O carro correrá na famosa prova mexicana patrocinado pela Volkswagen.
O Fusca e a corrida SCORE Baja 1000 tornaram-se ligados para sempre em 1967 quando Vic Wilson e Ted Mangels ganharam a corrida (que então se chamava Mexican 1000) em um bugue Meyers Manx (o bugue que deu origem a todos os outros) em 27 horas e 38 minutos.
Analisando a estatística de resultados da Baja 1000 verifica-se que o Fusca conseguiu mais vitórias do que qualquer outro veículo. Considerando -se aqui o carro em si e a sua mecânica, como no vitorioso bugue de 1967.
Com esta forte ligação entre carro e corrida, não é de todo surpreendente que a Volkswagen deseje aproveitar essa incrível e bem-sucedida história patrocinando oficialmente um “VW Beetle” na quinquagésima corrida Baja 1000 que se realizará nesta semana, de 14 a 18 de novembro. Abaixo as fotos oficiais da divulgação do apoio da Volkswagen a este Fusca (Fotos: Site AutoBlog):
O Fusca em questão é um modelo 1970 equipado com um motor 1600 arrefecido a ar, que recebeu amortecedores Fox, barras de torção ajustáveis e pneus BF Goodrich todo-terreno de 15 polegadas. Uma gaiola de proteção mantém os passageiros seguros em caso de acidente. A equipe que preparou este Fusca se chama Project Baja. Este carro está inscrito na categoria SCORE Class 11, que será descrita adiante.
O vídeo (7min18s) abaixo, em inglês, faz parte da promoção do Fusca patrocinado pela Volkswagen, incluindo a participação do Bruce Meyers, o inventor dos Dune Buggies, também mostra o que se pode esperar da participação de um Fusca SCORE Class 11numa corrida off-road:
Certamente, os Fuscas inscritos na SCORE Class 11 concorrem com outros da mesma classe, mas a participação destes carros praticamente originais contra bólidos de grandes patrocinadores que podem custar acima de um milhão de dólares e atingem velocidades de acima de 200 km/h em pistas estreitas e difíceis, é com certeza um risco incrível.
No total, neste ano de 2017 participam 37 classes de competição agrupadas nas seguintes categorias, conforme as definições do Role Book da SCORE:
• Trucks (picapes)
• Cars/Buggies (carros e bugues)
• UTVs – Utility Terrain Vehicle (veículos especiais para uso off-road, também usados em corridas
• Motos
• Quads (quadriciclos)
Tudo isto faz com que a coordenação de um megaevento destes seja um grande desafio, tarefa para a qual a SCORE está mais do que preparada.
A SCORE Baja 1000
A SCORE Baja 1000 é uma corrida off-road que ocorre na Península da Baja California (Baixa Califórnia) do México. E em 2017 esta corrida será a rodada final de uma série de quatro, que foram antecedidas pela SCORE Desert Challenge, SCORE San Felipe 250 e SCORE Baja 500.
Mas, o que é SCORE? Originalmente era a sigla de Southern California Off-Road Enterprises (Empreendimentos Off-Road da Califórnia do Sul). Mas, no final da década de 1970, o nome foi alterado legalmente pelo proprietário deste empreendimento, Sal Fish, para SCORE como uma palavra individual, não mais como uma sigla.
Esta é a empresa que organiza e promove estas corridas a partir de 1974, se bem que naquele ano, devido à crise do petróleo, esta corrida não foi realizada, obedecendo à proibição de corridas nos EUA e em muitos países pelo mundo.
Agora vamos dar uma olhada onde fica e como é a Baja California, o cenário onde estas corridas são realizadas. A península da Baja California faz fronteira ao norte com o estado da Califórnia, Estados Unidos, e a leste com o estado de Sonora, no México. Como se pode ver no mapa abaixo, ela se compõe de duas regiões, ao norte simplesmente Baja California, e abaixo do Paralelo 28º N está a Baja California Sur (Baixa Califórnia Sul). Ela é banhada a leste pelo Oceano Pacífico e a leste, pelo Golfo de California.
