Quando falamos em carros, marcas, entusiastas famosos, adoradores de automóveis e afins, é impossível deixar de lembrar de alguns nomes, entre eles o da marca Momo. Volantes, rodas e acessórios da marca italiana hoje são considerados como uma grife de luxo do mundo automobilístico.
Momo é uma abreviação de Moretti-Monza, o nome do seu fundador e a cidade que está na província de Milão. Gianpiero Moretti foi um italiano natural de Milão, criou uma pequena fábrica de volantes esportivos e depois produziu diversos equipamentos para carros esporte, sendo reconhecido pela sua qualidade dentro da Ferrari, com a qual teve grande contato ao longo da sua vida.
Tudo começou em 1964, quando Enzo Ferrari encomendou pessoalmente a Gianpiero um volante esportivo de couro e pequeno diâmetro para o Ferrari 158 F1 de John Surtees, com o qual ele foi campeão mundial naquele ano. Enzo queria itens nacionais para seus carros, e quanto mais nacionalista, melhor. Em 1966, a Momo foi oficialmente criada para ser fornecedora da Ferrari. Por anos os carros que saíam da fábrica de Maranello eram equipados com componentes Momo.
A MOMO cresceu de forma espantosa, o prestígio de ser fornecedor da Ferrari elevou seu nível internacionalmente. Moretti faleceu em 2012, aos 71 anos, mas deixou um grande legado que vai além dos produtos Momo.
Gianpiero Moretti era um piloto amador, o chamado gentleman racer, que disputava corridas profissionais apenas por diversão. Vida chata essa de empresário bem sucedido e piloto! Ao longo de sua carreira como piloto, Moretti conseguiu diversas vitórias de peso, entre elas as 24 Horas de Daytona e as 12 Horas de Sebring, mas acima disso, conseguiu algo bem mais importante. Ele conseguiu trazer a Ferrari de volta às corridas de carro esporte.
No começo dos anos 1970 a Ferrari abandonou as corridas de longa duração para se dedicar à Fórmula 1. Os belos protótipos da marca italiana, como o 312PB e os 512, não mais seriam vistos disputando freadas e curvas com Porsches, Matras e Alfa Romeos. Não foi por falta de bons resultados, pois a Ferrari foi campeã com vitória em todas as corridas, só perdendo em Le Mans para a Matra.
O italiano Moretti já disputava corridas desde o começo dos anos 1960, quando começou correndo com um Lancia, depois correu com carros da Porsche e alcançou o sonho de garoto de correr de Ferrari. Ele pilotou um 512 S na 24 Horas de Daytona de 1970, o carro número 30, número este que adotou para toda sua carreira posterior. Quando a Ferrari abandonou as corridas de esporte-protótipo, Moretti passou a competir com carros americanos e também com os carros da Porsche, mas sua ligação com os italianos ainda era forte, o lado comercial da sua empresa não podia ser afetado, então manteve-se próximo da fábrica e dos dirigentes.
Uma de suas participações em corridas internacionais com carros da Ferrari foi na Mil Milhas Brasileiras de 1970, a bordo do Ferrari 512 S número 17, e terminou em 20° com problemas na corrida vencida pelo irmãos Diniz de Alfa Romeo GTAm (leia comentário de Bob Sharp no final de tudo).
Ele tinha muito contato com o filho de Enzo, Piero Ferrari. Moretti queria ver a Ferrari de volta às pistas com carros na categoria dos protótipos, onde ele corria com outros carros, na época em especial com Porsches, mas estava insatisfeito com a diferenciação feita entre a equipe oficial alemã e as equipes particulares, e foi cultivando a sementinha ao longo dos anos. Uma equipe oficial da marca italiana era praticamente impossível de existir, tamanho era o empenho na F-1, mas a possibilidade de um novo carro para equipes particulares não foi descartada. Ele tinha também o apoio de Gian Luigi Buitoni, o presidente da Ferrari no EUA, um dos principais mercados consumidores da marca.
