A “velha senhora”, para seus fãs, ou Kombi — de Kombinationsfahrzeug — veículo de uso combinado, sempre desperta atenção. É frequente aparecer no Facebook dos amantes da marca e alguns posts podem até causar espanto. Isto porque o tal uso combinado muitas vezes assume aspectos que extrapolam tudo o que compõe a pacata imagem deste veículo por aqui no Brasil.
Vamos falar de alguns poucos exemplos que foram fabricados na Alemanha, de uma lista incrível de adaptação para usos específicos. E isto sem esquecer que também tivemos no Brasil algumas adaptações “de fábrica” feitas pela Karmann-Ghia e pela Carbruno. Aliás, sobre esta última eu lanço um pedido de colaboração para os que têm dados sobre documentação, folhetos, reportagens, fotos, depoimentos etc., para formar um dossiê sobre esta empresa e depois dedicar um artigo aos veículos Volkswagen que ela transformou para dezenas de aplicações específicas. Fora as adaptações “na galega” que continuam a ser perpetradas num país onde vale absolutamente tudo — temperado pela leniência das autoridades de trânsito, e que aumenta o grau de risco de quem circula por esta megalópole que é capital paulista e topa com uma “coisa” destas…
Recentemente apareceu no Facebook a adaptação oficialmente chamada de VW Tieflader — em que Tiefladerem quer dizer, genericamente, plataforma rebaixada, conforme mostra a imagem que abre esta matéria. Como outros que serão citados aqui, não tivemos esta alternativa no Brasil. Ela permitia o transporte com segurança de objetos de altura maior, e o seu carregamento e descarregamento mais fácil. Seguindo o cuidado que a Volkswagen tinha com seus produtos, este modelo também recebeu catálogos e aí vai um deles:
Havia 2 modelos principais disponíveis na linha do VW Tieflader, um standard e outro um modelo especial para serviços públicos que, na verdade, foi a origem deste modelo.
Independentemente de qual deles fosse encomendado, uma Kombi Pick-up de cabine simples, somente com pintura com tinta fundo, era enviada para a Westfalia Werke KG, empresa que desde 1950 manteve uma parceria operacional com a Volkswagen, muito conhecida pelas Kombis adaptadas para Camping.
As tampas laterais da caçamba eram cortadas ao meio, e as das portas do compartimento inferior eram combinadas com as metades da tampa lateral da caçamba, para fazer uma porta grande de cada lado. Em seguida, dobradiças eram montadas de maneira a permitir que as portas abrissem para a frente em ambos os lados. O piso inferior era então reforçado com vigas. A metade dianteira do chassi era recortada, permitindo ao proprietário caminhar no fundo da abertura assim criada.
O modelo standard tinha a opção de calhas extensíveis de cada lado, que vinham com um tipo de trenó de rolamento que podia ser levado para cima ou para baixo dos trilhos para carregar itens grandes e pesados, como refrigeradores, tambores de óleo, maquinário, etc. Já o modelo para serviços públicos, por outro lado, vinha equipado com uma caixa de ferramentas de madeira com fechadura e contêineres de aço, bem como vinha com grandes faixas de advertência e uma sinalização intermitente de teto. Ambos os modelos tinham a opção de uma cobertura de lona, de comprimento total ou parcial, e de pintura saia e blusa.
Outra versão interessante é a VW-Pritschenwagen mit Nachläufer – Kombi Pick-up com reboque para o transporte de cargas compridas. Este tipo de arranjo era muito usado na década de 1960. Havia modelos com cabine simples ou com cabine dupla, apelidadas de DoKa — Doppel Kabine. Na caçamba da Pick-up era instalado um suporte para apoiar o início da carga comprida e o reboque ficava atrelado à Kombi por uma haste comprida. O arranjo básico pode ser visto nos seguintes catálogos:
Neste caso há várias fotos de veículos que resistiram ao tempo, tanto de cabine simples como de cabine dupla e nas fotos que se seguem podem ser vistas alternativas de reboques de terceiros para os modelos homologados pela Volkswagen, como é o caso do cabine simples azul que usa uma carretinha como suporte para fim da carga:
Vamos ver o que era o VW-Pritschenwagen mit hydraulischer Hebebühne — VW Kombi Pick-up com elevador hidráulico fabricado pela empresa Ruthmann. Um produto necessário em uma grande variedade de aplicações, um dos catálogos de fábrica era o seguinte:
Dado o alcance em altura do elevador hidráulico, sua operação chegava a espantar as pessoas, a estabilidade operacional era garantida por quatro sapatas retráteis que se apoiavam no solo. Segue um exemplo no procedimento da troca de lâmpadas suspensas numa rua:
Na época se podia escolher entre dois elevadores hidráulicos, dependendo do alcance em altura e do peso de elevação requeridos. O conjunto do elevador podia ser desmontado em minutos, restando uma Kombi Pick-up livre para o transporte de carga. A caçamba elevatória era um lugar de trabalho seguro. A pressão hidráulica para o elevador era fornecida por uma bomba acionada pelo motor da Kombi, tanto que havia uma segunda chave de partida no púlpito de comando. Todos os movimentos podiam ser comandados diretamente da caçamba do elevador através de botões. Em caso de emergência a caçamba do elevador podia ser descida através da válvula manual de alívio de pressão do óleo. Também havia uma tomada de 12 V, 100 W, que permitia alimentar um farolete de emergência ou ferramentas. O ângulo de giro da caçamba era de 180º, 90º para cada lado. E o braço elevador podia atingir uma abertura de 110º, o que permitia desviar de obstáculos com facilidade.
