Um Fusca perfeitamente funcional e especialmente adaptado para servir de cesto de um balão de ar quente? E que chega rodando e sai voando? Aterrissa e volta a rodar? Vamos conferir se é isto mesmo que ocorreu.
O nascimento do projeto
Esta história aconteceu, entre 1992 e 1993, na adorável Château-d’Oex que é um pequeno vilarejo no cantão de Vaud, na Suíça, com um pouco mais de 3.000 habitantes. Mais precisamente no distrito de Riviera-Pays-d’Enhaut. Esta cidadezinha abriga desde 1991 um encontro internacional de Fuscas. Na época Martial Obéron era membro do Lémania Coccinelle Club e ocupava a posição de Presidente da Organização do Encontro de Château-d’Oex, onde ele morava. Foi ele um dos mentores desta aventura.
Uma das pessoas importantes nesta história foi Claude Jelk, que era um membro do Escritório de Turismo do Château-d’Oex, e que tinha liberado a realização dos encontros de Fuscas iniciados em 1991. Claude também era um membro da Comissão Organizadora de um evento internacional de balões de ar quente (em francês chamados de “montgolfières” – devido aos irmãos franceses Montgolfier, considerados inventores deste tipo de aeróstatos esféricos).
No final de 1992 Claude convidou o Martial para tomarem um drink, eles eram bons amigos e tais encontros eram frequentes; afinal de contas numa cidadezinha pequena todos acabam se conhecendo. Depois de algumas rodadas surgiu a ideia de dependurar um Fusca num balão de ar quente fazendo as vezes do seu cesto, mas, depois dos drinques, ambos não lembram de quem foi a ideia…
Na sequência, no caminho de volta, o desafio passou a se mostrar sendo mais complicado do que o originalmente imaginado: chegar rodando, decolar, voar, aterrissar e voltar para casa rodando com o carro passou a se mostrar como sendo um desafio bem grande. Mas o desafio ficou combinado para setembro de 1993, durante a realização do encontro internacional de Fuscas.
As primeiras dificuldades
A ideia do voo do Fusca foi apresentada aos membros do clube pelo Martial, que como já dissemos, era o Presidente da Organização do Encontro do Château-d’Oex. Mas ela deflagrou uma grande discussão, que acabou com sua aprovação por uma pequena margem de votos, sob a condição de que não causasse custos.
Depois do projeto lançado e aprovado, a primeira coisa a fazer era reunir um grupo de voluntários para realizar todas as etapas necessárias. Um carro pertencente ao clube foi doado para o projeto.
Contatos foram feitos com as autoridades para solicitar as autorizações necessárias, mas a primeira resposta foi um banho d’água fria: o projeto foi considerado irrealizável, porque era muito perigoso e inútil.
Para tentar flexibilizar esta primeira decisão, Claude Jelk, Guy Pallaz e Philippe Sublet do Escritório de Turismo de Château-d’Oex, assim como o Centro Internacional de Balão de Ar Quente, começaram a elaborar um dossiê maior para convencer as Autoridades de Aviação Civil Suíça. Mas o Fusca teria que ser preparado para o voo mesmo sem saber se ele poderia voar… um dia.
A construção do protótipo
Assim as noites seguintes passaram a ser bem ocupadas. A equipe foi sendo formada: um funileiro especializado em solda, Gérard Paratte, propôs um mecânico, Christophe Junod, depois veio Eric Fournier, e o cunhado do Martil, Jean-Charles Piaulé; formando, com o próprio Martil, um time de cinco pessoas que assumiram os trabalhos no Fusca. Remover tudo que era supérfluo para reduzir o peso, decapar a pintura, jatear, soldar e conformar tubos, instalar os queimadores de gás, montar tudo “na chapa”, finalmente soldar para levar o conjunto para a pintura. Seguem duas fotos originalmente Polaroid e que foram escaneadas, com a estrutura de engate no balão já instalada ( Fotos 3):
Seguem fotos do carro já pintado, e pronto para o teste de permanecer suspenso:
De acordo com as instruções preliminares impostas pela Autoridade Federal de Aviação Civil Suíça, o protótipo teve que permanecer suspenso por oito dias, para confirmar o bom comportamento dos pontos de fixação. Então foi procurado um lugar com uma talha e altura suficiente para pendurar o conjunto. O teste foi realizado na oficina de caminhões de Albert Chabloz. Então o Fusca balão voltou para a oficina de Jacky Yersin.
Quanto mais o projeto foi progredindo, mais a população local se sentiu envolvida com esta causa e tanto mais foram feitas ofertas de ajuda espontânea.
As determinações da Autoridade Federal de Aviação Civil
A Autoridade Federal de Aviação Civil concedeu a liberação de voo oito dias antes da data do evento. Tendo proibido qualquer partida antes do dia do voo, gasolina no carro, e que a bateria estivesse a bordo na proximidade dos cilindros de gás para os queimadores. Foi exigido que o carro tivesse a frase dizendo “voo experimental” pintada em lugar visível.