Já nos anos 1990, Moretti conseguiu convencer os italianos a fabricar um carro para ser vendido à equipes particulares, a dele inclusive. O principal mercado seria nos EUA, onde o automobilismo reflete bastante nas vendas dos carros de rua. Jean Todt e Luca di Montezemolo compraram a idéia e o projeto nasceu, direcionado para as mãos de Gian Paolo Dallara.
O plano era simples, criar um carro que se encaixasse na principal categoria americana, a IMSA (International Motor Sports Association, ou Associação Internacional do Esporte a Motor), com o menor investimento possível por parte da Ferrari. A Dallara assumiu a fabricação do chassi juntamente com a Michelotti, empresa italiana associada que desenvolveu carros como o 288 GTO e o F40. Na verdade, os primeiros carros foram feitos dentro da própria Ferrari para acompanhamento próximo, depois passaram para a fábrica da Dallara e posteriormente na Michelotti.
A Ferrari ficou responsável por gerenciar o projeto e pelo desenvolvimento do motor. Por regulamento, o motor do protótipo de corrida deveria ser derivado de um motor de produção. A Ferrari tinha um motor desses para colocar no carro, o mesmo V-12 usado no F50 porém com a cilindrada reduzida de 4,7 litros para 4 litros, por conta da limitação do regulamento. Dividindo a capacidade total pelo número de cilindros, cada um desloca 333 cm³, e seguindo a tradição da Ferrari, este veio a ser o codinome do carro, o 333 SP (Sport Protótipo). Como em muitos projetos da Ferrari, o uso deste motor gerou polêmica, pois quando o 333 SP foi lançado em 1994, ainda não existia o F50, que seria lançada apenas no ano seguinte.
Com a proximidade do F50 aos F-1 da época em alguns aspectos, o motor F310E também era similar ao usado no F92A de F-1, porém com maior cilindrada (os F-1 eram limitados a 3,5 litros). Os cabeçotes já no projeto do F50 tinham duplo comando de válvulas e cinco válvulas por cilindro, e em configuração de corrida, gerava mais de 650 cv a mais de 10.000 rpm.
O motor era fixado diretamente na parede de fogo do chassi, como nos F-1 e no F50. O chassi era um monobloco de compósito de fibra de carbono e honeycomb (colméia) de alumínio. A carroceria foi esculpida no túnel de vendo da Dallara e fabricada em compósito de fibra de carbono para reduzir o peso com o máximo de resistência possível. Por regulamento, a carroceria deveria ter o cockpit aberto e o assoalho deveria ser plano, sem o uso de artifícios que gerassem o efeito solo, como dutos em forma de venturi sob o carro.
Para colaborar com o projeto do 333 SP, o time da Ferrari contratou o projetista inglês Tony Southgate como consultor, ele que foi responsável por muitos carros vencedores de Le Mans, como os Jaguar da TWR. Tony colaborou bastante na aerodinâmica do carro junto com o time da Dallara no túnel de vento. Muito foi aproveitado dos F-1 contemporâneos de Maranello, como o conceito de suspensão com amortecedores internos no chassi e o próprio monobloco, basicamente um F-1 mais largo.
O carro era imponente e o som do V-12 respeitável, sem deixar nada a desejar para os F-1 da Ferrari da época. Para otimizar o projeto para o regulamento americano, o carro acabou sendo semelhante aos rivais nativos, largo e com frente baixa. Na época, os principais competidores do 333 SP eram os Spice-Oldsmobile e os Riley & Scott, ambos equipados com motores V-8 americanos.
Na sua primeira corrida em 1994, no circuito de Road Atlanta pelo campeonato da IMSA, quatro carros foram inscritos. A equipe Momo de Moretti correu com o carro número 30 (chassi 004), ao lado dos dois carros da Euromotorsport (chassis 002 e 005) e um carro da Scandia Motorsports (chassi 003). Já nos treinos o 333 SP impôs respeito. Mauro Baldi, conhecido piloto de resistência, fez a pole com um dos carros da Euromotorport com nada menos que um segundo de vantagem para o segundo colocado, um Spice-Oldsmobile.
