Estamos para iniciar o relato da subida da Estrada de Montanha do Großglockner com os Volkswagens antigos participantes das festividades dos 60 Anos do Fusca, continuando a Parte 1 desta matéria.
A foto de abertura desta Parte 2 apresenta a reprodução do adesivo que os usuários da Estrada de Montanha do Großglockner recebem ao pagar o pedágio, e a seu lado uma foto da revista Motor Klassik, em sua edição de dezembro de 1995; esta foto mostra o KdF 1938 batalhando na subida da montanha e logo atrás vem o lindo carro do Marco Hammerand, que não desgrudou do KdF o caminho todo (material enviado pelo Marco).
De tanto escrever matérias históricas sobre a Volkswagen e seus produtos, veio-me uma ideia: compartilhar com o leitor ou leitora o processo de compilação delas, num verdadeiro “atrás dos bastidores”, e com isso mostrar o trabalho árduo que é buscar as informações. Foi o caso desta matéria sobre a comemoração dos 60 anos do Fusca, e antes de passar para a segunda parte, a final, gostaria de abrir um parêntese para que o leitor ou leitora saiba como foi possível fazê-la na sua integridade.
OS BASTIDORES DE UMA MATÉRIA
Como foi possível escrevê-la, em que precisou ter duas partes.
Eu já sabia que havia sido feita uma festa pelos 60 anos do Fusca pela Volkswagen alemã, mas quando o Marco Hammerand me contou que ele tinha participado dela e que tinha um relato e fotos, a coisa começou a interessar e muito.
Li o que ele tinha escrito lá em 1995, há 22 anos, e vi que aquilo daria uma boa história, mas o relato dele era a visão de um “sortudo” participante, e quando eu comecei a lhe fazer perguntas sobre os critérios que levaram à definição da data e das localidades onde o evento foi realizado, informações que dentro do meu conceito redacional são importantes para situar a festa, recebi como resposta que ele não tinha estes dados.
Comecei uma pesquisa na internet, mas o único material que encontrei foi o que o Marco havia colocado no site alemão dele, de resto nada específico. Já tinha dado para perceber que a busca destas informações seria uma tarefa complicada.
Paralelamente às minhas pesquisas na internet, tentei um atalho e enviei um e-mail para a filha do Dr. Bernd Wiersch que trabalha no VW AutoMuseum. Ele, que conheço pessoalmente, já está aposentado, mas certamente foi uma das figuras importantes na logística do evento, já que ele é um profundo conhecedor da história da Volkswagen. Veio uma daquelas respostas automáticas dizendo que ela só voltaria no fim de agosto, só que a matéria estava prevista para começar a ser publicada no dia 7 deste mês, portanto nada feito com esta eventual fonte de informações.
Paralelamente, escrevi ao pessoal do Setor de Comunicação Histórica e Corporativa da Volkswagen AG, mas a resposta foi inacreditável: lá não há material algum sobre este evento! Uma coisa difícil de aceitar e acreditar, mas não teve jeito, a coisa agora estava por minha conta e risco.
O primeiro ponto a conferir foi determinar, dentre tantas datas marcantes na história do Fusca, qual é a origem dos tempos que a Volkswagen AG considera para a contagem da idade do Fusca. E esta informação não é tão explícita assim. Mas cruzando algumas informações cristalizou-se a data de 3 de julho de 1935, quando o primeiro protótipo, o V1, ficou pronto e foi apresentado.
Mas por que a festa foi realizada no fim de setembro de 1995 e não em julho? Esta pesquisa foi mais complicada, aí foi necessário começar a alinhar as peças do quebra-cabeças.
O evento em si foi realizado no fim de semana de 22 a 24 de setembro, mas até aí a coisa continuava sem um nexo claro. Porém, analisando o convite, notei que havia a citação a uma exposição intitulada “Ferry Porsche – Uma vida para o automóvel” que se realizou entre os dias 17 e 24 de setembro. Adiante eu estava com a biografia do Ferry Porsche aberta e aí veio o estalo que me deu a solução: o aniversário de 86 anos dele era no dia 19 de setembro, terça-feira daquela semana. Ferry Porsche era o último representante vivo da Família Porsche que tinha trabalhado no projeto do Fusca. Bingo! A festa dos 60 anos foi, na verdade, uma merecida homenagem a ele.
Certo, o desafio da razão da data tinha sido resolvido, mas, e o local? Acho que esta questão foi mais fácil de resolver, pois Zell am See é muito ligada à Família Porsche, que tem uma fazenda lá, onde se encontra uma capela com o túmulo de Ferdinand Porsche, e de vários outros membros da família. Ferry estava morando lá na fazenda também.