A corrida de 2017 será a 50ª SCORE Baja 1000, percorrerá uma distância aproximada de 1.134,4 milhas (1.825,2 quilômetros) começando em Ensenada, ao norte da província de Baja California, 104 quilômetros ao sul de Tijuana, e terminando em La Paz, ao sul da Baja California Sur. Como se pode ver o número 1000 do nome da corrida não tem muito a ver com a distância real da corrida. Abaixo segue o mapa da edição 2017 da prova:
Este evento épico e absolutamente insano de resistência tornou-se uma espécie de mistura entre “Mad Max”, o Rali Dacar e uma espécie de “Circo dos Horrores”. Ele atrai para o norte do México centenas de corredores lendários, estrelas de cinema, e pessoas sem nenhuma experiência neste tipo de corrida para para enfrentar a mais longa corrida ponto a ponto, sem parada, do mundo. Todos em busca de emoções fortes. Steve McQueen e Mario Andretti foram seduzidos pelos desertos, praias, montanhas e rios da Baja Celifornia. O superastro do off-road, Bryce Menzies, da equipe Red Bull, também virou adepto destas corridas na Baja California.
Para dar um exemplo da atuação de veículos mais preparados para um grande desempenho em corridas off-road, apresento um vídeo do Tijuana SCORE Desert Challenge de 2017, com os três primeiros colocados do Trophy Truck SWEEP, os pilotos off-road Josh Daniel, Apdaly Lopez e Lalo Laguna:
Pois bem, agora para ver o desempenho de alguns Fuscas da SCORE Class 11, um breve vídeo (46 segundos) com alguns Fuscas enfrentando uma pista acidentada; isto mostra os contrastes entre os carros que participam das competições na Baja California (acho que o dono do último Fusca a aparecer tem que melhorar o fechamento do capô dianteiro e da tampa do motor):
A esta altura o leitor ou a leitora pode estar meio confuso com os Fuscas que foram apresentados até agora, pois aqui no Brasil o que vem à mente quando se fala de Baja California são os Baja Bugs, ou seja nossos conhecidos Fusca Baja, como os mais de 8.000 que o saudoso Carlos Menon afirmava ter transformado. Os Baja Bugs também fazem parte do cenário das corridas da SCORE, mas pertencem à uma outra classificação, a SCORE Class 5-1600, que tem um regulamento mais liberal que o do SCORE Class 11, já que os Baja Bugs apresentam várias modificações para adequar o carro às solicitações de uma prova off-road. Para se ter um termo de comparação aí vão as fotos de um Baja Bug classe 5 e do nosso Fusca classe 11, este ano patrocinado pela Volkswagen, em sua versão 2016:
A SCORE Baja 1000 deve ser uma das corridas mais perigosas do mundo, ou, talvez, a mais perigosa, e, além das inúmeras dificuldades que o seu traçado naturalmente impõe aos pilotos, há um perigo a mais que são as sabotagens e armadilhas que o público prepara para pegar os participantes, uma verdadeira estupidez que coloca a vida de muitas pessoas em risco. Armadilhas omo cavar buracos, bloquear o fluxo de rios, ou enterrando, escondendo ou mudando de lugar obstáculos que fazem parte da indicação da pista, conforme registrado na planilha da corrida. Na minha opinião este tipo de atitude é criminosa e deveria ser severamente reprimida e punida pelas autoridades mexicanas.
Os pilotos são avisados para tomar cuidado com grandes multidões de espectadores em locais remotos do percurso, pois podem indicar armadilhas escondidas ou de mudanças nos obstáculos referenciados na planilha da corrida; o povão fica lá para curtir a desgraça alheia.
Os saltos projetados ao acaso, criados pelos espectadores, são muito perigosos, pois os concorrentes podem inadvertidamente entrar na armadilha em velocidades inseguras, resultando em danos aos veículos ou ferimentos a participantes da corrida e mesmo aos próprios espectadores.
Estar ciente da possibilidade da existência de armadilhas e das alterações no circuito é muitas vezes parte da estratégia do dia da corrida e representa uma vantagem para as equipes mais bem preparadas (eu não concordo, de modo algum, em considerar estas armadilhas como sendo um desafio adicional deste tipo de corridas, para mim isto são tentativas de homicídio). No entanto, dado o perigo que as armadilhas representam, é costume os competidores comunicarem rapidamente os perigos encontrados para outros concorrentes através do rádio comunicador que todos os carros têm.
