É muito freqüente estar dirigindo carros e motos que eu não possa comprar. Também é comum que eu dirija carros e motos que eu jamais compraria, mesmo se pudesse. O veículo alvo dessa consideração, o Volkswagen Amarok, preenche as duas características: R$ 155.770 (quase 8 mil de opcionais) é um numero grande demais para meu bolso e, sinceramente, não quero e não preciso de uma picapona 4×4 casca grossa para meu ordinário (no duplo sentido da palavra…) vai-e-vem paulistano. Seria um contra-senso, como ir à padaria de smoking ou a um casamento de sunga.
Mas smoking e sunga podem ser úteis de vez em quando, assim como só de vez em quando surge a oportunidade de rodar mais de 3 mil quilômetros em uma semana, centenas deles em estrada “de chão”, terra e areião. Foi por isso que uma Volkswagen Amarok em versão Dark Label, uma série especial feita a partir de uma Trendline caprichada, “apareceu” na garagem de casa. Perfeita para meu raide ao Mato Grosso, uma semana de férias para chegar e voltar ao coração do Brasil, mais exatamente à uma fazenda na margem do rio das Mortes, lugar onde moram poucos humanos, e menos ainda vão visitar.
Seria a grande chance de colocar à prova os talentos deste Volkswagen de briga, que apesar de luxos, não faz cara feia para serviço pesado. Nascida para enfrentar modelos consagrados e conhecidos como Toyota Hilux, Ford Ranger, Mitsubishi L200 ou Chevrolet S10, esta primeira picape da marca alemã não poderia decepcionar, e assim a VW a recheou de qualidades e tecnologias. Sabendo que desde seu lançamento até agora pouca coisa mudou nela, minha avaliação não iria usar o mesmo tom que as ótimas publicadas no Ae anteriormente, assinadas por Bob, Arnaldo e PK, mais técnicas, formais, focadas no carro. Meu plano era trazer uma visão do veículo em um uso prático mais extremo, tanto por conta da grande quilometragem como pela variedade do percurso. E principalmente por ser lá, na região Centro-Oeste do Brasil, de fazendas gigantescas, um dos grandes mercados deste tipo de veículo.
“Seria a grande chance…”: assim começou o parágrafo anterior, mas quis o destino que a viagem tão cuidadosamente planejada fosse cancelada à última hora por conta de sérios problemas familiares — o falecimento de um parente muito próximo — que segurou a mim e toda minha tribo triste e frustrada em São Paulo. A grande viagem fez “puf”.
Passado o mau momento, da semana disponível sobraram quatro dias. Amarok à porta, alguém disse “que tal irmos chorar na praia?” E lá fomos! Em vez de 3 mil quilômetros, 600. Em vez do caminho de sempre, o pior possível, na intenção de compensar o que perdemos não rodando até o Mato Grosso. E a rota São Paulo–Ubatuba foi feita descendo a serra do Mar pela estrada que liga Cunha, SP a Paraty, RJ que ainda tem um trecho off-road razoavelmente nojento.
“Dá para levar o piso?”
Tal pergunta soou como música! Há anos caixas e mais caixas de um piso cerâmico entulhavam a garagem. Pesadas como a consciência da cinegrafista húngara, nunca houvera antes uma real chance para transportar a incômoda carga para a casa de praia. Mas agora, o tormento viraria vantagem. Avaliar a Amarok com um peso que, até onde sei, nas avaliações anteriores não havia! E a caçamba foi carregada, MESMO. Dezesseis caixas, qualquer coisa como 500 kg, se somaram às quatro almas na cabine mais as malas na fresta de caçamba restante, e tudo isso deixou a Amarok com pra lá de 800 kg de cargas e gentes, bem perto da capacidade máxima anunciada pela ficha técnica, exatos 1.053 kg.
Na tarefa de preencher a caçamba, três fatos chamaram a atenção. 1) Sim, o plano de carga é alto. Levantar peso até ele é dureza; 2) Felizmente a tampa da caçamba tem chave (como verificaria depois, não comandada pelo controle remoto) e cobertura de lona fácil de operar; 3) O estepe continua a mercê da ladroagem. Providência imediata antes de partir foi passar uma trava daquelas usadas em rodas de motos para dificultar a vida de quem ousasse surrupiar o pneu de reserva. Falando em pneus, esta versão da Amarok veio equipada com os Pirelli Scorpion ATR 245/65 R17 montados nas belas rodas de liga leve, não exatamente lameiros, mas os mais off-road que podem ser escolhidos por quem compra uma Amarok, e que oferecem um comportamento bem diferente — e adequado ao propósito de rodar fora do asfalto — dos que os 225/55 R19 da versão Highline.
