Dando continuidade à Parte 1 desta matéria sobre a megacoleção de Fuscas da Bulgária, os dois parceiros Bojidar Shebov e Angel Petrov iniciaram esta gigantesca coleção no ano de 2002 ao alugarem um galpão em Sófia, capital da Bulgária, perto da Estação de Tratamento de Água — a qual chamaremos de Área 1. Eles construíram novos armazéns perto do existente.
Os carros, estacionados ao ar livre e que podem ser vistos na foto, agora estão armazenados na Área 3, descrita adiante. A Área 1 é dedicada ao armazenamento de alguns carros de coleção e para realizar algumas atividades do hobby, pois eles também colocam mãos à obra em restaurações de seus próprios carros da coleção.
Depois de um tempo Angel deu a ideia de restaurar alguns carros para serem vendidos, a fim de arrecadar fundos para cobrir os custos operacionais da coleção. Mas para isso a Área 1 logo se tornou pequena e eles alugaram quatro galpões nas antigas instalações da Cruz Vermelha Búlgara — que vamos chamar de Área 2, localizada a 3,4 quilômetros da Área 1. Na foto abaixo podemos ver os quatro galpões devidamente identificados. O galpão A é a área onde a soldagem e a pintura são feitas; o galpão B é onde o acabamento é feito, e onde fica o escritório de Bojidar; é um galpão de dois andares no qual eles ocupam o térreo. O galpão C é onde os carros acabados e semiacabados são armazenados. e recentemente a metade de outro dos galpões da área foi alugada e preparada para ser usada, é galpão D na foto. A foto abaixo mostra a Área 2 como era quando foi alugada, hoje em dia o galpão A recebeu um novo teto feito de aço e pintado em cinza:
Algumas fotos tiradas dentro do galpão A, onde a restauração começa com a funilaria e a pintura:
Agora alguns exemplos do trabalho que é feito no galpão B onde os carros são acabados:
O galpão C, onde são guardados preferencialmente os carros prontos:
O galpão D do empreendimento de Bojidar e Angel ocupa metade da área disponível do galpão total e foi recentemente alugado e, portanto, ainda não estava muito ocupado no momento em que este artigo foi escrito:
Perto dos galpões da Área 2 há algumas áreas usadas como estacionamento ao ar livre, que são necessárias devido à grande quantidade de carros também nessa área, como mostram as fotos abaixo:
A foto da abertura destra matéria mostra o estacionamento ao ar livre perto do galpão B e foi tirada no dia 6 de janeiro de 2017, em pleno inverno. Apenas para comparar esta cena nevada com a mesma área no verão. Veja esta foto:
Mas logo ficou claro que um lugar de estacionamento mais protegido para os carros por restaurar era necessário e eles encontraram uma grande área perto da Estação Yana, a cerca de 24 quilômetros de distância da Área 2 onde ficavam galpões de uma empresa de móveis — trata-se da Área 3. A foto de abertura da Parte 1 mostrou o interior deste enorme galpão com cerca de 120 metros de comprimento. Trata-se de uma área industrial com muitos galpões, e a Área 3 é o galpão mais curto dos dois no centro da foto, o que está no lado direito, como indicado com “Área 3” na foto:
Uma vez que estas dimensões gigantescas relativas a uma coleção de veículos Volkswagen são completamente incomuns, muitos leitores comentaram nas redes sociais que a foto de abertura da Parte 1 foi uma montagem com miniaturas, o que naturalmente não é verdade. Outra pessoa comentou que nenhum carro da foto parecia estar em boas condições, e isso é fato, uma vez que esta área é o estacionamento de carros à espera de restauração. Abaixo, outra foto do interior da Área 3:
A coleção inclui também alguns outros veículos Volkswagen, como este grupo de Karmann-Ghias, temporariamente armazenados na Área 3:
Falando de Karmann-Ghia, aqui vai um exemplo de um modelo 1958 no estilo Lowlight, restaurado por Bodijar para um cliente alemão:
Agora sabemos quais são as três áreas usadas para esta empreitada enorme e vamos continuar com a história iniciando com alguns exemplos da coleção particular de Bojidar, começando com os carros brasileiros que ele possui.
