Bateria arriada se resolvia ladeira abaixo, no tranco. Hoje, a antiga prática fulmina o catalisador…
O automóvel tornou-se mais seguro, eficiente e prazeroso desde que assumido pela eletrônica. Mas toda mudança tem prós e contras. A evolução foi positiva no frigir dos ovos, mas a eletrônica derrapa em algumas curvas. Seu lado positivo, por exemplo, foi a central eletrônica ter eliminado distribuidor e carburador, fonte de problemas e carros parados no acostamento. Negativo? Dava-se um jeitinho no platinado queimado com uma simples lixa de unha. Hoje, só com um celular para chamar o socorro e levar o carro para o diagnóstico de um computador.
Motorista saía correndo do apartamento, de manhã, para o trabalho. Ao chegar na garagem percebia ter esquecido a chave do carro. Gritava então para a mulher “Joga a chave, coração!” e ia embora para o escritório. Hoje, se a chave cair de mau jeito no chão, o chip se desconfigura e só buscando a de reserva…
Na oficina, empurroterapia não era impossível, porém mais complicada, pois não havia bicos injetores, TBI nem sonda lambda para se “limpar preventivamente”.
Um prosaico chip de R$ 300 opera milagres na central eletrônica: converte em flex o motor a gasolina, aumenta em 50% o haras sob o capô e outras intervenções do gênero. Mas milagre não existe: os resultados são geralmente duvidosos e certamente reprovados na primeira vistoria para aferir nível de emissões…
Bateria arriada ou motor afogado se resolvia ladeira abaixo ou com três musculosos circunstantes bem articulados na traseira para o motorista desfechar o “tranco” no motor (foto de abertura). Hoje, nem pensar: o primeiro a chiar é o catalisador encharcado e inutilizado simultaneamente com a manobra…
Lavar o motor com água pressurizada poderia ter, como grave inconveniente, o motor que se recusava a funcionar com o distribuidor molhado internamente. Nada que não se resolvesse com um jato de ar ou paninho seco. Hoje, adeus central eletrônica…
Candidato a compra do usadinho joia (hoje virou “seminovo”…) saía para o test-drive com o vendedor da loja ao lado. Se o pedal do freio trepidasse ao ser acionado, estava evidenciada a deformação de discos e/ou tambores. Hoje, o pedal trepidante é explicado pelo vendedor como “característica” do sistema ABS. Mesmo que o carro nem ABS tenha…
Chave de ignição agora fica no bolso, pois basta acionar um comando no painel ou console para se ligar o motor, novidade no rol das maravilhas eletrônicas. Mas também no rol das encrencas: o marido volta do escritório à noite mas, antes de sair do carro, chega a mulher apressada para tomar seu lugar ao volante e dar um pulo ao supermercado para uma compra de emergência. O marido entra em casa e recebe uma ligação meia hora depois. Ela só percebeu ter saído sem a chave (ainda no bolso do maridão) ao retornar com as compras para o carro. E lá foi ele — de uber ou bicicleta — socorrer a mulher.
Mas, nenhum destes probleminhas de ordem prática e desencontros do dia a dia arrepia tanto os executivos da indústria automobilística como as últimas intervenções de bandidos nos carros computadorizados e conectados ao mundo. Munidos de hardwares e softwares, são capazes de interferir remotamente nos comandos do automóvel. Paralisando-o, por exemplo. Ou entram no carro estacionado, conectam elétrica ou magneticamente seus próprios equipamentos no circuito e o levam embora em segundos. E, quanto mais os engenheiros aperfeiçoam seus sistemas de proteção, mais refinada a operação dos hackers.
No passado, era fácil o amigo do alheio levar seu carro com uma chave falsa. Mas risco zero de ser surpreendido e assaltado em plena estrada com o motor desativado remotamente por uma sofisticada quadrilha…
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de total responsabilidade do seu autor e não reflete necessariamente a opinião do AUTOentusiastas.