Nem sempre uma ação voltada para a segurança do trânsito exige verbas gigantescas, como, por exemplo, a valorização da faixa do pedestre.
Cai um avião comercial, tipo Boeing ou Airbus, morrem todos os passageiros e a mídia abre espaço nobre para noticiar a tragédia.
Entretanto, nossa imprensa não se preocupa mais com a queda de um Boeing lotado no Brasil a cada dois dias, pois virou fato “corriqueiro”: são as 130 mortes diárias nos acidentes de trânsito em todo o país. Duras estatísticas que revelam a precariedade de nossa segurança veicular mas que não apontam os responsáveis por esta carnificina rodoviária.
A causa de tantos acidentes? É inegável que a imprudência do motorista tem papel relevante. As precárias condições da malha rodoviária também influem. Em ambas, é óbvia a omissão das nossas autoridades de trânsito. Que apenas “fazem de conta” se preocupar com a segurança veicular, com a manutenção das estradas e uma rigorosa fiscalização nas ruas.
Uma observação interessante foi feita recentemente pela Organização Mundial de Saúde (OMS): países em desenvolvimento são responsáveis pela metade da frota em circulação, mas por 90% dos acidentes. Estatística muito reveladora, pois indica que países de Primeiro Mundo respondem por apenas 10% dos acidentes embora tenham metade da frota.
A ONU estabeleceu objetivos para a redução destes acidentes nesta década que vai até 2020: reduzir em 50% o número de casos letais em ruas e estradas. O governo brasileiro “fez de conta” ter se preocupado com o desafio prometendo maior rigor na legislação, obrigatoriedade de equipamentos de segurança e fiscalização. Mas os resultados foram pífios: ao contrário, desde 2010, o número de acidentes com vítimas fatais aumentou em 20%.
A “lei seca” é aplicada com rigor, mas apenas em algumas grandes cidades. Nossos automóveis já são equipados com airbags e freios ABS, mas ainda faltam dispositivos de segurança, muitos deles obrigatórios em outros países, como o simples Isofix (para bancos infantis) ou apoio de cabeça e cinto retrátil de três pontos no centro do banco traseiro, até os mais sofisticados controles eletrônicos de estabilidade e de tração.
Nossos parlamentares só aprovam leis que exigem equipamentos de segurança se pre$$ionados por lobistas de fábricas interessadas em aumentar o faturamento. Alguém tem a ilusão de que a legislação do airbag tenha sido iniciativa de algum parlamentar? E o surrealismo do banco para crianças: foi tornada obrigatória há vários anos, mas ainda não regulamentada para táxis, vans escolares (imaginem!) e ônibus.
Encontros, seminários e fóruns são organizados com frequência para discutir a segurança no trânsito. Pregam no deserto, pois o governo alega falta de recursos para as necessárias medidas preventivas e educativas. Entretanto, nem sempre uma ação voltada para preservar a vida exige verbas astronômicas. Por exemplo, a valorização da faixa do pedestre. Ou uma campanha pelo uso do cinto traseiro. “Pontos negros” com alto índice de acidentes já foram detectados em rodovias sem nenhuma operação específica para reduzi-los.
A inspeção veicular está prevista no Código de Trânsito Brasileiro desde 1997 mas não sai do papel sob as mais variadas alegações do governo federal. Outros países certamente se depararam no passado com dificuldades análogas, mas estabeleceram esta exigência e automóvel nenhum circula no Primeiro Mundo sem se submeter anualmente à vistoria.
No Brasil, centenas de milhares de sucatas sobre rodas circulam livremente provocando mortes, congestionamentos e poluição. Se não é o carro, são as crateras asfálticas. Ou o motorista que desrespeita sistematicamente todas as regras de boa convivência rodoviária. Explicada a diferença entre os índices de acidentes entre países de primeiro e terceiro mundo?
Prevenir e reduzir esta verdadeira tragédia rodoviária é dever de todos, motoristas, pedestres, empresas do setor — e autoridades de trânsito. Mas, por enquanto, a omissão do poder público é a grande responsável pela brutalidade e mortalidade do nosso trânsito.
BF