Além dessas dificuldades de percurso, há também o costume de ficar jogando coisas nos carros que passam, como garrafas de cerveja de vidro, algo igualmente condenável!
Para encontrar o caminho a seguir, a organização da prova oferece o mapa da prova em formato digital para ser carregado nos GPS dos carros, e isto é muito importante pois, como já vimos, já que os espectadores costumam bagunçar as marcações colocadas pelos organizadores, os participantes ficam por conta de seu equipamento de navegação.
Conforme registrado pelo jornal The New York Times na reportagem “Baja or Bust (or Both)” (Baja ou vai ou racha (ou ambos)), de 10 de junho de 2015, muitos espectadores passam o dia bebendo e à tardinha começam a recolher as indicações de pista colocadas pela organização da prova “para colecionar”. Outro obstáculo são espectadores bêbados que vão para o meio da pista e já não têm mais agilidade para sair da frente quando um carro se aproxima velozmente.
Além disto, cada carro recebe (por leasing para a corrida) um GPS – O Stella 3 – da organização da prova que permite uma comunicação entre carros e um acompanhamento pela central de comando e controle do rali, bem como o controle de penalidades. Como em outros casos, este GPS oficial da prova não pode ser desligado e serve também para conferir se o veículo passou pelos pontos de controle, para evitar o uso de atalhos.
O interessante vídeo abaixo, em espanhol, é um manual do usuário deste Stella III e detalha o esquema de comunicação colocado à disposição dos participantes. Só não entendi ainda como é que este aparelho vai ser operado no fragor da batalha, na hora que “a porca estiver torcendo o rabo” (pior ainda será a situação dos pilotos de moto e quadriciclo, que correm sozinhos):
Todos os veículos são monitorados em tempo real por uma grande central que também é acessível por rádio – que, no caso, dá prioridade às informações de emergência.
As equipes mais abastadas, que contam com patrocínios milionários, têm o apoio de helicópteros de acompanhamento, equipes de mecânicos com peças de reposição e outras encarregadas unicamente dos reabastecimentos. Já os amadores têm que se arranjar com estruturas mínimas e na hora de um conserto é na base do faça você mesmo.
Para estas equipes menores, em regra a meta é chegar antes de encerrar o tempo máximo de corrida, que é de quarenta e oito horas para a corrida que começa depois de amanhã. Mas na hora de correr, de ocupar as estradas do percurso é “tudo junto e misturado”: apesar das partidas em horários diferentes, a partir de um dado momento todos 397 veículos inscritos podem se misturar, seja por quebras que atrasam os que saíram primeiro, seja por alguns terem perdido a rota prevista e terem que voltar e encontrar o caminho certo, etc.
Falei várias vezes sobre a SCORE Class 11, na qual nosso valente Fusca azul e branco irá participar, mas para entender o que isto quer dizer vamos apresentar a íntegra de seu regulamento. Antes, algumas fotos de Fuscas desta classe:
Regulamento da SCORE Class 11
É uma classe para Fuscas de produção em série que compete na série de corridas off-road da SCORE, incluindo: Baja 1000, Baja 500, Baja Sur 500, San Felipe 250 e SCORE Desert Challenge. Os carros da classe 11 são os mais extenuantes de todos os veículos de corrida fora de estrada, uma vez que são Fuscas com modificações limitadas à segurança, reforço e aumento da altura em relação ao solo.
No quesito segurança:
Uma gaiola de proteção completa deve ser instalada seguindo os requisitos internacionais de segurança definidos pela SCORE em função do peso do veículo. Aqui se fala de requisitos internacionais, e isto se deve ao fato de várias corridas serem realizadas no México.
Não há restrição quanto ao fabricante dos bancos. É obrigatório usar cintos de segurança de 5 pontos. O tanque de combustível original pode ser usado, mas apenas na posição de montagem original. Tanques especiais de combustível para corrida também podem ser usados em qualquer local. A bateria deve ser relocada. O para-brisa e outras janelas são opcionais. As redes de proteção devem ser instaladas nas janelas do piloto e do navegador.
