Na verdade, minha coluna desta semana seria sobre outro assunto. Mas, sabe quando parece que há uma conspiração intergaláctica para que tudo vá numa outra direção? Pois é, foi o que me aconteceu.
Sábado ia ler um artigo de jornal que havia visto no dia anterior sobre multas de trânsito em São Paulo. No mesmíssimo dia fui premiada com duas correspondências: meu exemplar da Veja, com a Veja SP com uma matéria de capa sobre o alcaide de São Paulo e diversas bizarrices cometidas por ele e uma multa. Mais uma, na verdade.
Na minha família mais próxima somos apenas três pessoas: mãe, marido e eu. Claro que tem cunhados, sobrinhos, tios, mas vamos nos limitar ao núcleo propriamente dito. Minha mãe dirige no Brasil há mais de 35 anos e até agora tinha tomado apenas três multas. Uma cerca de dez anos atrás por excesso de velocidade na Av. Washington Luis, por ter passado a 67 km/h (se não me falha a memória) num trecho onde a máxima era 60 km/h e outra dois anos atrás, também por excesso de velocidade, numa avenida da Zona Sul num trecho em que a máxima era 40 km/h e ela passou a uns 47. Uma verdadeira Ligeirinho minha mãe, como vocês podem perceber. Ah, esqueci de dizer que durante alguns anos ela dirigiu cinco dias por semana entre Higienópolis e Belenzinho (um percurso de pouco mais de 10 km em cada sentido) e vários outros anos entre Higienópolis e Poá (cerca de 50 km em cada sentido). Logo, alguém que sempre rodou muito, pois ainda tinha os finais de semana e os amigos dela que moram no Jardim Anália Franco. A terceira foi por violação de rodízio. Devido ao trânsito, ficou presa em área proibida sem perceber. E foram somente três multas, incluindo as estradas e vias onde dirige.
Meu marido e eu, idem. Em anos de CNH ele deve ter não mais do que quatro multas e eu contabilizava, até o ano passado, exatas 5:
– estacionamento proibido em Moema – a placa não era clara mas eu dei bobeira. Lá pelos idos do início dos anos 2000;
– trafegar na contramão na Praia Grande – onde nunca estive. Naquele dia estava trabalhando e meu carro no estacionamento ao lado. Anexei cartas do estacionamento, da minha chefia (confirmável por mais de 80 jornalistas que trabalhavam comigo no mesmíssmo recinto) atestando que estava na Rua Major Quedinho, em pleno centro de São Paulo naquele dia e naquela hora assim como meu carro, pois dei carona para dois deles, mas não adiantou. Pedi fotos, mas a resposta sempre foi que era a palavra do agente deles contra a minha – embora a minha fosse do estacionamento, da redação da Gazeta Mercantil, etc… Perdi em todas as instâncias. Nos longíquos anos 1989-90;
– excesso de velocidade em Sorocaba – a máxima era a 60 e eu estava a perigosíssimos 67 km/h ou perto disso, na Carlos Cômitre, avenida de três faixas em cada sentido, com canteiro central. Em 2012, mais ou menos;
– excesso de velocidade na marginal Pinheiros – era 80 km/h e eu estava a uns 86 km/h. Por volta de 2013.
– violação do rodízio – peguei o carro errado. Aquele que podia rodar ficou na garagem e sai com o que não podia, crente que aquele dia era terça-feira e não quarta. Mea culpa, sem dúvida. Lá atrás, em 2005, mais ou menos.
Do ano passado para cá é como se nós três tivéssemos virado uma mistura de Mad Max com Stevie Wonder no trânsito. Inclusive minha doce e idosa mãezinha que, além do mais, é ótima de volante. Em 2016 já temos de tudo, agravado pelo uso de um ou outro carro entre nós: uma por trafegar pelo corredor de ônibus por 100 metros na avenida 23 de Maio um dia de semana às 19h26. Quem conhece, sabe a dificuldade que é entrar na avenida a essa hora, com todo o trânsito parado e uma inútil faixa de ônibus de ponta a ponta da avenida, muito mais usada por táxis e motos do que por ônibus. Outra por invadir a faixa de ônibus próximo da entrada da Cidade Universitária num lugar em que ela se estende por uns dois quarteirões e no final quem quiser fazer uma conversão à direita tem de fazê-lo em ângulo reto, batendo em alguém, ou andar alguns metros no corredor. No nosso caso, devem ter sido uns 15 metros. Outra por excesso de velocidade na Av. Morumbi às 8h00 da manhã de um dia de semana, numa descida e passando a perigosíssimos 57 km/h onde o limite é 50. Quem conhece o lugar e o horário sabe que bem mais do que isso seria um limite perfeitamente aceitável. E outra, claro, na marginal Pinheiros, também por ter ultrapassado os 70 km/h a ridículos 78 km/h. Tudo isso em um par de meses. Detalhe: atualmente minha mãe dirige muitíssimo menos, assim como eu, que trabalho de casa a maior parte do tempo. E meu marido ainda viaja muito para fora do estado – de avião, e vai de táxi ao aeroporto. Ou seja, andamos uns 10% do que andávamos há alguns anos e tomamos muitas mais multas?