Fuscas brasileiros na coleção de Bojidar
Perguntei ao Bojidar quantos Fuscas brasileiros havia na sua coleção e o que o havia levado a se interessar por eles. Ele respondeu que tem dois Fuscas em sua coleção particular, um 1986 vermelho e um Itamar Série Ouro 1996 prata; mas que havia mais dois Fuscas brasileiros brancos com eles, um 1985 e um 1981, o último a chegar.
Um detalhe da recuperação deste carro, Bojidar com o seu motor durante os trabalhos de restauração:
Agora o xodó, o Fusca Série Ouro:
Sobre o que o levou a se interessar por carros brasileiros, ele disse: “A principal razão que me levou a tentar ter carros brasileiros é porque eles são muito diferentes dos europeus e mexicanos. Os brasileiros possuem detalhes mais finos e sofisticados, e eu realmente gosto de sua aparência. E eu também tenho que dizer que fiquei bastante impressionado… quando o Brasil começou a produzi-los novamente. Isso foi incrível.” Adiante ele falou sobre os detalhes que o impressionaram, a saber: o painel interessante, os bancos, o volante, os painéis das portas e detalhes exteriores.
Agora mais um dos brasileiros foi parar lá na Bulgária, um Fusca 1985:
Quase que um outro Fusca brasileiro foi parar na coleção; apesar das tentativas de comprá-lo não houve acordo com o vendedor.
Outros carros da coleção particular de Bojidar
Mais alguns exemplos dos carros do Bojidar. Aqui também se aplica a máxima “casa de ferreiro espeto de pau”, pois vários carros da coleção ainda estão na fila de espera para serem restaurados. E ele gosta de fazer a restauração de seus carros, esta é a parte hobby deste empreendimento.
O Bojidar gosta muito de carros veteranos e tem um 1950 Split Window que está na fila de espera para ser restaurado.
Outro item desta coleção é o 1200 ano 1959, versão de luxo. Na foto se pode-se ver carros estacionados no inverno, cobertos por neve:
Vamos voltar a falar do primeiro carro que Bojidar comprou, o VW 1300 Export 1966, que já apareceu na Parte 1 desta matéria:
Olhando as fotos da Parte 1 dava para ver que este Fusca está mexido e eu perguntei ao Bojidar o que é que foi feito neste caso. Ele informou que a tampa traseira foi trocada por uma de um conversível do ano, com venezianas. Foram colocados freios a disco e rodas BRM. Um motor NOS (New Old Stock — peça nova, mas de estoque antigo) foi equipado com dupla carburação. O carro foi restaurado com 90% de componentes NOS; mas ele tem o motor original, que está em perfeitas condições de uso, guardado. Isto também é o caso dos freios originais que também estão guardados. O interior e o exterior do carro são 100% originais e a cor é de catálogo: vermelho Rubi L456.
O carro seguinte é um lindíssimo Super Beetle 1979 conversível, cuidadosamente restaurado:
Esperando pela restauração um Fusca alemão 1978 standard, dos últimos a serem fabricados na fábrica de Emden, na Alemanha, na Baixa Saxônia, na margem direita da foz do Rio Ems com o Mar do Norte, favorecendo o transporte marítimo de carros prontos:
A coleção também tem Vochos mexicanos, como este 1600i ano 1996. Este carro já possui injeção de combustível, item ditado pelas normas ambientais mexicanas da época:
Uma edição especial para a Áustria — o Weltmeister — carro feito para comemorar a quebra do recorde que pertenceu por anos ao Ford Modelo T. Detalhes sobre esta série podem ser vistos na Parte 2 da matéria sobre o Super Beetle. Bojidar tem um que está sendo reformado:
Outro carro de uma série especial: um “La Grande Bug”, cujos detalhes podem ser vistos na Parte 3 da matéria sobre o Super Beetle, faz parte da coleção e espera a sua vez de retornar ao seu glamour inicial:
Também série especial e o Jeans III 1975 – com motor 1200, um carro no qual só os espelhos retrovisores eram cromados, o resto tinha um acabamento em preto. O de Bojidar também espera por sua vez de ser restaurado.
