Nos últimos anos, a Alfa Romeo caiu um pouco no esquecimento aqui no Brasil com sua saída do nosso mercado anos atrás. Confesso que não venho acompanhando de perto o portfólio dos italianos e tive que pesquisar no site oficial o que eles estão produzindo hoje em dia. Pecado mortal para um entusiasta, concordo, e eu mesmo sou grande fã de Alfas. Mi dispiace, colpa mia.
Entretanto, graças ao advento das redes sociais, recebi um vídeo que me fez criar vergonha na cara e tentar entender que tanto estão se falando de Alfa Romeo novamente, mas em um cenário mundial. Pensei que era mais algum caso comercial, com a relação Fiat-Chrysler, mas não. A resposta foi rápida: Giulia Quadrifoglio, e o nome Alfa Romeo com o título de sedã de produção mais rápido a completar uma volta em Nürburgring.
Foi uma notícia marcante, inegável. No mercado atual, com carros do calibre de BMW M, Audi RS, Mercedes-Benz AMG, ver um Alfa liderando a lista de melhores voltas no Inferno Verde é surpreendente e inspirador. Uma fábrica tão tradicional e com uma bagagem histórica em carros esporte de volta ao topo e brigando de igual para igual com os concorrentes alemães é algo que nos faz acreditar que nem tudo está perdido.
Como eu disse, não acompanhei de perto o desenrolar dos últimos lançamentos da Alfa Romeo, e quando descobri que o Giulia foi criado para ser um produto novo de origem Alfa Romeo, projetado e desenhado quase que inteiramente dentro da própria fábrica, sem aproveitar plataformas americanas da Chrysler, como era de se esperar com a aquisição comercial, foi um alívio. Ver o layout do motor longitudinal com tração traseira, uma alegria. Era algo que pouco se imaginava que poderia acontecer, com base nos últimos modelos de sedãs da marca.
O novo Giulia foi um dos lançamentos mais felizes dos últimos anos que eu me recordo , e não falando apenas de Alfa Romeo. É um carro para um segmento de mercado que é forte no mundo todo, onde a Alfa já teve grandes representantes. Resgatar o nome Giulia, ao meu ver, foi uma grande sacada. Este nome marcou um dos grandes automóveis da Alfa Romeo nos anos 1960 e 1970, exatamente com um sedã médio, motor dianteiro e tração traseira. No passado, o modelo Giulia teve diversas versões, algumas mais apimentadas que outras e também usado em competições, inclusive no Brasil, com a equipe Jolly-Gancia de Piero Gancia e Emilio Zambello.
A Alfa Romeo estava precisando de um carro que trouxesse de volta o respeito e reconhecimento que um dia teve. Curiosamente, mesmo com modelos não muito bons tecnicamente falando, é muito difícil encontrar um entusiasta que não goste de um Alfa Romeo. É algo diferenciado, fora do comum, quase que espiritual.
Os últimos sedãs da marca não tinham o apelo dos Alfas do passado. Existiram algumas versões interessantes lançadas como a série esportiva GTA, mas no geral, eram limitados a apenas bons carros, mas nada de mais se olharmos apenas números e fichas técnicas. A tração traseira já estava extinta, o que não necessariamente significa que os carros eram ruins de guiar, pois mesmo nas pistas os Alfas de tração dianteira eram competitivos e brigavam de igual para igual com os BMW de tração traseira.
Desde o modelo 155 dos anos 1990, passando pelas suas evoluções, do 156 ao 159, bem como os modelos maiores 164 e 166, os Alfas tinham seus problemas de acabamento e qualidade, mas é inegável que eram carismáticos, e quem os dirigia adorava, mesmo que alguns estivessem passando bom tempo apenas apreciando suas belas linhas de carroceria, enquanto esperavam o mecânico ou o guincho do resgate por alguma pane elétrica…
O interessante é justamente que, mesmo com altos e baixos, a Alfa Romeo nunca deixou de ser adorada pelos entusiastas. É algo maior, mais importante que os carros em produção. É uma paixão, mais pura e verdadeira que a paixão que se ouve falar por aí sobre Ferrari, que normalmente não passa de modismo. Quem gosta de Alfa, realmente gosta de Alfa, e o Giulia moderno veio para agraciar estes alfisti, e mostrar que a Alfa Romeo ainda sabe muito bem como fazer um excelente automóvel.
Tanto o design como chassi do Giulia foram desenvolvidos na sua maior parte pela própria Alfa, para que o comportamento do carro e o visual fossem exatamente como os italianos esperam de um verdadeiro Alfa Romeo. Os traços da dianteira, como a grade central com o emblema, remetem aos modelos Giulia do passado. O painel de instrumentos, clássico Alfa Romeo, com dois grandes conjuntos de instrumentos, passam as informações necessárias em destaque.
