Na resenha da produção do Fusca no Brasil e de seus “derivados” equipados com o motor VW boxer arrefecido a ar, existem aspectos que apresentam peculiaridades que, talvez por falta de esclarecimentos maiores e de definições por parte do fabricante, acabaram fazendo parte da “mitologia do boca a boca” e, não raro, causam longas discussões.
O meu amigo Hugo Bueno, um competente “detetive antigomobilista” de primeira ordem — observador e detalhista por excelência— acabou deslindando alguns destes itens à custa de muita pesquisa, observação e, às vezes, um pouco de sorte. Eu convidei o Hugo para colocar aqui na coluna “Falando de Fusca” algumas de suas importantes descobertas, e vamos começar com o “Fusca Série Bravo”.
Uma questão que estava em aberto por muito tempo era descobrir por que o Fuscão 1500 lançado na linha VW 1973 – registrado como “Opção 1” (mais barato) na lista de preços da Volkswagen, também conhecido como “Standard”, acabou sendo conhecido por “Fusca Série Bravo”. Está na segunda linha, depois do VW 1300 e tinha o valor de Cr$ 16.385,00 da época.
A pesquisa passou por várias matérias em revistas especializadas sobre esse modelo, folders de lançamento da época, matérias de jornal que falavam sobre o lançamento da linha VW 1973, mas em lugar algum havia qualquer referência ao termo “Bravo” ou “Série Bravo”.
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Veja o importante catálogo chamado simplesmente Fusca 1300 – Fusca 1500:
Uma leitura atenta deste catálogo, em especial de sua segunda página, na parte intitulada “Fuscão: o carro para um país onde mais de metade da população é jovem”, em seu último parágrafo encontramos a frase: “E para facilitar mais ainda a sua escolha, existem duas opções de preço, para que ninguém — mesmo da outra metade da população — deixe de sentir a emoção de pisar no acelerado de um Fuscão.” É neste aspecto que o “Fusca Série Bravo” se encontrava, mas ainda de modo oculto.
Já ocorreram discussões anteriores, em grupos, sobre a utilização do nome correto de versões especiais produzidas pela VW. TL Personalizado, VW 1500 Opção 1, Variant e TL Opção 1…
O certo é que parece que a própria Volkswagen não batizava formalmente suas séries diferenciadas. Apenas o fazia em comercias e propagandas da época do lançamento dos produtos, informações estas que acabaram se perdendo no tempo. Mas se a Volkswagen não formalizou um nome para essas versões especiais, o mercado o fez surgindo as denominações: TL Sport, Fuscão Standard ou Fusca Série Bravo, Variant e TL Standard.
No anúncio de lançamento da linha VW 1973 é exibida uma paleta de carros e dentre eles podemos ver três Fuscas, um azul Niágara, um ocre Marajó e um terceiro amarelo Texas. No detalhe dos Fuscas, podemos ver que o azul parece um 1300, porém suas calotas são do 1500.
Eis aí o Fuscão mais barato! Impressionante que o texto da propaganda não faz qualquer referência ao nome desta versão, falando apenas em “dois Fuscões”. O termo “Opção 1” foi utilizado na tabela de preços divulgada pela Volkswagen na época, cuja reprodução vimos acima.
A revista Quatro Rodas, por sua vez, publicou em dezembro de 1972, fotos de frente e traseira do mesmo VW 1500 azul Niágara no estande da Volkswagen no VIII Salão do Automóvel de São Paulo.
Pela placa podemos ver que a VW considerava este modelo um “VW 1500” e a própria matéria o chama de “Fuscão Standard”. Então por que “Fusca Série Bravo”? Aprofundando a pesquisa em propagandas antigas, finalmente foi encontrada o que parece ser uma explicação para esse “mistério”!
Em janeiro de 1973, a VW lançou uma propaganda, publicada também no jornal O Globo, onde aparecia a dianteira de dois Fuscas com duas fotos cada uma com seu texto, como segue: o da esquerda – “Contentando milhares de pessoas, fizemos um Fusca mais bravo”; e o da direita – “Contentando outros milhares de pessoas, conservamos o Fusca como ele é.” Além da citação a “bravo” no título, no texto esta palavra aparece cinco vezes como na frase “O Fusca bravo é bravo por dentro”, que induz claramente ao nome da série e isto acabou pegando junto ao público.
