Continuando com “causos” do meu segundo livro, aí vai uma história incrível de um buggy que em 1992 trabalhava nas dunas de Genipabu, em Natal (RN). Conheça os truques de um bugueiro da velha guarda e a resiliência do bom e velho motor VW boxer que aguenta muito mais do que a gente pode imaginar. No Reader’s Corner um outro “causo” dá uma dica preciosa para quem tem um Fusca mais antigo.
Esse buggy é fogo
Por Sérgio Albuquerque Brandão
Genipabu, Natal-RN, julho de 1992
Quando passava férias em Genipabu, era vizinho do bugueiro Júnior. Patrão de si mesmo e parceiro de um buggy “Toy” verde limão, levava os turistas para os famosos passeios pelas dunas e praias locais. O 1600, de carburação simples, nem ligava para o fato de tracionar as enormes rodas de aço aro 15, tala de 10 polegadas, montadas com gigantescos pneus Dune Buggy 11L-15 (para quem não sabe, cada conjunto de roda e pneu pesa “apenas” 30 kg!)
Fuscamaníaco assumido, sempre me perguntava como aquela mecânica aguentava aquele “tranco” todo. Ao mesmo tempo, me respondia que só uma mecânica Fusca aguentaria um serviço tão pesado.
Em média, quatro passeios diários, quase sempre com lotação máxima, a todo tipo de lugar, a transmissão ignorando seus limites e tracionando sempre forçada na areia fofa.
Um dia, combinamos um passeio às praias do Norte. Júnior, eu, mulher e três filhos pequenos, mais a bisavó que estava conosco. Suspensões em baixo, o valente 1600 gira limpo e redondo. De repente, na volta, um riacho que desemboca na praia e a maré já bem cheia. Ponte? Só se mandássemos construir. Júnior teima em passar e o buggy simplesmente encalha. A água do mar cobre mais da metade do motor.
Descemos, empurramos e logo estávamos novamente na areia seca. Comecei a pensar nos vários quilômetros que ainda faltavam para chegar em casa e no prejuízo que ele teria para consertar o motor.
Antes que chegasse a qualquer conclusão, o Júnior, mais que tranquilo, abre o pseudo “porta-malas” do buggy e me surge com um pano e uma garrafinha de gasolina nas mãos. Tira a tampa do distribuidor e o rotor. Joga um pouco de gasolina sobre o platinado, encharcando toda a mesa do distribuidor.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, risca um fósforo e pronto, um distribuidor em chamas! Fogo rapidamente abafado e apagado com o pano, rotor e tampa nos seus lugares, é só dar a partida. O 1600 gira, pega de primeira, regurgita toda a água do mar que havia ingerido, arredonda o giro e pronto! Vamos embora! Coisa corriqueira…
Esperei, em vão, por qualquer problema de motor no resto do caminho. As risadas do Júnior me respondiam que ele já utilizava este recurso há muito tempo. O incansável 1600 girava redondinho e continuou cumprindo, com todo o rigor digno de sua origem germânica, a sua média de quatro passeios diários…
Reader’s Corner
da Coluna Falando de Fusca
O Reader’s Corner de hoje traz um intrigante causo que o amigo Darlou D’Arisbo enviou e que, na verdade, tem um desfecho surpreendente que pode vir a ajudar a muitos proprietários de Fuscas mais antigos.
O Darlou e eu estamos em contato desde o lançamento de meu primeiro livro e descobrimos que, curiosamente, temos vários pontos em comum, ambos somos da excelente safra de 1947 (hehehe), escrevemos livros, somos aficionados por Fuscas, mas começamos a dirigir em Citroëns etc. Ele é colecionador e tem, além dos Fuscas (64 desde 0-km e dois 69, todos originalíssimos), um acervo de antigas máquinas de costura manuais (umas 200, de 1850 a 1950). Desta amizade eletrônica surgiu a oportunidade de recolher mais um “causo” para a coleção, mas que agora eu passo para vocês o curtirem.
Os desconhecidos poderes do rádio do Fusca
Por Darlou D’Arisbo
Pois não subestimemos o poder do rádio. Seus poderes informativos vão muito além de nossa imediata e limitada compreensão!
Tudo tem início e esta verídica história começou lá por meados do ano passado (2012). Meu mais idoso Fusquinha (1964vermelho) volta e meia apresenta alguma patologia. Afinal, para um veículo com 50 anos de trabalho para o mesmo patrão, é mais que caso de aposentadoria.