Para comemorar o vigésimo milionésimo Fusca fabricado no mundo, que acabou saindo da linha de montagem no México no dia 15 de maio de 1981, foi feita a série especial: Silver Bug, que tinha motor 1200 e foi exportado para a Europa também. Um destes exemplares está na coleção de Bojidar:
Confirmando a tendência alemã de optar pela economia, várias séries de Vochos produzidas para a Alemanha tinham motor 1200, e as séries especiais, como de praxe, recebiam alguns mimos especiais. Este foi o caso da série “Aubergine”, ou seja, berinjela, que vinha na cor berinjela metálico, código LG4U. Como mimo, vinha com um rádio “Braunschweig”, tinha calotas cromadas e aros pintados na cor do carro, interior monocromático e apoio de cabeça nos bancos dianteiros. Bojidar se encantou com esta série e acabou arranjando três exemplares, todos de 1983:
Mais um exemplar de uma série especial, outra edição do Jeans Bug, agora do ano 1982, também com motor 1200. Esta série tinha duas opções de cor, vermelho Marte, código L90E, e branco Alpino, código LA3A — que é a cor do exemplar de Bojidar. Nesta série até o espelho retrovisor tem acabamento preto.
Uma série especial desenhada pela famosa designer da Volkswagen, Gunhild Liljequist (que eu encontrei em Bad Camberg em 2015) — o “Samtrote Sonderkäfer”, o série especial vermelho veludo, cor de código LG3C, que se destaca pelo desenho floral nas laterais traseiras, completando a faixa lateral horizontal. Estofamento vermelho e azul com detalhes azuis em vinil, painéis laterais azuis. A motorização é 1200 e o ano do exemplar de Bojidar é 1984:
Terminando esta amostragem, vamos ao carro “mais jovem” da coleção de Bojidar: um Vocho 1600i ano 1997, um carro que é usado em viagens mais longas:
Exemplo da coleção particular de Angel Petrov
Este Split Window 1946 é uma raridade que está sendo restaurada por Bojidar para seu amigo e sócio Angel. Esta restauração é realmente incrível:
Viajando a bordo de um VW Veterano pela Europa
Bojidar curte seus antigos em viagens para participar de eventos. Inclusive para a Alemanha, distante 2.700 quilômetros.
Em junho de 2013 ocorreu o famoso evento de Volkswagens Veteranos de Hessisch-Oldendorf, e Bojidar deu uma esticada até lá onde recebeu o troféu do carro que veio rodando de mais longe. Este troféu foi feito na forma de um quadro com uma plaqueta explicativa:
Em Hessish Oldendorf, ao contrário do que ocorre em outros eventos, os carros ficam parados pelas ruas do centro da cidade, e as pessoas podem admirá-los de bem perto. E o carro de Bojidar chamou muita atenção:
Na sequência ele foi até Wolfsburg. Ele é sócio do 1. Käfer Club Wolfsburg e.V. – Primeiro Clube de Fuscas de Wolfsburg — e costuma participar de seus eventos, como foi o caso do aniversário de 75 anos da cidade, comemorado em junho de 2013, no qual ele compareceu com o Zwitter 1952 (carro intermediário entre os Split Windows e os Ovais — ainda tem a vigia traseira Split Window, mas o painel já é do oval com um só porta-luvas e o velocímetro alinhado com a coluna de direção), que é citado na Parte 1 como exemplo de restauração. Algumas fotos da participação neste evento:
No evento do de 2009 deste clube, Bojidar e Angel tiveram a oportunidade de dar uma navegada a bordo de um Schwimmwagen pelo Mittelkanal (veja boxe logo adiante), que passa na frente da fábrica de Wolfsburg:
O Mittelkanal e localização da Fábrica de Wolfsburg:
A escolha do local para a construção da Fábrica da Volkswagen seguiu critérios técnicos e estratégicos. O aspecto estratégico foi estar próximo ao centro geográfico da Alemanha de então, bem como a proximidade de cidades grandes, no caso foram Braunschweig e a cidade industrial de Salzgitter.
Já os critérios técnicos preconizavam a acessibilidade por vários modais e no caso da área escolhida este modais eram:
-Hidrovia através do Mittelkanal
-Rodovia na época “Reichsautobahn” de Berlim a Hannover, hoje a A2
-Ferrovia linha principal Berlim–Ruhr
O Mittelkanal é a via fluvial artificial mais longa da Alemanha, com 325,3 km de extensão, e ele permite o transporte de matéria-prima para a fábrica, como o aço, e carvão para a usina conjugada de energia elétrica e geração de calor para calefação.