Na verdade, devemos observar que a Volkswagen usou o termo “bravo” como um simples adjetivo ao Fusca equipado com um motor mais potente e não como nome próprio! Mas, como já dissemos, se a VW não formalizou este nome, o mercado o fez e acabou surgindo o: “Fusca Série Bravo” (com letra maiúscula)! Mas afinal, esse modelo foi considerado pela VW como um Fuscão com o corpo de Fusca ou como um Fusca com a alma de um Fuscão? Nesse caso parece que a Volkswagen agiu como a Tostines e seu eterno enigma: “vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais? ”
Em janeiro de 1973 a tabela de preços de Quatro Rodas incluiu as versões básicas do VW 1500, da Variant e do TL. A tabela de preços da revista de agosto de 1973 foi a última que contemplou as versões básicas do Fusca 1500 e do TL; a última que contemplou a Variant básica foi a de abril de 1973.
Neste ponto vamos fazer uma comparação por fotos entre os modelos contemporâneos VW 1300, VW 1500 Fuscão e o VW 1500 “Standard” (um eufemismo da Volkswagen para modelos mais baratos) – a saber o “Fusca Série Bravo”. Por acaso os três modelos que veremos são todos da mesma cor: verde Hippie.
Iniciamos com as fotos do VW 1300:
Passamos ao VW 1500 Fuscão:
Então vamos ao “Fusca Série Bravo”. Apesar do “nome de batismo”, VW 1500 Standard, o acabamento interior do Fusca Série Bravo era bem diferente do VW 1500, chamado comumente de Fuscão. A moldura dos instrumentos e o aro da buzina eram pintados de prata Opalescente ao invés de cromados, o painel era pintado na cor do carro ao invés de possuir o acabamento imitando jacarandá, e os painéis de porta e os bancos eram mais simples, diferente dos bancos com costura em gomos, típico do Fuscão. Resumindo, seu interior era idêntico ao do Fusca 1300, o que pode ter levado à crise de identidade: Fuscão Standard ou Fusca Bravo?
Mesmo sendo considerado um modelo Standard, havia a opção de escolha da cor do interior combinando com a cor externa. Como exemplo, temos esse “Fusca Série Bravo” cuja cor, verde Hippie, código L-1313, combinava com o interior de tonalidade Areia, conforme evidenciado na última página do folder de lançamento da linha Fusca 1973.
Outra característica interessante é que o “Fusca Série Bravo”, mesmo sendo considerado um Fuscão Standard, vinha com frisos emoldurando todos os vidros, diferente da Variant Standard e do TL Standard, que não possuíam este tipo de acabamento. Esse é mais um fator que serve para confundir a cabeça dos aficionados, pois está claro que a VW não seguiu o mesmo padrão para seus modelos considerados Standard.
Externamente, o “Fusca Série Bravo” era uma mistura: tampa do motor com aberturas para ventilação, bitola larga, rodas e calotas tal como no Fuscão, porém, lanternas, capas do pisca-pisca dianteiro na cor do carro e tampa do capô dianteiro sem o friso de acabamento tal como no Fusca 1300.
Vendo o carro de trás se observa a tampa do motor, a bitola larga, rodas e calotas do Fuscão. Já as lanternas traseiras, eram bicolores e ovais como do VW 1300, não possuindo a luz de ré, como a do Fuscão — que a cultura popular apelidou de “Pata de Cavalo.
O reservatório do fluido de freio, assim como no Fuscão, ficava na lateral esquerda do porta-malas dianteiro, diferente do Fusca 1300 onde ficava posicionado ao lado do recipiente de água de lavagem dos vidros.
Chegamos ao fim desta primeira matéria que abre esta parceria com o Hugo Bueno. Teremos mais capítulos reveladores nesta Mitologia Volkswagen causada pela aparente falta de consistência na definição dos detalhes dos veículos fabricados pela Volkswagen. Hoje em dia estes detalhes só podem ser revelados através de “arqueologia automobilística”, mas certamente seus resultados, algumas vezes surpreendentes, serão do interesse de muitos de nossos leitores. Ficam aqui os parabéns ao Hugo e os agradecimentos pela parceria.
AG