Sou fã de cinema. Bem, talvez não propriamente de cinema como aquele espaço público onde se pode ver um filme, mas da Sétima Arte em si. Já tinha pouca paciência com a falta de educação de algumas pessoas e cada vez mais esperava que meus filmes favoritos passassem na televisão. Junte-se a isso a enorme melhoria na qualidade (e no preço) dos televisores de tela gigante… Bom, o que me afastou de vez dos cinemas foi quando começaram a vender pipoca em baldes que podem durar um filme inteiro. Além do cheiro de manteiga no ar, o crunch-crunch constante me tira do sério pois sou do tipo de pessoa que vai ao cinema para ver o filme — não para atender o celular, conversar com quem está comigo, comentar o filme, comer… sou uma videota chata mesmo. Ainda gosto da magia do cinema, mas vou menos, escolho cinemas pouco badalados, sessões perdidas no meio da semana e somente quando realmente vale a pena o perrengue, como foi ver o último “Star Wars” em 3D sem dublagem e numa quarta-feira às 22h30.
Isto posto, vi duas vezes (na televisão) recentemente o ótimo filme argentino “Relatos Selvagens”. Sem patriotada, sou fissurada em cinema argentino. Acho que é feito com enorme qualidade, ótimos atores, roteiros originalíssimos e enxutos. Nada de efeitos especiais, embora tenham uma fotografia e música excepcionais. Em fim, tudo aquilo que para mim deve ter um filme de qualidade. Mas, o que meu gosto para filmes tem de autoentusiasta? Tudo, para quem viu o filme.
Tentarei não estragá-lo. Basicamente, não é uma única história, mas sim seis capítulos que têm em comum apenas a selvageria humana pelos mais diversos motivos, alguns claros outros não — com enorme humor negro, diga-se de passagem. Três capítulos estão intrinsecamente ligados a carros. Num deles, nos confins da província de Salta, um carro de luxo é atrapalhado por um “poisé” na estrada. Gratuitamente, mas ao ultrapassá-lo o motorista tem a péssima ideia de xingar o outro. Não preciso nem dizer o que acontece mais adiante. O toque de humor negro fica por conta do palpite da polícia que tenta entender o que aconteceu. Absolutamente hilário.
Num outro capítulo com o excelente ator Ricardo Darín, o carro dele é guinchado por estar estacionado em local proibido (veja foto de abertura). Só que não há indicação de que seja proibido estacionar parar ali. Dali para a frente, é totalmente Kafkiana a briga dele contra a burocracia da Prefeitura que insiste em receber primeiro e depois, quem sabe, talvez, se for o caso e a pessoa insistir muito em abrir um processo, aceitar uma reclamação. E este fato detona uma série de outras desventuras. O final é catártico.
Mas além da história em si, uma coisa em especial chamou a atenção nesse capítulo. Quando o carro de Darín é guinchado, a empresa deixa um papel no lugar. Nada daqueles cavaletes que tanto atrapalham o trânsito e contra os quais Bob Sharp sempre reclama — com razão. Se o motivo de remover um veículo é que ele está num lugar onde ele atrapalha a circulação, por quê ocupar o lugar com cavaletes? No meio de tanta falta de lógica da prefeitura, da empresa de guinchos etc, pareceu uma luz de razão perdida no meio da escuridão. Aleluia!
A reação de Darín, inicialmente ponderado e cerebral, é tragicômica. Ele luta para não ser tragado pela burrice da burocracia e da estupidez humana, mas é difícil não entregar os pontos.
Faz uns dois meses me senti assim e tomei uma atitude totalmente pessoal e provavelmente inócua, mas que me faz dormir muitíssimo bem à noite. Bem, do pouco que eu durmo, verdade seja dita. Frequentava um hipermercado perto da minha casa pela conveniência, mas sempre me incomodou o descaso da empresa com as vagas de deficiente ou idoso, constantemente desrespeitadas por clientes sem que o supermercado nada fizesse. Depois que mudou a lei, e agora é permitido multar carros nessas condições em lugares privados, decidi que não toleraria mais isso.
Da última vez que fui lá me deparei com algo para lá de estúpido. Alguém parou não apenas na vaga de deficientes sem credencial mas ocupando a faixa zebrada que precisa ficar livre para facilitar ou mesmo possibilitar que a porta do carro que estacione ao lado possa ser aberta totalmente, essencial para desembarque/embarque de pessoas portadoras de necessidades especiais. Até pela forma como largou o veículo é claro o descaso. Esperei um pouco e corri atrás de um guarda do estacionamento que fazia a ronda de moto que, no entanto, não me ouviu e seguiu em frente.
Antes de fazer minhas compras, me dirigi ao atendimento ao cliente e, com a foto no celular, mostrei e ainda disse que passara um guarda ao lado do veículo e nada fez. Tanto insisti que chamaram pelos alto-falantes o dono do veículo. Esperei mais de 30 minutos e nada. Avisei, então, que a partir daquele dia não mais iria ao supermercado, pois eles sempre fizeram pouco caso das leis em favor de alguns clientes. Então perderiam outro – eu, no caso.
Vai adiantar? Provavelmente não. Nem gasto tanto em supermercado, mas durmo tranquila. É uma ação irrisória para o volume de vendas da loja, mas obviamente uma atitude como a que o personagem de “Relatos Selvagens” tem é extrema — e chega-se a esse ponto quando se vai contra as próprias convicções, contra as leis e o bom senso. Então, paro antes. Fiz questão de dizer que não iria mais por esse motivo no Atendimento ao Cliente. Sem escarcéu, sem me irritar, apenas relatei o que faria. Como há outros supermercados, embora mais longe, não preciso dar meu suado dinheirinho a quem não respeita as pessoas. E, diga-se, não tenho idade para usar vagas de idosos, não estou grávida nem sou deficiente física. Apenas acho que pessoas nessas condições deveriam poder parar nas vagas que lhes foram determinadas sem que alguém que não precisa e que tinha à disposição dúzias de outras vagas o faça. Pronto. Falei.
Mudando de assunto: tenho tentado acompanhar pela imprensa se o Uber está ou não autorizado a operar em São Paulo. Mas é tanta confusão que a Prefeitura fez que parece pisca-pisca: agora funciona, agora não, agora funciona, agora não.
NG