schummy, Peter Sauber também ajudou a alavancar a carreira de Heinz-Harald Frentzen, piloto alemão que correu com o C11.
Em 1990, a Sauber não participou da 24 Horas de Le Mans para focar no campeonato mundial, o qual venceram de forma dominante sobre a Jaguar. Para 1991, a Mercedes desenvolvera um novo motor aspirado de doze cilindros contrapostos (boxer) e 3,5 litros para o novo Sauber C291. Esta configuração de motor estava de acordo com o novo regulamento da FIA para a categoria, acabando com o Grupo C e os grandes motores. Agora o novo motor aspirado produzia 650 cv. Infelizmente para a Sauber, este novo motor não ajudou a manter o rendimento dos anos anteriores. Muitos problemas forçaram diversas abandonos em corridas ao longo do ano.
Como a pista de Le Mans havia sido modificada e a longa reta Mulsanne agora teria duas chicanes para reduzir a velocidade máxima dos carros, novas carrocerias e projetos de suspensão e aerodinâmica teriam que ser feitos. Seria interessante ter carros com mais downforce para melhorar o desempenho nas demais pistas e trocar a velocidade máxima pela velocidade em curva em Le Mans. O novo C291 foi desenhado nesta condição, mas o motor prejudicou o carro.
Apenas na corrida final do campeonato, no Japão, o Sauber C291 conseguiu fazer uma boa corrida e venceu. Novamente, Michael Schumacher venceu a última corrida do ano, ao lado de outro piloto que também migraria para a F-1, o austríaco Karl Wendlinger.
A solução para a falta de competitividade e constância do Sauber seria um novo projeto, o C292, ainda com o mesmo motor H-12 porém atualizado e com diversos dos problemas sanados ao longo do ano anterior. Porém, a Mercedes não via mais interesse em continuar no campeonato de Resistência, e queria focar na F-1. O C292 foi construído mas nunca testado a fundo, e logicamente, nunca correu.
O interesse da Mercedes-Benz em migrar de categoria era o ponto de partida do novo desafio de Peter Sauber, construir um carro para o Campeonato Mundial de Fórmula 1. Seria a grande chance de chegar na maior categoria do automobilismo para o jovem suíço que começou a se interessar por carros quando seu amigo lhe convenceu a apimentar o motor de seu Fusquinha.
MB