Ora é platinado que “oxida”, gicleurs (dosadores) do carburador entopem, líquido do freio que resseca… Sempre apresenta desculpas para não caminhar com as próprias rodas, quando vou funcioná-lo semanalmente (por vezes apenas mensalmente).
Daquela vez, o rádio (ainda original) apresentou um forte ruído pulsante, cadenciado com as faíscas das velas. Solucionaria instalando um supressor de ruído (capacitor) na saída do alternador (no caso, ainda dínamo). Como não resolveu, instalei outro na alimentação do rádio, o que também não solucionou. Então mantive o rádio desligado quando com o motor funcionando.
Mas o carro andava mal, preguiçoso nas ladeiras, rateava quando devidamente aquecido. Imaginei que seria mistura fraca, desmontei o velho carburador e, com auxílio de amigos e reparos via internet, em quinze dias estava no lugar, limpo e funcionando. Porém, na primeira saída, o problema apresentou-se igualzinho. Rateava, tossia descompassado e até parava. Então deve ser o tanque sujo, pensei.
Realmente estava sujo, pois nossa gasolina é imunda, além dos torpes “aditivos” incorporados. Tanque retirado, limpo, canalizações desobstruídas, filtro cônico e de passagem trocados, conexões novas (viva a internet e os fornecedores de raridades). Alguns fins de semana de trabalho e pronto!
Pronto?! Andava apenas três quilômetros, resmungava e parava.
Deve ser a bomba de gasolina! Por que não pensei nisso antes! E retirar a bomba do 1200 é ato de persistente paciência. Tive que confeccionar uma incomum chave semiarticulada para acessar a porca escondida. E, depois de retirada a bomba, conseguir reparos (mitral, tricúspide, diafragma…) para aquele modelo obsoleto há décadas, foi uma odisseia. Mas nada que, em mais algumas semanas, não se resolva.
Tudo instalado, vamos passear! Anda bonito frio, mas ao aquecer (idem uns 3 km) rateia, reclama e depois silencia o motor…
Então é parte elétrica, informaram alguns amigos “mechanicos”. Conferi a tampa do distribuidor (alguma trinca?) e o limpei o rotor. Troquei o capacitor (condensador) por original Bosch.
Troquei o platinado (preço de dourado) por um original Bosch mexicano. Mas seu comportamento se manteve, aliás, ele reclamava sempre no mesmo local, subindo a avenida de acesso ao centro da cidade, ou outra em distância semelhante.
A cada final de semana eu retomava as tentativas. Troquei as velas, os cabos de vela, a bobina de ignição,… E sempre, após cada reparo executado, o teimoso problema mantinha-se igual.
Irritado e esgotado, pensei em dar-lhe um bom “banho de descarrego”, com uma afro-benzedeira, gorda e reluzente! Mas protelei tal derradeiro recurso.
Resolvi retirar o distribuidor dele e trocar com outro Fusca, o verde. E este, após andar uns quilômetros, apresentou idêntica patologia. Oh! O problema estaria então confinado no distribuidor! Desmontei-o todo e conferi tudo novamente (contatos limpos, articulações do avanço centrífugo, folgas…).
Tudo perfeito! Instalei. Problema repetido!
Exauridas as possibilidades, limitei-me a montar e guardar o Fusca vermelho, insepulto, coberto com uma capa mortalha.
Seguiram-se semanas tentando (pensando) descobrir e, numa fecunda insônia, meu anjo da guarda (o douto grilo falante) aconselhou-me a “aquecer” o distribuidor, já que frio funcionava. Retirei o rotor, mergulhei-o em água quente e medi sua resistência elétrica: muito alta, ou seja, não passava corrente elétrica. O problema era do rotor.
Então, o submeti ao inverso: coloquei o rotor na geladeira.
EURECA! Com o rotor gelado a resistência era muito menor. O problema era no resistor do rotor que fica entre o centro e a extremidade, coberto por resina, cuja resistência maior que a prevista não deixava passar corrente de alta tensão ou deixava passar muito pouco, além produzir um centelhamento que não deveria existir.
Era o que causava ruído no rádio! E, principalmente, a falha após rodar 3 km. O rádio insistiu em me avisar, um ano antes!
A leitura da resistência no ohmímetro indicava com precisão onde estava o problema… Fica a lição! Quanto mais antigo o Fusca, maior propensão a aumentar a a resistência dos componentes elétricos. Medi-la é sempre bom.
E viva o rádio!!
AG
A coluna “Falando de Fusca” é de total responsabilidade do seu autor e não reflete necessariamente a opinião do AUTOentusiastas.