Nos comentários da Parte 3 da matéria sobre o incrível evento de Hessisch Oldendorf 2017, o leitor e amigo Rogério Oliveira disse: “Fiquei muito curioso com os Karmann Ghias fabricados na Suíça! Que tal uma nota deste assunto na parte 4?” Como a Parte 4 já estava muito longa, decidi atender ao amigo com esta matéria complementar que, tenho certeza, agradará bastante ao leitor ou leitora.
Então vamos iniciar falando um pouco da indústria automobilística suíça, ou melhor da “Montage Suisse”, que não é das mais conhecidas aqui no Brasil.
A “Montage Suisse” surgiu como resultado da crise econômica global. Nesta época passaram a ser aplicadas altas taxas protecionistas sobre produtos manufaturados, especialmente sobre bens de luxo, de maneira a fortalecer e incentivar a produção nacional. Mas a importação de produtos semiacabados foi subsidiada (como em carros em CKD e SKD), a fim de criar empregos.
Esta situação inicial fez com que os fabricantes de veículos, para contornar as tarifas protecionistas, estabelecessem fábricas de montagem na Suíça ou lançassem mão das instalações existentes. A primeira fábrica a ser instalada foi da General Motors em Biel, no Cantão de Berna. Somente alguns anos mais tarde a Chrysler Corporation passou a montar veículos em Bad Schinznach, distrito de Brugg, no Cantão de Aargau.
Esta era terminou com a criação da EEC (sigla de Comunidade Econômica Europeia em inglês), a qual levou, por sua vez, para o estabelecimento de EFTA (sigla de Associação Europeia de Livre Comércio em inglês também). Através do acordo de redução de impostos, que entrou em vigor em 1972, as fábricas da “Montage Suisse” tornaram-se supérfluas.
Veículos “Montage Suisse” desfrutam até hoje de uma reputação muito boa. A maioria dos materiais usados na conclusão da montagem destes carros era de alta qualidade e eles eram mais bem equipados do que os carros americanos semelhantes. Willy Hutter, diretor por muitos anos da montadora de automóveis Schinznacher, costumava dizer: “A instalação da plaqueta ‘Montage Suisse‘, escrita em letras pequenas, nos carros que montamos, deve sempre garantir a mais alta qualidade!”
Isso é verdade até para os carros importados prontos, se bem que neste caso não se fala do uso de materiais complementares de grande qualidade. Mas todos os carros importados passavam por uma inspeção elaborada, que era mais severa do que as feitas nas fábricas americanas. Por meio destas inspeções todos os defeitos encontrados eram imediatamente removidos e os veículos eram adaptados aos requisitos de licenciamento suíços.
A AMAG – Automobil und Motoren AG , uma importante empresa suíça fundada em Bad Schinznachem em 1945 por Walter Haefner, importava Fuscas para a Suíça desde 1948 e carros americanos para o mercado interno a partir de 1949, montando-os numa fase posterior. Por um lado, este procedimento evitava os altos impostos de importação sobre os veículos acabados; e por outro, estes carros recebiam o predicado “Montage Suisse“. Os carros americanos montados na Suíça tinham uma qualidade de produção melhor do que os carros importados.
Mas nosso assunto são os Karmann Ghias montados na Suíça. Porém, antes disto, vamos ver que, curiosamente, o Karmann Ghia teve um início meio conturbado na Alemanha com apelidos como “Hausfrauenporsche” – Porsche de Donas de Casa, ou “Sekretärinnenferrari” – Ferrari de Secretárias, que ainda eram expressões inofensivas para um carro que ajudou a moldar o período pós-guerra na Alemanha.
O VW Karmann Ghia Tipo 14 foi um dos carros mais bem-sucedidos durante todo o seu período de produção de 1955 a 1974. Em termos de quantidade produzida, o cupê desde 1955, e mais tarde o cabriolé a partir de 1957, estiveram sempre na vanguarda, comparado com cupês e conversíveis de outros fabricantes. O prestígio que a Volkswagen auferiu através deste carro foi excelente.
Enquanto na Alemanha o Karmann Ghia foi ridicularizado por sua falta de potência (1955, 30 cv; 1974, 50 cv), nos Estados Unidos, por mais incrível que possa parecer, ele era considerado como sendo um carro esporte completo. No exterior ele muitas vezes foi comparado com carros puros-sangues como o Porsche 356 ou o Mercedes 230 SL; certamente a sua bonita aparência foi a causa deste tipo de comparação.
Alta demanda de Karmann Ghias
Na década de ’50 a demanda por Karmann Ghias na Suíça era tão grande que a fábrica principal de Osnabrück, na Alemanha, não tinha como lidar com isso. Em função disto, foi iniciada, em 1957, a montagem de Karmann Ghias na Suíça pela AMAG a partir de conjuntos SKD (Semi Knocked Down, semidesmontados.
As carrocerias em estado bruto eram fornecidas para a AMAG, em Schinznach, e seus profissionais tinham que prepará-las para pintura. Para este fim, além da aplicação da tinta de fundo e da pintura final, primeiramente era necessário fazer a preparação da chapa através do seu esmerilhamento, lixamento e escovação, fazendo o acabamento final das carrocerias.
A montagem da carroceria sobre o chassi rolante seguia o padrão de Osnabrück, porém era mais cuidadoso devido ao menor volume em relação à fábrica alemã, além de a mão de obra suíça ser historicamente muito boa. As fotos abaixo são do Karmann Ghia Archiv.
Até a primeira metade de 1960 foram produzidos exatamente 1.098 Karmann Ghias, a partir de componentes de Osnabrück, todos com o predicado “Montage Suisse“, aliás, como ressaltado no letreiro aplicado no distintivo VW do capô dianteiro mostrado na foto de abertura desta matéria.
Estima-se que sobreviveram uns 20 destes Karmann Ghias e três deles participaram do evento de Hessisch Oldendorf 2017, e foi este fato que deu origem a esta matéria. Veja a foto deles:
Conferindo os distintivos dianteiros destes três sobreviventes, na ordem em que aparecem na foto acima (Fotos: Shin Watanabe):
Já o exemplo abaixo foi vendido nos Estados Unidos através do eBay. Será que o comprador sabia que este carro é um “Montage Suisse” e o que isto quer dizer? Mas agora você, leitor ou leitora, já sabe o que isto significa.
AG