Ao fim da corrida de duas horas de duração, glória para o 333 SP, conquistando o primeiro e o segundo lugares. O carro da Momo ficou em segundo com a dupla Moretti e o chileno Eliseo Salazar e a vitória foi do carro da dupla Jay Cochran e Didier Theys da Euromotorport. Primeira corrida, primeira pole e primeira vitória.
Na corrida seguinte, em Lime Rock, foi a vez de Gianpiero Moretti sagrar-se vencedor com “sua” criação, puxando a fila de 1-2-3 de Ferraris na chegada. Os 333 SP dominaram a corrida completamente, eram um segundo mais rápidos que os melhores rivais, a pole foi do Ferrari vermelho de Moretti, seguido pelo outro 333 SP de Mauro Baldi.
Pode-se dizer que era a realização do sonho do italiano. Ele conseguiu convencer a Ferrari a fabricar um carro de corrida que de cara tomou o posto de mais rápido da categoria e ainda pilotou o carro que levava as cores da sua empresa, famosa e respeitada no mundo todo, para o lugar mais alto do pódio.
O primeiro ano do 333 SP serviu de avaliação para o projeto inicial, que foi sofrendo modificações ao longo das corridas, especialmente na carroceria para aprimorar a aerodinâmica. Neste ponto, a assessoria de Southgate foi fundamental, modificando o carro de forma a melhor adequar o fluxo de ar que passa por dentro e ao redor do carro para cada aplicação de pista. A Ferrari, como construtora, perdeu o campeonato por poucos pontos para a Olds, mesmo com menos participações. Foi um ótimo ano de estréia.
No ano seguinte, a frente do carro foi reformulada, com um bico um pouco mais longo e mais baixo na extremidade, para melhor se adequar às pistas de alta velocidade como Daytona, este ainda um grande desafio para o 333 SP, que pecava nas provas de 24 horas por problemas de durabilidade.
Uma corrida muito importante da temporada era as 12 Horas de Sebring, e o Ferrari conseguiu carimbar a vitória nesta corrida em 1995. O carro da equipe Scandia venceu a prova, enquanto que o de Moretti não foi bem.
Aos poucos a durabilidade do carro em corridas longas foi aprimorada. O motor V-12 teve seus cabeçotes reprojetados, com válvulas menores e um novo sistema de admissão, que ajudou bastante à mantê-lo funcionando em ritmo de corrida pelo tempo necessário. O chassi teve algumas melhorias, como reforços localizados e otimização de peso.
Daytona ainda era um dos maiores objetivos da Ferrari. Foi uma corrida lendária para a marca, pois no passado foi onde Enzo Ferrari demonstrou sua dominação e força ao vencer a 24 Horas com o modelo 330 nas três primeiras posições em 1967, bem na casa da Ford, sua grande rival da época.
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Em 1998, depois de diversas tentativas e inúmeras melhorias, que um Ferrari voltou a vencer em Daytona. Foram 26 anos desde a última vitória de um Ferrari na 24 Horas, depois do belo 312PB em 1972. E a glória de trazer um cavallino para a bandeirada foi da equipe Momo. O quarteto formado por Moretti, Arie Luyendyk, Didier Theys e Mauro Baldi venceu com oito voltas de vantagem sobre o Porsche GT1, a potência alemã que dominava o campeonato europeu de resistência.
Foi uma corrida muito boa para os 333 SP, na classificação as três primeiras posições ficaram com eles, chegando a ser três segundos mais rápido que o próximo carro mais veloz, o Riley & Scott equipado com motor Ford, ironicamente. E este seria o ano que Moretti pensava em se aposentar das corridas.
