A Maserati é uma das mais tradicionais fabricantes de carros esporte da Itália e do mundo. O luxo e o bom desempenho caminham em paralelo com o bom gosto e a beleza das linhas do design italiano. Mesmo hoje em dia, como uma empresa parte do grupo empresarial Fiat Chrysler Automobiles (FCA), a Maserati ainda é um mito.
Assim como a Maserati, o estúdio Zagato é uma referência quando o assunto é desenho automobilístico. Diversos dos mais belos carros do mundo foram desenhados e construídos pela Zagato ao longo de seus 96 anos de história, desde os tempos de seu fundador, Ugo Zagato, que trouxe seus conhecimentos de construção aeronáutica para os automóveis.
Quando dois nomes como estes trabalham juntos, o resultado no geral não desaponta. Recentemente, um carro-conceito foi concebido pela parceria da Zagato com a Maserati para celebrar o centenário da marca italiana do tridente. Este é um assunto delicado: carros-conceito que são releituras do passado. Recriar um clássico ou um ícone de uma marca pode resultar em algo genial, ou em um desastre vergonhoso.
Este conceito para o centenário da Maserati foi feito inspirado em um de seus modelos de corrida dos anos 1950, o 450S Zagato Cupê, este que foi uma forma de “fracasso bem-sucedido” tanto para a Maserati quanto para a Zagato. Mesmo não sendo um sucesso nas pistas, foi um carro marcante para as duas marcas.
Durante os anos dourados em que esteve envolvida em competições, a Maserati disputava com bons resultados os campeonatos mundiais de carros esporte nas categorias limitadas a motores de menor cilindrada. Desta forma, as chances de ganhar corridas na classificação geral eram pequenas. Um novo carro com motores maiores seria a única forma de competir em igualdade de com os rivais de motores grandes.
Um novo chassi foi criado para receber dois motores diferentes, um seis-cilindros de 3,5 litros e um V-8 de 4,5 itros e duplo comando de válvulas e transeixo traseiro, que seria a grande esperança da Maserati. Seguindo os últimos modelos de corrida da marca, as primeiras versões deste novo chassi foram encarroçadas com belas carrocerias abertas.
O 3,5-litros não teve o bom desempenho esperado, o carro ficou pesado demais, mas o V-8 foi mais promissor. Em 1957 a Maserati estreou o 450S V-8, um dos mais potentes motores disponíveis na época. Stirling Moss e Juan Manuel Fangio eram os pilotos da equipe Maserati a conduzir o novo V-8.
O carro era rápido mas a confiabilidade deixava a desejar. Com diversos aprimoramentos a cada corrida, não demorou muito para que a primeira vitória do V-8 fosse conquistada por Fangio, na 12 Horas de Sebring daquele mesmo ano. A potência de 400 cv do 450S era difícil de ser superada. Nas corridas seguintes, problemas mecânicos impediram bons resultados do V-8.
Para Le Mans, a Maserati apostou que um carro mais aerodinâmico e sofisticado seria adequado para a longa reta Mulsanne, e tal proposta foi endossada por Stirling Moss. Um 450S foi eleito para sofrer uma cirurgia plástica e ganhar novo corpo, agora um cupê. Para tal modificação, o engenheiro de aerodinâmica Frank Costin foi contratado.
Costin trabalhou por muitos anos na aviação, depois migrou para o automobilismo, onde seu primeiro trabalho foi o projeto da carroceria do Lotus Mk VIII, encomendado por seu irmão Mike Costin, então engenheiro da Lotus e futuro sócio da Cosworth. Frank Costin ainda viria a fundar a Marcos, fabricante inglesa de carros esporte. Muitos projetos de carroceria de Costin foram bem sucedidos, então seria uma boa contribuição para o novo Maserati.
A Zagato foi escolhida para fabricar a nova carroceria em alumínio que Costin desenhou, e o 450S de chassi #4501 ganhou uma nova forma externa, agora cupê, visualmente muito otimizada para altas velocidades, com teto baixo, linhas curvas e suaves, e uma longa frente para acomodar bem o grande V-8. As proporções do carro ficaram de certa forma estranhas, e o motor era extremamente forte, assim o carro recebeu o apelido de Il Mostro (O Monstro em italiano).
As expectativas de Moss para a corrida de Le Mans com o novo Maserati logo seriam abaladas. O novo carro na verdade era pior que o antigo roadster. A teoria de Costin não se deu bem na prática. Mesmo com um carro aquém do esperado, Moss e o francês Harry Schell, seu companheiro de pilotagem, conseguiram manter o 450S em segundo lugar na corrida até que uma falha mecânica forçasse o carro a parar.
