No domingo retrasado informei ao meus leitores e leitoras autoentusiastas, na minha 62ª história, a “Parar atividade, nunca”, que em função de ter recebido e aceito convite de uma importante fabricante para realizar auditorias na sua rede de concessionárias, eu deixaria temporariamente de contar minhas histórias “Do fundo do baú”.
Agradeço a todos que me escreveram desejando boa sorte, bom trabalho, boas viagens e esperando que eu retornasse logo com novas histórias. Pois bem, depois de um domingo ausente cá estou eu de volta.
Tive uma semana bem atribulada, aqui em São Paulo mesmo, que me tomou muito tempo, mas foi compensado com um bom trabalho de auditoria realizado em três concessionárias — as viagens pelo país continuarão conforme previsto.
É difícil ficar longe de vocês e para matar saudade estou com um tempo sobrando para lhes contar uma história da época em que eu era representante da Volkswagen no estado do Paraná e Santa Catarina, isto nos anos 1970 e 1971, uma vez que em 1972 fui transferido para o Rio de Janeiro, como já contei.
Viagem marcada para visitar as concessionárias localizadas no eixo São Paulo-Foz do Iguaçu. Estou falando de Guarapuava, Medianeira, Toledo, Cascavel até chegar a Foz do Iguaçu.
Todos à época sabiam que o comércio paralelo exercido principalmente por descendentes de turcos radicados no Brasil tinha em Ciudad Del Este, no Paraguai, uma oportunidade e tanto para a realização de bons negócios. Lembro-me muito bem que a bebida mais procurada era o uísque importado, pelo menos diziam ser legítimo — do que eu sempre duvidei. A segunda mercadoria mais procurada era uma calça jeans azul que desbotava e ficava muito bonita no corpo — era a famosa Lee dos anos 60/70.
Pois bem, de viagem já programada, fui procurado por alguns colegas que sabiam do roteiro, para se possível lhes trazer calças Lee sob encomenda, e ainda com pagamento antecipado.
Na viagem anterior eu havia comprado duas calças para mim e com elas fui algumas vezes trabalhar, o que despertou a atenção de alguns e eu, é claro, sabia quanto haviam custado.
Mas como trazer calças sob encomenda se eu não tinha a menor ideia da numeração de tamanho que seguia os padrões americanos, pelo menos era de lá que diziam virem as calças?
Com a ajuda dos colegas interessados e com alguma criatividade criamos uma fórmula infalível para comprar as calças encomendadas, usando barbante.
Barbante? Como assim?
Um barbante que ia da cintura até os sapatos e mais um pouco para dar uma folga no comprimento serviria de “molde” para medir o comprimento da calça, e pegando o barbante e envolvendo-o na cintura, com um nó marcava-se o tamanho da cintura. Assim estava solucionado o problema do tamanho, tínhamos o comprimento e a “largura” do futuro proprietário de uma desejada calça Lee.
Nesta viagem trouxe cinco calças encomendadas e pagas. O dono da loja onde as comprei, logicamente um turco, achou a ideia do barbante sensacional.
Depois de três meses uma nova viagem para a região e o pedido aumentou. Fiquei preocupado com as barreiras da polícia rodoviária montadas nas estradas, mas o foco deles eram os ônibus de turismo que atravessavam a Ponte da Amizade (foto de abertura) trazendo uma grande gama de produtos importados, tudo ilegalmente.
As minhas encomendas chegaram todas muito bem, sem as etiquetas que lhe indicariam a procedência, mas nunca fui parado para controle. Seria difícil explicar que eu não estava vendendo estes produtos, mas que eram encomendas para colegas de trabalho na Volkswagen.
Em uma destas viagens, fui àquela casa de comércio e lá vi um lindo casaco de couro. Todos sabem que faz frio em Foz de Iguaçu assim como muito calor no verão.
Experimentei aquele casaco e este me serviu como se tivesse sido feito sob medida. Mas só não servia na medida em que seu custo era quase um mês de trabalho. O comerciante, bom turco que era, ofereceu-me pagá-lo em parcelas, três ou quatro vezes, o que não era prática naqueles tempos.
Agradeci a gentileza e foi com tristeza que tirei o casaco e o coloquei no cabide novamente. O turco insistia que eu o levasse, mas eu com muito juízo me recusava a gastar o que não tinha e não podia.
Neste momento o turco veio com uma ideia meia de bruxo e perguntou: “Você vai ao cassino hoje?” Eu disse a ele que não era minha intenção e lhe perguntei por que ele queria saber. A resposta foi imediata: “Algo me diz que se você for ao cassino e jogar na roleta ganhará dinheiro e poderá levar seu desejado casaco.”
Não pensei duas vezes, separei um valor o qual eu poderia arriscar a perder e lá fui eu para o cassino. Meus números de sorte sempre foram 7 e 27 (nasci em 27/07/47…) e foi neles que em algumas rodadas eu apostei. Perdi quase tudo, mas em determinado momento a sorte veio em minha direção e, com mais juízo ainda, quando tinha no bolso o valor equivalente ao casaco, fui ao caixa central e troquei as fichas acumuladas com os meus acertos e as troquei. Fiz câmbio lá mesmo, por dinheiro brasileiro, que tinha acabado de voltar a ser Cruzeiro (Cr$) depois de pouca mais de três anos de Cruzeiro Novo (NCr$).
No dia seguinte fui buscar as calças Lee encomendadas e com muito prazer peguei o meu casaco e o paguei à vista, agradecendo muito à sugestão que me foi dada na noite anterior pelo comerciante, a essa altura meu grande amigo.
Um tempo depois fui transferido para o Rio de Janeiro, mas as boas recordações daqueles momentos de prazer e tensão estão comigo até hoje, passados 46 anos.
RB