Como a quantidade de modelos de Kombi especiais destinadas a usos específicos fabricados, ou convertidos, na Alemanha é muito grande, vamos mostrar mais uma e depois apresentar algumas capas de catálogos e/ou folhetos de venda, como mais uma série de exemplos.
Um modelo bastante interessante foi o VW-Pritschenwagen mit Drehleiter-Aufbau – Kombi Pick-up com escada giratória. Este tipo de veículo também foi fabricado no Brasil, seguindo o modelo alemão à exceção do tipo de escada que na Alemanha tinha mais estágios que aqui. Aí vai um de seus folhetos de venda:
Na foto seguinte um exemplar de uma Kombi Pick-up com escada giratória, em estado de nova, que pertence ao acervo do Museu Volkswagen do Setor de Veículos Comerciais (Nutzfahrzeuge) que fica em Hannover. A montagem da escada foi feita pela empresa Meyer-Hagen (mas o veículo montado era vendido com garantia da Volkswagen) e a escada tinha uma altura de trabalho de 10 metros e era fornecida em especial para bombeiros, sendo que a maioria dos grupos de bombeiros na Alemanha é formada por voluntários. E o tamanho da Kombi favorece o acesso às ruas estreitas das cidades medievais. Os acessórios especiais eram a lâmpada giratória de teto e duas buzinas fortes.
Como uma curiosidade ai vão algumas capas de catálogos ou folhetos de diferentes tipos de Kombis especiais demonstrando que realmente foi um veículo que era “pau p’ra toda obra”:
Abandonando a organização alemã, chegamos ao Brasil para a parte que vai falar das adaptações “na galega” que desafiam o bom senso de qualquer um. Os exemplos que serão mostrados são de São Paulo, capital, mas se você tiver algum exemplo nesta linha, independente de que cidade for, me envie, indicando local, data e algum aspecto que você ache relevante; estou fazendo uma coletânea destes disparates… Afinal, estas fotos são o testemunho do que se faz com as “velhas senhoras” por aqui nos dias de hoje.O primeiro exemplo foi flagrado na rua da Balsa, perto da avenida Gen. Edgar Facó na Freguesia do Ó e realmente é uma “obra da engenharia do absurdo”, que estava com placas na frente e atrás. Mas vamos dar uma olhada na “Kombistein”, modificação para, como as demais, transportar material reciclável recolhido pelas ruas:
Nas “adapitações” menos radicais o pessoal corta o teto, como na foto abaixo, e o grave é que pessoas ficam sobre o material recolhido enquanto os veículos estão em trânsito!
Mais um tipo de “adapitação”, desta feita transformando as pobres Kombis em picapes de “chão fundo” — pois o que vale neste caso é a capacidade de carga para cima que é geralmente ampliada por varais para apartamentos usados como grades, bem como grossas telas de arame sustentadas por uma estrutura de madeira (fotos feitas na rua Paumari, travessa da rua Cerro Corá, na Vila Romana):
No exemplo que encerra esta série inicial, se vierem contribuições quem sabe se possa fazer mais uma “galeria dos horrores”, apresentando um risco diferente, talvez decorrente de desconhecimento da questão da estabilidade da Kombi em função da altura de seu centro de gravidade (foto na rua Léo Ribeiro de Morais, perto da esquina com a rua da Balsa, na Freguesia do Ó):
Com isto fica provado que, apesar de todos os pesares, nossas queridas Kombis continuam a ser, com todo o respeito, “pau p’ra toda obra”!
AG