Carregada com tudo e todos, as jovens ocupantes do banco de trás observaram alguns aspectos considerados negativos: o encosto do banco ser muito vertical (o que é comum às picapes de cabine dupla), a vigia traseira ser um vidro único, sem possibilidade de abertura e a ausência de saídas de ar condicionado e tomada de força. Mocinhas exigentes, estas…
Já quem ocupava a primeira classe não sentiu falta de nada, com bons bancos plenamente reguláveis revestidos de Alcântara, espécie de camurça sintética muito agradável ao toque. Também não passou despercebida a presença de estribos, o que em um veículo alto pode ser útil no entra-e-sai mas, como veremos mais adiante, tem seus inconvenientes.
Estrada
O motor Diesel de quatro cilindros em linha tem 2 litros de cilindrada. Pouco, mas um par de turbinas em série o ajuda a mostrar 180 cv a 4.000 rpm e um nada desprezível torque máximo de 42,8 m·kgf a 1.750 rpm. Números, números, números… O que eles fazem? Empurram com galhardia a massa nada desprezível de cerca de 3 toneladas ajudados pelo câmbio estado-de-arte ZF 8HP, epicíclico, de oito marchas cujo comando por alavanca no centro do console (não, nada de borboletas no volante…) permite escolher entre “D”, sua versão mais esportiva “S” e trocas manuais onde a alavanca movida para a frente passa a marcha e puxada para trás, as reduz.
As Amarok não são novidade para mim, em qualquer configuração. Cabine simples, dupla, câmbio mecânico ou não. Mas pela primeira vez eu a dirigiria verdadeiramente carregada. No percurso urbano até chegar à rodovia a perda da natural vivacidade desta picape, cuja dirigibilidade é das mais próximas à de um automóvel entre todas da categoria, foi notável. Culpa disto, em parte, tem o trajeto, pleno de aclives e dos acidentes geográficos tipicamente paulistanos, má pavimentação, valetas e lombadas. Nas primeiras, em mais de uma ocasião algo na parte traseira raspou e em uma lombada mais pronunciada, o estribo foi quem fez contato com o solo. Baixa demais a Amarok, portanto? Não, indecente demais nosso piso, isso sim. E quanto à comentada perda de vivacidade, ela se evidenciou pela maior necessidade de afundar o pé no acelerador, com o conjunto todo só ganhando a esperada desenvoltura quando a rotação já passava dos 2,2 mil rpm. Ao final deste percurso citadino, cerca de 25 km, uma verificada no computador de bordo denunciou a parcimônia da Amarok mesmo nessa condição de maus tratos, 7,4 km/l de diesel, marca que considero ótima.
Os 120 km/h de lei em boa parte desta viagem quando sob os pneus havia asfalto são uma marca tranqüila de se manter, e não é preciso ficar agarrado ao volante — de agradável diâmetro e empunhadura — de maneira tensa para sentir segurança. A Amarok conta com um tranqüilizador dispositivo eletrônico estabilizante, batizado de ESC, e mesmo arrastando aquela quase tonelada na caçamba a impressão nesta velocidade é que se fosse necessário mudar de pista rapidinho, desviando de um animal qualquer por exemplo, a eventualidade de “perder o pé” seria remota.
Em quatro horas a Amarok deixou o caos da cidade grande e superou duzentos cinquenta quilômetros de chão, em piso que passou do ótimo ao péssimo, e o péssimo não poderia ser melhor para o propósito: a neblina e, depois, uma chuvinha fina tornaram o que restou daquela infernal estrada que desce a Serra do Mar, do município de Cunha à litorânea Paraty, em uma enlameada pista de teste para a Amarok. Da lama e pedras do passado hoje restam apenas três ou quatro quilômetros realmente ruins que logo vão desaparecer pois a rodovia (SP-171/RJ-165) está sendo progressivamente calçada com bloquetes. Antes do descer a serra, uma conferida no computador de bordo revelou o consumo médio, 11,8 km/l, marca excelente ainda mais considerando que o combustível é mais barato que a gasolina. A Amarok se dá melhor com o diesel S-10.