O desempenho ruim do Maserati cupê logo definiu seu futuro sombrio. O carro estava fadado a ser desmontado e nunca mais ver uma pista de corrida. No fim do ano de 1957, a Maserati se retirou oficialmente das competições para se dedicar à fabricação de seus carros de rua, já prestigiados na Europa.
Em 1958, o chassi #4501 com a carroceria Zagato ainda estava jogado em um canto da fábrica para ser destruído, quando o americano Byron Staver, em visita à fábrica, viu a carroceria de Costin e convenceu o representante da fábrica a lhe vender o carro. Além de vendê-lo, a Maserati reconstruiu o 450S com nova suspensão, transmissão e um novo motor, número 4512 (o chassi foi remarcado para #4512, seguindo a numeração do motor, ação corriqueira da época).
A pedido do novo dono, o carro foi modificado para ser maior, com um entreeixos mais longo e mais acessível, pois seria usado como um carro de rua normal. O trabalho na carroceria foi feito na Carrozzeria Fantuzzi dos irmãos Fantuzzi. Um interior luxuoso foi feito especialmente para o carro, bem como um novo pára-brisa inteiriço (o original era bipartido) e detalhes de acabamento da carroceria. Depois das modificações, o carro foi para o Estados Unidos e mudou de dono algumas vezes, mas foi preservado em sua condição final.
Hoje em dia, criações únicas de grandes fabricantes como o 450S Zagato de Stirling Moss são quase que inexistentes. Voltando ao moderno carro conceito da Zagato, esta criou um chassi misto de estrutura tubular espacial e monobloco sólido de compósito de fibra de carbono com linhas que remetem muito ao 450S original desenhado por Frank Costin, e para completar o conjunto, um motor Maserati V-8 montado na dianteira do carro, entre os eixos, com transeixo traseiro, da mesma forma que o original.
Pelas informações da Maserati, o novo Mostro terá uma produção bem limitada (cinco unidades ao total), e assim como o 450S cupê, primeiro o carro nasceu como um modelo de corrida e depois migrou para as ruas, só que no caso atual, do segundo carro em diante, serão todos homologados para ser emplacados. Dificilmente veremos este primeiro carro em uma corrida, dado o seu custo e representatividade para a marca.
Este novo carro não deixa de ser uma jogada de marketing, tanto da Zagato como da Maserati. Diferente do 450S, o novo Mostro nasceu com a função de ser uma releitura moderna do clássico Zagato que está marcado no passado da Maserati, enquanto que o modelo original foi concebido única e exclusivamente para ser rápido e ganhar corridas, por pior que fosse seu resultado.
Não é nenhum crime homenagear um carro clássico por meio de uma recriação modernizada, e obviamente o marketing das empresas relacionadas acima de um projeto deste tipo vai se aproveitar da melhor maneira possível. A fabricação de mais quatro unidades para comercialização permite que mais pessoas tenham acesso ao modelo, em vez de apenas uma, ou nenhuma, caso um único carro feito vá direto para o museu da fábrica.
É melhor ver criações como o novo Zagato-Maserati Mostro da forma que foi feito, respeitando bastante o carro original em que foi inspirado, com linhas semelhantes, chassi moderno e mesmo tipo de motorização do original, do que modificar um carro existente e batizá-lo com outro nome totalmente diferente, como foi feito com o conceito do Alfa Romeo TZ3 Stradale. Feito pela própria Zagato há alguns anos, onde a única coisa de Alfa Romeo que o carro tinha era o emblema, uma vez que era um Dodge Viper modificado, não é um carro digno do nome que leva. Mesmo o carro sendo bonito, não é um Alfa.
Também não é difícil ver carros-conceito fabricados em cima de modelos existentes, com traços que lembrem outros carros antigos, alguns até bem feitos, mas poucos são dignos ser uma assinatura da marca. O Mostro é uma das poucas exceções, hoje em dia talvez apenas junto com Ferrari P4/5 de James Glickenhaus criado com a Pininfarina, feito do zero com foco na história do carro original e mantendo as principais características do passado, como o motor V-8 dianteiro, transeixo traseiro, carroceria aerodinâmica com linhas bem semelhantes ao antigo, um carro nascido para as pistas e depois para as ruas.
Se todos os conceitos atuais que revivem carros do passado fossem como este Zagato-Maserati e as quatro unidades que virão, verdadeiramente usáveis e com uma conexão honesta com o passado, a história de cada marca poderia ser melhor representada, sem desastres como o Alfa Romeo-Viper.
MB