O plano inicial era utilizar uma plataforma compartilhada com a Chrysler, mas não encontraram nada que fosse como o esperado e permitisse a criação de carro com o comportamento desejado, então partiram para o projeto próprio, tudo para que o carro saísse como foi solicitado. A dinâmica do carro tinha que ser certa, precisa, digna de um Alfa Romeo puro-sangue.
No caso da versão Quadrifoglio, a Alfa ainda foi além. Suspensão independente na frente e atrás com regulagem eletrônica de amortecedores e outros recursos ajudam a controlar o comportamento do carro, calibrações diferentes de chassi para que o desempenho fosse comparável aos rivais alemães, dominantes no segmento. Todos os jornalistas de renome do mundo que andaram no Giulia Quadrifoglio que pesquisei gostaram, foi unânime.
O motor usado no carro é um V-6 2,9-litros biturbo com injeção direta, 512 cv a 6.500 rpm (corte a 7.000 rpm) com torque de 61,2 m·kgf de 2.500 a 5.500 rpm, o mais potente motor já feito pela Alfa Romeo para um carro de produção. A origem do projeto deste motor vem da irmã maior, a Ferrari, derivado do V-8 atual do modelo California T e 488 GTB. A parte de calibração final do motor foi feito pela Alfa Romeo, para casar com o comportamento do conjunto todo do veículo. Existem duas versões de câmbio, um manual de seis marchas e um automático de oito. O recorde (7min32s) foi feito com o automática, que foi sete segundos mais rápida que a versão manual. Os tempos realmente mudaram…
Vendo o vídeo do começo desta matéria, a pureza do carro é transmitida até nos mínimos detalhes. O som do motor, a velocidade de troca de marchas, o equilíbrio nas curvas mesmo com os mais bruscos movimentos e elas sendo atacadas com vontade, o carro permanece estável, comportado. Até mesmo o piloto, que é um especialista da fábrica, pilota o carro como um entusiasta, apenas de capacete, sem nada de barras de proteção, macacão, HANS, nada disso. É na unha, só faltaram as luvinhas de couro.
É nítido que muito se investiu para fazer um carro rápido — 0 a 100 km/h em 3,9 segundos e velocidade máxima de 307 km/h — , e hoje em dia não basta se ter um carro rápido. Tem que ser também confortável, prático, gastar pouco combustível, ser bonito, ter preço competitivo, ter um bom sistema de entretenimento, ar-condicionado etc. Carros rápidos para uma pista muitos conseguem fazer, o difícil é fazer um que seja equilibrado em todos os demais quesitos, e pelos comentários de quem andou, o Giulia é equilibrado.
O Giulia é um verdadeiro carro de entusiasta, um verdadeiro Alfa Romeo, de volta às origens da fábrica. Problemas são inevitáveis, um ou outro acabam aparecendo, afinal é um Alfa Romeo, mas o que os italianos fizeram é um feito raro nos dias de hoje. A direção da empresa conseguiu reverter um cenário de muitos anos onde o nome Alfa Romeo era tido como uma versão melhorada e mais cara de baratos Fiats. A Alfa conseguiu voltar a fabricar um verdadeiro carro entusiasta, adotando uma nova plataforma de motor dianteiro e tração traseira que há anos não era usada e muito pouco considerada a ser recriada até então.
Não foi ao acaso, é claro, que se gastou tanto para criar um novo carro, diferente de todo o portfólio de produtos da marca. A Alfa tem um plano de revitalização da marca para lançar novos modelos ao longo dos próximos anos, alguns com a mesma base do Giulia. Tanto o logo como o slogan da marca mudaram juntos com o lançamento do Giulia para mostrar que as coisas estão mudando na empresa. La meccanica delle emozioni, ou “a mecânica das emoções”, agora é o que se vê associado ao nome Alfa Romeo.
Acho interessante ver que nos dias atuais, com tanta preocupação com economia de combustível, com emissões de poluentes, em ser politicamente correto e amigável ao meio ambiente, ainda são feitos carros como o Giulia, potentes e baseados nos antigos conceitos de como um carro deste porte e propósito deve ser. Pensei que estávamos fadados a não mais ver carros de produção “comum” com tamanho desempenho, que isto iria se restringir apenas aos esportivos puros, e mesmo assim com sistemas híbridos de propulsão. Ainda bem que eu estava enganado.
O mundo automobilístico atual precisa de mais Giulias, mais carros que tragam de volta a esperança de se produzir automóveis que sejam dignos dos nomes que carregam, e que estampem sorrisos nos rostos de seus usuários. Espero que em breve possamos ver este Giulia no Brasil, trazendo de volta o nome Alfa Romeo.
MB