Em um primeiro momento a descida pareceu moleza: terra compactada com pedriscos ofereciam boa aderência mesmo no molhado. Porém, logo o inferno apareceu sob forma de uma pasta escorregadia de lama acinzentada, com valas às margens das apertadas curvas. Descer para fotografar? Nem pensar. Nem mula pararia em pé ali. Nesta condição o risco seria deixar a Amarok desembestar e ir mergulhar no Atlântico, pois nem todos os deuses juntos conseguiriam conter aquela massa montanha abaixo. Passou pela cabeça esvaziar os pneus para ganhar maior área de contato e consequentemente, mais aderência, mas nada disso foi preciso pois a salvação estava na ponta do dedo, literalmente: o botãozinho que aciona o ABS off-road, dispositivo ideal para nossa situação, ali no meio do console.
Declive forte, lama e ABS são um coquetel difícil de encarar. Ou se desce travado ou a eletrônica entende que não deve deixar as rodas travarem e… babau. O controle não será mais retomado. Com a tecla acionada, pequenas travadas são permitidas fazendo com que se forme o salvador morrinho de lama na frente dos pneus, o que muda tudo. É claro que isso não autoriza descer a pirambeira como se seco estivesse pois os pneus Scorpion ATR são limitados nesta condição que exigiria autênticos lameiros, que contudo trariam mau comportamento em asfalto em a zoada ruidosa típica deles.
Vencido o trecho ruim de maneira excelente, mas sem jamais superar os 15~20km/h, a Amarok reencontrou seu terreno mais favorável, o piso compactado que pouco importa se ruim ou bom, e que lhe garante a desenvoltura típica das picapes de última geração. Passado o momento tenso, a co-pilota perguntou: “E se tivéssemos de subir, Subiria?” Sim subiria, graças ao que dissemos no início, sofisticado festival de eletrônica presente que elencar aqui seria repetitivo, tendo em vista o belo texto do PK (com vídeo!) publicado meses atrás aqui mesmo, por ocasião do teste de apresentação da linha 2015 das Amarok.
Acabou?
Este trecho off-road tão curtinho deu água na boca e uma vez chegados ao destino a pirambeira de 700 metros que conclui o trajeto até a casa de praia (que fica na montanha…) mostrou que o controle de tração, que distribui a força de maneira inteligente em cada uma das quatro rodas, é efetivamente ótimo. Jamais uma perdazinha de aderência mesmo no concreto bem molhado e — grande! – um diâmetro mínimo de curva razoável permitindo fazer as tornantes apertadas sem muita manobra.
Descarregada a caçamba, a Amarok ganhou nota máxima pois foi difícil imaginar que veículo faria o trajeto e traria tanta carga de maneira tão excelente. Veloz e confortável como um carro, poderosa e competente como um jipão. Entendi por qual razão quem tem uma propriedade rural não pode abrir mão deste tipo de veículo. Nossa viagem ao Mato Grosso certamente nos daria mais detalhes deste admirável (para mim) mundo novo das picapes cabine dupla 4×4, mas despencar de São Paulo a Ubatuba via Cunha-Paraty já me abriu a cabeça.
Para definitivamente descobrir até onde a Amarok podia ir fui literal, seguindo até onde conseguiria ir mesmo. Embrenhado em uma estrada abandonada no meio do mato, a meia volta só foi dada quando uma árvore interrompeu a passagem . Se tivesse de passar, passaria: bastava (acho) empurrar o infeliz vegetal caído na base da ignorância, coisa que os 180 cv e os 43 m·kgf de torque do motor aliado a quatro pneus se agarrando no solo de maneira inteligente dariam conta. Ah, riscaria pára-choque, talvez o amassaria, e portanto decidi poupar o dono do carro (a Volkswagen…) desse dano.
Satisfeito da aventura, meia-volta, volver. Entendida a faceta carro, a faceta caminhão, a faceta jipe. Todas elas excepcionais. Já sabia que a VW acertara a mão em sua primeira picapona mas queria confirmar isso em 3 mil quilômetros com um raide familiar Brasil adentro. Não deu, mas bastou apenas a quinta parte desta distância, 800 kg de carga e rodar em alguns momentos em piso verdadeiramente ruim para ter plena certeza disso.