O carro deve ter, no mínimo, dois faróis, duas luzes de traseiras — posição/freio, luz de ré, luz âmbar e luz azul devem ser instaladas. A luz âmbar é para visibilidade na poeira e a luz azul é uma tentativa de identificar carros mais lentos, de maneira que os carros de classes mais rápidas possam reconhecer que estão se aproximando destes.
Freios:
Os tambores de freio originais devem ser usados, nada de freios a disco. O cilindro-mestre original também deve ser usado.
Motor:
O motor deve ser VW tipo 1, 1600 cm³, modelo sedã fabricado para os EUA mantendo seus componentes e dimensões. No máximo 1600 cm³ como fornecido de fábrica. Existem limitações de modificação adicionais. Pistões de série com 3 anéis. Os cabeçotes devem ser de fábrica, de entrada simples ou dupla. Taxa de compressão livre, o uso de gasolina de competição é permitido. Carburador de fábrica 30 PICT 1,2 ou 3.
Os veículos de Class 11 normalmente têm potência entre 60 e 80 cv. Um carburador, cabeçote de entrada dupla ou simples. As ignições eletrônicas são permitidas. Não é permitido usar cárter seco. Podem ser instaladas bombas de óleo maiores e radiadores externos também.
Suspensão:
A suspensão deve ser original, sendo liberadas pequenas modificações para aumentar a distância ao solo e reforçar a sua atuação. O alojamento das barras de torção dianteiras pode ser cortado e girado, as barras de torção são livres e podem ser de qualquer origem. O ponto de fixação dos amortecedores dianteiros podem ser 2″ menores que o original. Um amortecedor por roda. Os amortecedores traseiros devem ser de 18″ de olhal a olhal (esta definição está para ser flexibilizada) e podem ser relocados, mas devem ser fixados diretamente ao braço arrastado ou ao semieixo oscilante da suspensão traseira. Não são permitidos amortecedores de bypass. Não são permitidos batentes hidráulicos. Reservatórios externos são permitidos. Podem ser instalados sistemas de ajusta de barra de torção traseira, e qualquer barra de torção pode ser usada.
Carroceria:
A carroceria deve manter a forma, o tamanho, a configuração e a aparência originais. Somente são aceitas carrocerias Tipo 1. Existem limitações de originalidade adicionais para esta classe. Super Beetles não são admitidos.
Transmissão:
Somente é permitido o transeixo de quatro marchas do Tipo 1. Devem ser usadas as engrenagens originais, o diferencial tem de ser aberto, mas deve ter coroa e pinhão de relação 4,12:1.
A SCORE Baja 1000 é realmente uma corrida intrigante e em sua história passou por vários organizadores até se fixar na SCORE. Para quem quiser saber como esta tradição começou segue um vídeo de 20min56s, em inglês, da primeira corrida em 31 de outubro de 1967 e que se chamava NORRA Mexican 1000 Rally. Comenta-se que as condições das estradas e caminhos percorridos hoje em dia não mudou muito do que era naqueles tempos:
Para se ter uma visão atual das agruras que as equipes e os pilotos e copilotos têm que enfrentar apresento um trailer (1min16s) do vídeo “Driving dirty – the road to Baja 1000” de 50min52 de duração, em inglês, produzido pela Red Bull, destacando cinco equipes e a sua meta de concluir a prova– da mais rica até um simples principiante; a equipe mais humilde é de um Fusca SCORE Class 11 batalhando com gigantescas dificuldades:
Eu sempre ouvi falar destas corridas na Baja California, e isto parecia muito distante, mas, graças à notícia de um Fusca sendo patrocinado pela Volkswagen para participar numa corrida este ano, tive a possibilidade de me embrenhar neste mundo totalmente insano. Isto tudo é realmente surpreendente, e fica a pergunta: quem entre os meus leitores e leitoras teria vontade de enfrentar este desafio?
Fica aqui a alegria de ver a Volkswagen reconhecer a participação de Fuscas nas corridas realizadas na Baja California, onde eles são os que mais venceram nestes 50 anos de corridas. É muito bom ver um Fusca de 47 anos de idade, de uma equipe pequena, recebendo este significativo apoio. Parabéns à Volkswagen por estar oferecendo este apoio e boa sorte ao Fusca azul e branco!
AG