Faltava esclarecer a escolha da Estrada Alpina do Großglockner, mas esta foi mais fácil ainda, pois esta era uma das estradas preferidas de Ferdinand Porsche para seus testes. E onde foram realizadas competições nas quais carros projetados por ele, como o Auto Union P-Wagen, fizeram história. Outro aspecto importante é que esta estrada também completava 60 anos de existência em 1995, tanto que isto aparece no convite/programa do evento.
Assim foi possível definir as informações que, aliadas ao relato do Marco, deram consistência histórica à matéria, dentro do que eu considero necessário para uma matéria deste tipo. E como o arquivo histórico da Volkswagen não tem fotos do evento em seu acervo, as fotos do Marco passaram a ter um valor inestimável e a nossa matéria faz um registro num nível que a própria Volkswagen não teria como fazer.
Certamente os meus conhecimentos de idiomas ajudam muito nas pesquisas, pois há material que não existe disponível nem em alemão. Tudo isto possibilita as pesquisas que podem ser vistas nas matérias de Falando de Fusca & Afins.
Com isto, você agora “descobriu” o que é necessário para fazer esta e outras matérias que implicam em investigação e um tipo de arqueologia histórica, sempre fundamentada em pesquisa sólida e documentada, em respeito a você, leitor ou leitora.
AG
(Continuação do relato de Marco Hammerand)
“Na manhã seguinte, fomos praticamente os primeiros que apareceram na praça do mercado de Zell am See, mas não demorou muito até que fossem chegando um Volkswagen após o outro.
Quase pontualmente, às 9 horas, o Dr. Wiersch fez um discurso, e cada veículo foi apresentado individualmente, ao mesmo tempo que eles iam passando por uma rampa especialmente construída para este fim. Mas o que se seguiu foi um caos total. De alguma forma, cada um acabou indo para um lugar diferente.
Justo quando se pensava ter encontrado a conexão com o comboio, lá vinha ele na direção oposta. Em seguida, eu felizmente encontrei o KdF Sedã 1938 e aí eu me “atrelei” a ele.
O ponto de encontro foi a estação do vale da Estrada Alpina de passo de montanha. Ficamos lá por cerca de meia hora. Eu usei este tempo para registrar os acontecimentos extensivamente em vídeo e foto.
Os funcionários do museu da Volkswagen se deixavam gentilmente persuadir a me deixar sentar ao volante de vários veículos raros para uma fotografia. O que mais me tocou foi o KdF Sedã 1938. Mas tanto no milionésimo Fusca, como no Herbie a sensação era de bastante conforto.
O presidente da Volkswagen, Ferdinand Karl Piëch, neto do Professor Ferdinand Porsche, liderava o comboio num Fusca mexicano 1995 convertido para conversível e equipado com “santantônio”, aquele arco de segurança para proteção em caso de capotagem.
Eu me arrastava atrás do Split-Window. Fomos sendo ultrapassados por veículos de imprensa, motociclistas ou Super Beetles 1303.
Apenas uma vez eu passei por um grande suador, quando, de repente, o KdF 1938 começou a recuar no Großglockner. Por um fio de cabelo, ele não atingiu o meu para-choque, mas eu também consegui deixar o meu carro recuar a tempo de evitar o choque. Felizmente não havia ninguém atrás de mim… Pelo ruído alto que se ouviu o motorista estava com problemas para “achar” a marcha certa no câmbio “seco” — totalmente não sincronizado e muito antigo — daquele veterano dos veteranos.
No mirante alpino “Kaiser-Franz-Josefs-Höhe” (localizado 54 km ao sul de Zell am See) atingimos o nosso destino.
E a segunda exposição foi realizada. Todos os carros participantes do jubileu foram estacionados num local demarcado e um almoço acompanhado por um grupo típico de instrumentos de sopro (Blasmusik Kapelle) foi oferecido a todos os motoristas credenciados. Caso eu não tivesse conseguido por um mero acaso o convite na noite anterior, teria acontecido comigo o que aconteceu com tantos outros motoristas de Fusca que estavam lá e que ficaram de fora assistindo os acontecimentos.
A viagem de volta para Zell am See foi um tanto desorganizada. A maioria acabou, provavelmente, indo até o mirante com restaurante chamado Edelweißspitze.
No final da tarde os veículos dos participantes do evento foram para a cidade de Kaprun onde ficaram expostos na praça Salzburger, mas os veículos do Museu Volkswagen não participaram desta parte do evento.
O evento da noite no Burgo de Kaprun foi reservado somente para convidados (grupo ao qual nós, neste meio tempo, já pertencíamos).