Confesso que ingenuamente durante algum tempo eu disse que não havia indústria da multa. Afinal, se você é multado é (quase sempre) porque você infringiu a lei, certo? Erradíssimo. Tem, sim, uma indústria de multas na cidade de São Paulo. E se amanhã o alcaide resolver revogar a lei da Gravidade? Seremos todos multados, claro. E se ele resolver que a velocidade máxima na marginal do Tietê é de 0,5 km/h? Toma multa!. Quer dizer que há coisas que são apenas com o objetivo de arrecadar. Ou como explicar que um único radar tenha multado 286 mil veículos em 2015? Sim, é aquele famoso da marginal do Tietê, na altura da ponte das Bandeiras em direção à Santos Dumont que multa o incauto que faz a conversão e depois dá de cara com a placa dizendo que é proibido o trânsito ali das 6 às 15 horas (foto de abertura). Apenas no dia 24 de dezembro do ano passado foram multados por aquele equipamento 3.358 motoristas. Sim, num único dia. Alguém acredita que se a sinalização estivesse correta tanta gente decidiria cometer uma infração propositadamente? Nora, tolinha. Deve ser que de repente um grupo enorme de motoristas decidiu fazer isso apenas para ajudar a Prefeitura a ter mais dinheiro no bolso…
No primeiro semestre do ano passado os motoristas paulistanos fomos premiados com 2,8 milhões de multas em toda a cidade. Entre 2013 e 2016, o número de radares em funcionamento foi de 500 para quase 900 e somente neste ano São Paulo (o município, não o santo) arrecadou R$ 474,4 milhões com multas de trânsito. Em 2015, entre janeiro e o mês de maio, o total havia sido de R$ 365 milhões, um crescimento de quase 30%.
Vamos então ao artigo de jornal que eu havia recortado para ler depois com mais tempo. No dia 19 de maio, a Justiça aceitou uma ação de improbidade movida contra o prefeito de São Paulo, o secretário dos Transportes e o presidente da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e o ex-secretário de Finanças do município assim como o atual ocupante da pasta. A tese do Ministério Público é que a Prefeitura aumentou o número de radares para elevar a arrecadação, em conluio (a palavra é do MP, não minha) com os gestores. E, ainda, que a arrecadação de multas foi utilizada para fins não previstos em lei, como construção de terminal de ônibus, ciclovias e o pagamento de salários e encargos de funcionários da CET. Os promotores também questionam o repasse para a Guarda Civil Metropolitana de 5% do valor das multas arrecadadas a partir de infrações aferidas pela guarda. E qual foi a resposta do alcaide? Que o governo estadual faz a mesma coisa. Alguma defesa sólida? Algum argumento? Não.
A atitude do alcaide me lembra a do aluno de segunda série que, pego colando, diz: ”Mas, ‘fessora, o Joãzinho também está colando”. Ele alega que numa ação semelhante contra o governo do Estado o promotor haveria cometido um “erro grosseiro” que extinguiu o processo. Na realidade, o processo contra o Estado era por falta de clareza na aplicação, pelo Detran, dos recursos das multas. A ação foi movida contra a Secretaria de Estado da Fazenda o que, no entender da Justiça, não seria a pessoa jurídica a ser questionada. O promotor insistiu em que a Fazenda é quem deveria ser questionada e o processo acabou extinto. Em abril, o prefeito havia entrado com uma representação contra o mesmo promotor Marcelo Camargo Milani alegando perseguição política.
O promotor Milani disse que a resposta da Prefeitura de São Paulo é “embuste para enganar a opinião pública”. Ele argumenta que, apesar de signatário de um inquérito que investigou as multas de trânsito aplicadas pelo governo do Estado, não é o autor da proposta da ação. Ele nega que tenha havido erro e diz ainda que o processo contra o governo Estadual e contra os gestores da prefeitura correm em varas diferentes. É claro que se as multas do Detran não estão sendo aplicadas corretamente devem ser apuradas e punidos os culpados, mas alegar que outros fazem é lá desculpa para um ilícito? Me poupem.
Como já comentei neste espaço, em tantos milhares de quilômetros dirigindo em outros países nunca nenhum de nós três tomou uma única multa. E bem sabem vocês, caros leitores, os perrengues que se passa alhures, com idiomas diferentes e sinalizações idem. A única vez em que algo aconteceu tomamos uma advertência por não termos deixado no painel do carro alugado o ticket do estacionamento pago numa vila no interior da Bélgica. As instruções em flamengo me confundiram e entendi que era para não deixar. Ainda assim, como havíamos pago o estacionamento, recebemos somente uma advertência. Mas em São Paulo parece que, subitamente, desaprendemos tudo e resolvemos cometer infrações repetidamente. Vai ver que sem perceber fazemos parte daqueles quase 4.000 que resolveram colaborar com a arrecadação municipal passando pelo radar da marginal Tiete.
Mudando de assunto: Como já disse diversas vezes, não sou contra ciclovias nem contra ciclistas. Sou é contra a falta de planejamento e a construção mal feita ou, ainda, superfaturada. Tendo dito isto, por que cada vez que querem provar que elas são boas e são utilizadas mostram e falam apenas um trecho daquela da Av. Faria Lima? Acabei de ver mais uma reportagem na televisão e, de novo, o mesmo sofisma. Se tem 412,6 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas na cidade , porque mostrar apenas o segmento de pouco mais de 2 quilômetros de uma das poucas (talvez a da Marginal Pinheiros e a da Paulista sejam as outras) que estão bem feitas, embora a custos astronômicos? Culpa da imprensa, que aceita as pautas empurradas pelo poder público ou preguiça dos jornalistas de pesquisar? E os tais “contadores de ciclistas”, que provariam a enorme utilidade delas foram colocados somente, adivinhem, na Faria Lima e na Paulista. Por que não em algum dos outros mais de 400 quilômetros? Coincidência?
NG