O objetivo desta matéria, que tem a prestimosa colaboração de Hugo Bueno, não é contar a história do desenvolvimento da Kombi por aqui. A intenção é concentrar-se somente na primeira versão da segunda geração deste popular utilitário que inicialmente teve o modelo topo de linha batizado na Europa de Clipper pela Volkswagen alemã, como o exemplar da imagem de abertura desta matéria. Este trabalho é dividido em três partes e vamos mostrar o que este modelo, lançado na Alemanha em meados de 1967, já como modelo 1968 e produzido até 1979, trouxe de novidades em relação à primeira geração.
Vamos nos ater até o ano-modelo 1975/1976, quando a Kombi mudou por aqui. Daí viajaremos direto para o Brasil, mostrando as primeiras aparições na imprensa brasileira, destacando a expectativa que o mercado depositava na Kombi Clipper nacional, assim como seu longo processo de gestação. Passaremos pela apresentação do modelo brasileiro em outubro de 1975, já como linha 1976, destacando as principais diferenças em relação ao modelo alemão e as características de originalidade deste modelo adaptado para o mercado brasileiro. A Kombi Clipper brasileira, que permaneceu em produção por 21 anos, ainda hoje vive à sombra da primeira geração, aquela com para-brisa bipartido, praticamente esquecida entre os aficionados por esses modelos Volkswagen.
Sucesso de vendas no mundo desde seu lançamento em 1950, com o passar do tempo a Kombi já demonstrava algum sinal de “cansaço” em seu visual. Em 1960, a área de desenvolvimento da Volkswagen na Alemanha iniciou o projeto EA114 (Entwicklungsauftrag Nr 114 – em tradução livre, Ordem de Desenvolvimento nº 114), cujo objetivo era desenvolver uma nova geração para a Kombi.
Iniciado, o projeto atingiu rapidamente o estágio de protótipo. Entretanto, a avaliação do presidente-executivo Heinrich “Heinz” Nordhoff, responsável também pelo desenvolvimento da primeira geração da Kombi, era de que o modelo em produção teria ainda algum fôlego pela frente. Diante disso, solicitou nesse mesmo ano que o projeto EA114 fosse suspenso temporariamente, só retornado à pauta no final de 1964 com meta planejada para lançamento em três anos, o que acabou ocorrendo em agosto de 1967, já como modelo 1968.
Com o lançamento do novo modelo, conhecido como T2, onde “T” significa Transporter, como a Kombi era também conhecida, e “2” significando a segunda geração, veio também a mudança de nome para as versões topo de linha. Até então conhecidas como Micro Bus para o modelo Standard de passageiros e Micro Bus de Luxe, para o modelo mais luxuoso, passou a ser chamada Clipper para modelo Standard e Clipper L, para o modelo de Luxo.
Saiba-se que a denominação interna da Volkswagen, em especial na Alemanha, para o Fusca é Tipo 1 e Kombi, é Tipo 2. No caso da Kombi há a subdenominação T, que vai de T1 a T6. Porém a Kombi permaneceu como Tipo 2 somente até à Kombi T3, a última de motor traseiro.
Veja o folder de lançamento da Kombi Clipper alemã:
Cabe ressaltar que para o mercado americano a Volkswagen manteve a denominação do seu topo de linha como “De Luxe Station Wagon”.
Mas a Volkswagen não pôde usar o nome “Clipper” por muito tempo, pois a empresa aérea americana Pan American World Airways “lembrou” à Volkswagen que o nome “Clipper” era utilizado por ela como marca registrada, em especial no nome de seus aviões. Após muita discussão e sob a ameaça de processo em função da utilização deste nome, a Volkswagen capitulou, voltando a utilizar a nomenclatura original “Micro Bus” e “Micro Bus de Luxe” na sua Kombi de nova geração.
Clipper era uma categoria de navios cargueiros a vela do século 19 muito rápidos. O pico de sua utilização começou em 1843 e se estendeu até 1869, quando o Canal de Suez, ligando o Mar Vermelho ao Mar Mediterrâneo, foi inaugurado. Eram barcos muito bonitos que marcaram época e cujo nome foi e continua a ser repetidamente usado quando o assunto é transporte. Eram barcos geralmente estreitos para o seu comprimento e tinham uma capacidade de carga limitada, considerada pequena para os padrões daquela época.Tinham uma área de velame total muito grande, o que lhes proporcionava grande velocidade. Eram barcos geralmente construídos por estaleiros ingleses ou americanos, mas há registros de construção de barcos desta categoria até no Brasil! Clippers velejaram por todos os mares, em especial entre a Inglaterra e suas colônias, mas também faziam a rota maluca entre Nova York e São Francisco através do Cabo Horn durante a febre do ouro, bordejando as três Américas!!!