Durante o fino bufê encontramos não somente o presidente da Volkswagen, Ferdinand Karl Piëch, mas também o Diretor do Museu Volkswagen, Dr. Bernd Wiersch, o grande colecionador Heinz Willy Lottermann, e também os filhos de Ferdinand Porsche: a filha Louise, esposa de Anton Piëch e mãe do então presidente da Volkswagen, e o filho Ferry Porsche; ambos autografaram o meu convite. Abaixo a parte interna do convite com as assinaturas no canto direito superior, acima a do Ferry Porsche e abaixo de sua irmã Louise (a capa do convite é a imagem de abertura desta matéria):
Mas a foto abaixo pode ser a mais importante deste relato, já que ela reúne várias das personalidades importantes desta celebração. Em baixo, da direita para a esquerda: Ferdinand Karl Piëch, sua mãe Louise Hedwig Anna Wilhelmine Piëch (filha de Porsche), Ferry Porsche e uma pessoa não identificada. Em cima, da direita para a esquerda: Marco Hammerand, uma repórter e Dr. Bernd Wiersch (com o rosto semiencoberto)
Durante o evento eu mantive um rápido contato com o Ferdinand Karl Piëch, então CEO da Volkswagen. Eu perguntei a ele: “Que tal fazer uma estátua de pedra de um Fusca no Großglockner para comemorar?” Daí ele respondeu que ele achava que todos Fuscas subindo o Großglockner regularmente já é uma comemoração suficiente…
No domingo foi o dia da partida. Os dois besouros mais antigos foram novamente postos na rampa em Zell am See, os outros iniciaram a viagem para casa. Não deixei escapar a oportunidade de também colocar o meu Fusca na rampa para tirar uma fotografia em boa companhia.
Mas algumas coisas foram muito surpreendentes, e este é o único ponto em que eu tenho que fazer severas críticas aos organizadores. Os dois KdF veteranos foram deixados sem estarem vigiados durante toda a manhã no centro de Zell am See. As crianças corriam em torno dos veículos e brincavam de pega-pega. Uma mulher, que provavelmente não tinha reconhecido o valor histórico dos veículos, raspou ao longo do para-lamas do sedan com a trela de seu cachorro, e foi por sorte que o seu cão não decidiu completar o serviço nas rodas do carro…
Então nós também iniciamos a viagem para casa; com a agradável sensação de termos testemunhado um pedaço da história da Volkswagen.
Antes de terminar eu gostaria de relatar que durante o evento, no meio daquela multidão, eu acabei perdendo a minha carteira, que me foi entregue um tempo depois pela Frau Wirsch, atestado para a honestidade de quem a encontrou e entregou à organização.”
Uma breve apresentação do Marco Hammerand:
Nascido em 26 de julho de 1972 em Munique, Alemanha. Gráfico Profissional. Comprou seu primeiro Fusca em 1988 para ficar pronto para o seu 18º aniversário. Contando a partir deste Fusca, ele teve uns 25 Volkswagens antigos e atualmente ele tem uma Variant 70 e uma Kombi 74.
Em 1992, na Alemanha, ele fundou o clube “Käferfreunde Fürstenfelbruck” – Amigos do Fusca da cidade de Fürstenbruck.
Mudou para o Brasil em 2007, já sabendo que não queria mais trabalhar como Gráfico Profissional.
Começou a importar produtos para a sua Kombi e logo amigos começaram a pedir ajuda na obtenção de peças. Assim ele começou a vender produtos para Volkswagen. Começou trabalhando em casa, mas com a falta de espaço acabou abrindo uma loja física em Pomerode em 2011.
Como o seu relato do evento dos 60 Anos do Fusca mostra ele conseguiu aproveitar o evento ao máximo, inclusive fazendo os “Test Sit”, teste de sentar, sentando ao volante de raridades que ficam no Museu inacessíveis para este tipo de procedimento.
Para quem participou deste megaevento, a logística para organizar um evento deste porte talvez pode ter passado despercebida. Mas o trabalho passou por várias etapas, como a definição de data e local, depois os acertos necessários com as prefeituras de Zell am See e Kaprun, das autoridades de polícia, bem como com a direção da estrada de montanha do Großglockner, sem esquecer do contato com os convidados e a imprensa, um complexo trabalho de organização; e certamente a Volkswagen investiu uma boa soma neste evento, bem como colocou uma parte importante de seu acervo em risco.
Em suma, uma demonstração de respeito pelo produto que ao mesmo tempo é nome da empresa que foi criada para a sua produção; a última grande festa para homenagear o Fusca por parte da Volkswagen alemã. E isto com a presença de um personagem que também ajudou efetivamente para que a história do Fusca se tornasse realidade, Ferry Porsche, que trabalhou ao lado de seu pai no projeto do Fusca desde os 15 anos de idade.
Esta matéria traz o relato de um evento importante na história do Fusca em nível mundial. Graças ao material do Marco Hammerand foi possível participar do evento através dos olhos de uma testemunha do ocorrido.
AG