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Faltava uma vitória em Le Mans para coroar o trabalho de todos que estiveram envolvidos no projeto 333 SP da Ferrari. A primeira tentativa em 1995, com apenas um carro, não deu certo pois o carro quebrou, assim como em 1996, mesmo com um carro a mais e ótimos resultados nos treinos. Em 1997, Moretti conseguiu levar seu carro ao sexto lugar da classificação geral e terceiro na categoria protótipos.
O bom ano de 1998 com a vitória em Daytona foi melhor para o 333 SP em Le Mans, com uma vitória na categoria (oitavo na classificação geral) com a equipe Risi. Este foi o melhor resultado para a macchina italiana em Le Mans, uma vitória na categoria.
Ao longo de sua extensa carreira nas pistas, o 333 SP conseguiu 56 vitórias, 69 poles e cinco campeonatos de pilotos e três de construtores. A última corrida do 333 SP foi em 2003 na 500 km de Monza, mas com um carro já mais modificado, e com motor Judd V-10, mais prático e barato de se manter que o Ferrari V-12 de quase dez anos de vida. Quarenta carros foram fabricados ao longo dos anos, em suas diversas versões e evoluções.
O 333 SP foi o último Ferrari protótipo que disputou corridas de resistência até os dias atuais. Hoje a Ferrari apenas mantém seus carros de GT para equipes particulares, pois o foco da equipe voltou-se para a F-1, exatamente como aconteceu no passado. De vez em quando ouvimos alguns boatos de que a Ferrari estaria preparando um carro para voltar à resistência, mas não para competir diretamente com os LMP1, pelo o que algumas fotos que apareceram na internet mostram, mas nada oficial foi informado. Logo mais outros vinte anos completam-se desde a última vez que um Ferrari protótipo andou.
MB
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“Vi-a de perto”
Corri nessa Mil Milhas, realizada no dia 22 de novembro, com o Casari A-1, um protótipo com motor central-traseiro Ford V-8 272 (4,5 litros) com alguma preparação, como 4 carburadores Weber 48 IDA, cabeçotes retrabalhados, mais taxa de compressão etc. O carro foi construído no Rio de Janeiro pelo Norman Casari e seu mecânico-chefe Pedro Droese, baseado no chassi que fora do Carcará da Vemag, com carroceria feita pelo Renato Peixoto, de Petrópolis. Meu companheiro no carro era outro carioca, o Miltinho Amaral.
Nessa corrida o dono do espetáculo era o Ferrari 512 S dos italianos Gianpiero Moretti e Conrado Manfredini e chamava a atenção de todo mundo o esquema de iluminação do número, uma autêntica luminária de cor verde, de um efeito incrível à noite.
Lembro-me pouco da corrida, que não terminamos devido a queima de junta de um cabeçote consequência de um vazamento, quando vi a temperatura subir tentei chegar ao boxe, mas não deu, foi-se a junta. Mas lembro de num certo momento, ainda de noite, o Ferrari me ultrapassar na saída da veloz curva 2 e encolher — é o termo, encolher — na minha frente, sumiu de tão rápida, com um ruído que não esqueço.
Outro momento que me lembro, mas felizmente estava reabastecendo e não vi, foi o Alfa Romeo GTAm de Piero Gancia e Ugo Galina ter atropelado um espectador de 20 anos que, junto com outros, desceu o morro do paddock sobre a curva do Laranja para ver um VW 1600 quatro portas que havia capotado ali e não conseguiu parar, adentrando à pista para ser colhido pelo Alfa Romeo e depois por vários outros carros. Teve morte instantânea e horrível.
O terceiro momento foi quando chovia forte o Puma 2-litros do Paulão Gomes e do Sérgio Louzada me passar na freada do Sargento e o ver em total subesterço, mas muito rápido. Esse Puma liderou a prova um bom tempo e teria vencido não fosse a quebra de uma vela de ignição, que exigiu longa parada no boxe. Ainda chegaram sexto.
(Atualizado em 25/09/15 às 18h45)