Que nome especialmente significativo foi escolhido para esta Kombi!!!
Mas muito antes disto a Pan American World Airways (Pan Am), fundada em 1927, passou a usar o nome Clipper para seus aviões, como nos hidroaviões gigantes fabricados pela Boeing, cuja operação em rotas no Pacífico e no Atlântico começou em 1931. Aliás, o nome Clipper era sua marca registrada.
Por tradição, a Pan American continuou a usar o nome Clipper em seus aviões, como neste Boeing 747 abaixo, até à sua falência, que foi declarada em 8 de janeiro de 1991.
As fotos de divulgação da primeira geração do modelo luxo para o mercado americano, de setembro de 1967, destacavam as principais características da segunda geração da Kombi, a T2, já como modelo 1968: cantos arredondados, para-brisa envolvente, janelas panorâmicas, porta lateral deslizante, painel acolchoado que aumentava a segurança, espaço ampliado para pés e pernas nos bancos dianteiros, um novo sistema de ventilação interna e novos apoios para os braços.
Esta sequência de fotos mostra as profundas mudanças, internas e externas, do novo modelo em relação à primeira geração da Kombi, a T1. Visualmente, somente rodas, calotas e lanternas traseiras foram aproveitadas.
Não havia dúvida que a segunda geração da Kombi era uma evolução do modelo original. Mais atualizado tecnicamente, com um novo motor mais potente de 1.600 cm³, e maior estabilidade, trazia ainda uma aparência mais atraente, proporcionando um melhor espaço interno e mais conforto para o motorista.
Mesmo com essas inovações, mantinha a mesma qualidade de manufatura, a simplicidade e a robustez da sua antecessora, uma campeã de vendas. Em suma, essa segunda geração ainda podia ser considerada uma “caixa” sobre rodas, imagem que foi muito explorada pela Volkswagen para destacar sua característica para o transporte de pessoas ou de carga. Aliás, isto pode ser visto nas fotos abaixo que mostram que a ideia de caixa foi usada em propagandas já na T1 e depois na T2:
Embora não pudesse ser considerado o item mais importante das melhorias que recebeu, o para-brisa em peça única e envolvente, 27% maior que o anterior, foi a característica mais marcante do novo modelo em relação ao antigo, que possuía vidros retos bipartidos. Os criativos americanos logo deram nome ao novo para-brisa: bay window, alusivo às grandes janelas em forma de arco em salas de estar.
Nas fotos seguintes, em destaque, os três modelos cujas imagens mostram as diversas inovações que vieram com a linha 1968. O modelo azul permaneceu sendo chamado de VW Kombi, modelo básico para transporte de passageiros. O modelo vermelho é o VW Clipper que substituiu o Micro Bus, e o modelo vermelho de teto branco é o VW Clipper L, que substituiu o Micro Bus de Luxe. Como vimos, a designação Clipper durou pouco, voltando o modelo a ser chamado pela designação anterior. É possível perceber que da Kombi antiga, só restaram rodas, calotas e a pequena lanterna traseira, que no modelo novo ganhou a companhia de luzes de ré.
A distância entre eixos permaneceu a mesma, 2.400 mm, porém tanto as bitolas dianteiras quanto traseiras foram alargadas. O novo modelo também ficou maior no comprimento, largura e altura, aumentando a percepção de robustez e melhorando o espaço interno. As portas dianteiras ficaram maiores, com os vidros baixando para abrir ao invés dos corrediços, e a porta lateral passou a ser deslizante de série em vez do antigo modelo basculante.
Primeiro lote de fotos de detalhe das Kombis T2:
A ventilação interna foi melhorada, acabando com o antigo sistema Behr que ficava no teto. Foi instalado um painel para entrada de ar na dianteira, que funcionava também como um recurso de estilo na composição do painel dianteiro. Para arrefecer o motor, as entradas de ar ficaram mais discretas, pois foram transferidas das laterais para as colunas traseiras, deixando o visual lateral mais limpo. O novo painel de instrumentos manteve sua característica espartana, porém incorporou acabamento parcial com plástico protetor acolchoado antirreflexo, além de trazer nova grafia para os instrumentos e incorporar os comandos do novo sistema de ventilação.