RA
FICHA TÉCNICA AMAROK DARK LABEL 2015 | |
MOTOR | |
Tipo | 2.0 L BiTDI, biturbo |
Combustível | Diesel S-10 |
Material do bloco / do cabeçote | Alumínio / alumínio |
Diâmetro e curso | 81 x 95,5 mm |
Cilindrada | 1.968 cm³ |
Nº de cilindros/disposição | 4 / em linha |
Posição | Longitudinal |
Comando de válvulas / nº de válvulas | Dois no cabeçote / 16 |
Potência máxima | 180 cv a 4.000 rpm |
Torque máximo | 42,8 m·kgf a 1.750 rpm |
Corte de rotação | 5.000 rpm |
Taxa de compressão | 16:1 |
Formação de mistura | Injeção direta Bosch common rail |
TRANSMISSÃO | |
Câmbio | Automático epicíclico, 8 marchas à frente, ZF 8HP |
Rodas motrizes | Dianteiras e traseiras, 4Motion permanente |
Relações das marchas | 1ª 4,70;1; 2ª 3,13:1; 3ª 2,10:1; 4ª 1,67:1; 5ª 1,29:1; 6ª 1,00:1; 7ª 0,84:1; 8ª 0,67:1; ré 3,30:1 |
Relação de diferencial | 3,70:1 |
SISTEMA ELÉTRICO | |
Bateria | 12 V, 72 A·h |
Alternador | 110 A |
SUSPENSÃO | |
Dianteira | Independente, braços triangulares superpostos, mola helicoidal, amortecedor pressurizado, barra estabilizadora de Ø 26 mm |
Traseira | Eixo rígido, feixe de molas longitudinal e amortecedor pressurizado |
DIREÇÃO | |
Tipo | Pinhão e cremalheira, assistência hidráulica |
Relação de direção | 14,6:1 |
Diâmetro mínimo de curva (m) | 12,9 |
Número de voltas entre batentes (m) | 2,7 |
FREIOS | |
Dianteiros | Disco ventilado, Ø 303 mm |
Traseiros | Tambor Ø 295 mm |
Assistência | A vácuo, por bomba |
Controles | ABS, ABS Off-Road, BAS e EBD |
RODAS E PNEUS | |
Rodas | Alumínio 8Jx17 ou 7,5Jx18 |
Pneus | 245/65R17 (veíc. testado) ou 255/60R18 |
DIMENSÕES EXTERNAS | |
Comprimento | 5.254 mm |
Largura com/sem espelho | 1.944 / 2.228 mm |
Altura (teto) | 1.834 mm |
Distância entre eixos | 3.095 mm |
Bitola dianteira/traseira | 1.647 / 1.644 mm |
CONSTRUÇÃO | |
Tipo | Separada, chassi tipo escada, hidroformado |
Número de portas/lugares | 4/5 |
AERODINÂMICA | |
Coeficiente de arrasto | Cx 0,425 |
Área frontal | 3,02 m² |
Cx x A | 1,288 m² |
CAPACIDADES | |
Volume da caçamba | 1.280 litros |
Tanque de combustível | 80 litros |
PESOS | |
Peso em ordem de marcha | 2.044 kg |
Carga útil | 1.126 kg |
Rebocável com/sem freio | 2.780 kg/750 kg |
DESEMPENHO | |
Aceleração 0-100 km/h | 10,9 s |
Retomada 80-120 km/h, em 5ª | 8,5 s |
Velocidade máxima | 179 km/h |
CÁLCULOS DE CÂMBIO | |
v/1000 em 8ª | 55,3 km/h |
Rotação do motor a 120 km/h em 8ª | 2.170 rpm |
Rotação do motor à vel. máx. em 7ª | 4.060 rpm |
MANUTENÇÃO | |
Revisões, km | 10.000 ou 6 meses |
Troca do óleo do motor, km/tempo | 10.000 / 6 meses |
Câmbio e diferenciais | Verificar nível a cada 10.000 km ou 6 meses |
GARANTIA | |
Termo | 3 anos. Em uso comercial, 3 anos ou 100.000 km. Perfuração de chapa 6 anos |