O acesso por rodovia a fábrica, hoje em dia, é circundada por um anel viário interligado às Autobahnen.
No caso da ferrovia, a fábrica tem um ramal interno e um complexo de descarga de material e de carga de veículos para fazer o melhor uso deste modal. Já o transporte de passageiros é feito pela linha de trem que segue paralela ao Mittelkanal.
Ainda sobre o Mittelkanal, que é a mais longa hidrovia da Alemanha, cujo traçado pode ser visto no mapa esquemático abaixo, onde Schleuse que quer dizer eclusa — uma série delas é necessária para vencer as diferenças de altitude no traçado do canal (fonte Wikipédia):
Por mais incrível que possa parecer, estes canais artificiais não raro passam sobre rios ou outros obstáculos, como estradas, através de pontes especiais que são calhas suspensas que permitem a continuidade do canal, como o exemplo abaixo:
Será a Escandinávia a Califórnia da Europa?
Bodijar costuma garimpar Fuscas antigos na Escandinávia e o motivo é simples: lá os carros não enferrujam, ou quase nada; o que costuma ocorrer é a formação de uma pátina protetora, e isto ajuda muito na restauração.
Em uma das expedições, realizada em maio de 2014, ele e Angel trouxeram quatro Fuscas. Eles resgataram quatro Split Windows, todos 1952, na cidade de Turku, na Finlândia. Estes carros estavam completos e as peças vieram em uma van que fazia parte do comboio, aquela que puxava o reboque transportando um Fusca:
Os três Fuscas que estavam sendo transportados juntos estão na Área 3 aguardando a restauração, mas aquele que estava sozinho já foi restaurado para venda.
Algumas fotos da restauração deste Fusca, mostrando detalhes de um 1952 original, e neste ano a Brasmotor já montava Fuscas a partir de CKDs no Brasil:
Mais recentemente, em março de 2016, Bojidar viajou até à Lapônia sueca, região que fica próxima ao Polo Norte, 5.000 quilômetros distante de Sófia, Bulgária. Nesta viagem ele cruzou seis países saindo da Bulgária: Sérbia, Hungria, Áustria, Alemanha, Dinamarca, chegando à Suécia, subindo para o norte para chegar à Lapônia sueca (a Lapônia cobre uma área que abrange as áreas do extremo norte da Noruega, Suécia, Finlândia e Federação Russa). Algumas fotos da Lapônia:
Para a minha surpresa ao ver as fotos deste exemplar, ano 1950, constatei que ele estava em condições muito precárias, sem a parte mecânica e sem o interior e tinha a carroceria bastante amassada:
Perguntei a Bojidar o que é que o levou a enfrentar todo este sacrifício para resgatar um carro nestas condições, e ele respondeu: “As condições do carro não são um problema, temos como resolver, e os componentes faltantes também não; eu tenho bons contatos para obter as partes faltantes e para encontrar carros. Este é um Split Window dos antigos! E eu os amo! ”
Depois desta resposta não há muito mais o que dizer sobre a motivação de Bojidar no que se refere a esta gigantesca coleção e a este trabalho todo que agora é a sua ocupação principal, pois ele deixou a profissão de gerente de vendas para se ocupar em tempo integral com seus Fuscas, que são os seus amores desde os tempos de criança.
Agradeço ao Bojidar pela parceria na elaboração desta matéria que só foi possível graças aos modernos meios de comunicação, inclusive o WhatsApp, Facebook, Skype e o bom e velho e-mail. Foram muitas horas de comunicação para ir estruturando a matéria e ir compondo o mosaico de informações que resultou neste trabalho. Um exercício de jornalismo, com direito a pesquisas e estudos mais difíceis, como foram as pesquisas para encontrar as fotos aéreas das áreas que eles ocupam. Mas o ineditismo desta coleção, num país como a Bulgária, foi uma motivação a mais para realizar esta maratona que foi a elaboração deste trabalho.
AG
NOTA: Este trabalho foi realizado com a grande colaboração do Bojidar Shebov, da Bulgária, e traz um material elaborado com cuidado e atenção.
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