Segundo lote de detalhes:
Poucos meses após o lançamento do modelo Clipper, mais precisamente em 12 de abril de 1968, falecia aos 69 anos Heinz Nordhoff, o principal responsável pelo desenvolvimento das duas primeiras gerações da Kombi, causando grande comoção entre os funcionários da Volkswagen, assim como entre a população de Wolfsburg, que formou grandes filas nas ruas da cidade a fim de acompanhar o cortejo fúnebre. Antes disto o corpo foi velado numa das alas da fábrica, onde recebeu as homenagens das dezenas de milhares de funcionários da Volkswagen, e depois passou por suas ruas internas. O esquife foi transportado por uma Kombi Clipper picape, com teto cortado, de acabamento luxuoso, preparada especialmente para a ocasião, que foi seguida por um cortejo de carros pretos. O destino do cortejo foi a Igreja da São Cristóvão na cidade. Fotos deste cortejo fúnebre:
Após algum tempo da T2 no mercado, a Volkswagen percebeu que seu modelo topo de linha, a Clipper L, posteriormente chamada VW Micro Bus de Luxe novamente, perdeu muito o charme do modelo anterior que possuía pintura em duas cores, com o segundo tom pouco acima da linha de cintura, e fazendo um “V” na dianteira. Possuía também várias janelas laterais e pequenas janelas tipo claraboias no teto, junto a um imenso teto solar de lona de correr.
Já no novo modelo o segundo tom de cor restringia-se somente à pintura do teto no limite das calhas, as janelas laterais eram panorâmicas e não possuía mais as pequenas janelas tipo claraboia no teto. O teto solar era menor e de chapa, logo acabava ficando mais difícil distingui-la dos modelos inferiores.
Diante disso, em 1971, a Volkswagen modificou a pintura do seu modelo topo de linha, estendendo o segundo tom de cor até um pouco acima da linha de cintura assim como era no modelo T1. Também foram introduzidos freios a disco nas rodas dianteiras.
E assim, a nova geração T2 seguiu em evolução. Para 1972, ano que marcou o pico da produção total considerando todos os modelos, foram introduzidas algumas modificações, ficando o destaque para as novas lanternas traseiras, maiores e com a luz de ré integrada. Na sequência um folheto mostrando as características desta versão da T2:
As entradas de ar nas colunas traseiras ficaram maiores em função da adoção, como opcional, de um novo motor de 1.700 cm³, assim como a tampa do motor que também ficou maior. Em função da adoção de novos pneus radiais, o formato dos arcos das rodas dianteiras foi modificado. Novas calotas e rodas mais largas já haviam sido introduzidas ao longo de 1971, assim como freios a disco nas rodas dianteiras.
Em 1973, foram introduzidas modificações visando melhorar a segurança. A Kombi ganhou novos para-choques de perfil reto e novos indicadores de direção dianteiros que subiram da parte frontal inferior para as laterais da tomada de ar dianteira, ficando mais visíveis. O emblema “VW” também foi modificado, tendo o diâmetro reduzido. Foi também disponibilizada a opção de transmissão automática.
A redução de diâmetro do emblema “VW” gerou polêmica na época. Será que a Kombi começava a perder sua imponência, já que tal emblema de maior diâmetro era uma “marca registrada” desde seu lançamento em 1950? Esse modelo de dianteira acompanhou a Kombi até a chegada da terceira geração na Alemanha, a T3.
O folder de janeiro de 1975 mostra todas as características das opções para aquele ano, que incluiu um motor de 1.800 cm³ acoplado a um câmbio automático. Nesse mesmo ano, porém, em outubro, era lançada a Kombi Clipper fabricada no Brasil. O que será que elas teriam em comum? Veja no folder da linha 1975 da T2 editada em janeiro deste ano:
Em fevereiro de 1968, poucos meses após o lançamento da segunda geração, a produção da Kombi alcançou a marca de 2.000.000 de veículos produzidos, tendo o presidente Heinz Nordhoff participado da cerimônia comemorativa realizada na fábrica da Volkswagen dois meses antes de sua morte. A segunda geração da Kombi alemã foi reconhecidamente um grande sucesso, pois a marca de 3.000.000 de veículos produzidos foi alcançada apenas três anos e meio após a marca anterior, em setembro de 1971, e a marca de 4.000.000 alcançada em julho de 1975. A demanda pela segunda geração da Kombi era tamanha que a fábrica de Hannover foi apoiada pela fábrica de Emden desde dezembro de 1967, ou seja, quatro meses após o início da produção. Durante o seu primeiro ano completo de produção, 1968, 228.290 Kombis T2 foram produzidas na Alemanha, superando por uma margem considerável o melhor ano de produção da primeira geração, a T1.
Na Parte 2 vamos tratar da Kombi Clipper “Made in Brazil”, e com os dados que vimos nesta primeira parte teremos como comparar e entender o que acabou sendo feito por aqui. Entenderemos a razão do curioso nome “T1,5” usado internamente na Volkswagen brasileira.
AG