Com isto o tanque original foi desmontado, esvaziado e desgazificado. Foi instalado um sistema que permitia a rápida desmontagem da bateria. E foi instalado um tanque de motocicleta ao lado do motor que podia ser retirado rapidamente.
O teste
No local do encontro de Fuscas, por volta das oito horas de uma noite próxima ao voo, foi realizado um teste em escala real, tudo isto no maior dos segredos. Mas um balão de ar quente inflado não tem como permanecer discreto por muito tempo, e é um espetáculo! Principalmente quando abaixo do balão não se via um dos tradicionais cestos, mas um carro engraçado. Todo mundo das redondezas acabou acorrendo ao local.
Curiosamente, uma importante equipe de televisão brasileira, que retornava de uma reportagem em Gstaad, começou a filmar sem permissão, mas depois de alguns minutos de discussão, eles prometeram não transmitir aquelas imagens antes da data do evento. Outro fato curioso é que o Fusca tinha voltado a ser produzido no Brasil exatamente naquele ano.
No Dia D, os preparativos finais
O evento estava em pleno andamento, era o dia 4 de setembro de 1993, o dia estava ensolarado, mas o vento não queria enfraquecer, o que punha em risco o voo; pois os balões de ar quente têm limitações para alçar voo com ventos fortes.
O Fusca foi rodando por meios próprios para o local da decolagem — a ravina na propriedade da senhora Thérèse Raynaud, na esperança que o vento se acalmasse, pois, o público veio para o evento de Château-d’Oex na expectativa de ver o Fusca voando, já que esta atração estava no programa do evento. Todos estavam esperando pelo sucesso do voo… ou por uma espetacular queda.
Enchendo o balão
O Fusca foi inclinado para o lado apoiado em dois grandes calços, o balão foi desenrolado e insuflado com ar, com a ajuda de um grande ventilador. Isto foi feito ainda em plena incerteza para dar uma acalmada no público e preparar para a decolagem no caso do vento se acalmar.
O voo experimental
Os preparativos começaram sem grande convicção, mas François Chappuis, o piloto, disse que se o vento fosse se acalmar, isto deveria ocorrer aproximadamente às dezoito horas, mas alertou que a janela de tempo para o voo seria apertada, já que o serviço meteorológico suíço tinha previsto temporais pela noite…
Então tudo ocorreu muito rápido. Por volta das 18h15 o vento se acalma ligeiramente e François, o piloto, diz que ou o voo se iniciaria naquele momento, ou teria que ser deixado para o dia seguinte. O gás para os queimadores foi aberto, seguiu-se um intenso aquecimento do ar confinado dentro do balão. E às 18h30, foi a vez das coisas começarem a acontecer, o Coccinelle-Montgolfière (Balão Fusca) está prestes a decolar.
Com o balão cheio seguiu a decolagem:
Um metro, então cinco e subiu para aproximadamente dez metros do chão. Então os tripulantes Francois — piloto — e o próprio Martial, que foi o copiloto desta aventura, começaram a ouvir um clamor subindo na direção deles, inicialmente um brado que foi seguido por um trovão de aplauso. Neste momento, ambos olharam para o solo e o que viram foi alucinante. A multidão tinha se levantado e rugia de prazer.
Para eles, a aposta estava ganha. François girou 360 graus para saudar a multidão. Que calma no voo! O Fusca segue em altitude de voo, o silêncio só era quebrado pelos breves acionamentos dos queimadores. E o Martial pensou consigo mesmo: um momento mágico para um Fuscamaniaco e, sem dúvida alguma, ele era um deles!
A aterrissagem
O retorno à terra firme não ocorreu como esperado! O vento se intensificou e as colinas se aproximavam muito rapidamente! A ordem foi dada ao time de resgate e a aterrissagem foi feita com algumas batidas em galhos de macieira. Então as primeiras pessoas chegam. Jacky Yersin trouxe o champanha para celebrar o evento com toda a dignidade.
O retorno
Foi o tempo de dobrar o balão, beber um pouco de champanhe (do gargalo mesmo, já que não havia cálices) e colocar o agora famoso Fusca Balão (reinstalando a bateria e o tanque de combustível) novamente na estrada, mas desta vez com sua “dupla propulsão”. A descida para a aldeia de Château-d’Oex tornou-se feérica, já que a chama do mais poderoso dos queimadores, apelidado de “rabo de vaca”, iluminou o céu. Em seguida, veio o momento mágico no qual o carro chegou ao cruzamento próximo do local do evento. Lá a multidão aplaudiu loucamente esse retorno.
A Consagração
O Martial curtiu muito os momentos de consagração depois da aterrissagem. Apesar da fadiga, ele agradeceu ao time vencedor que tornou esta aventura um sucesso. O Coccinelle Montgolfière logo ganhou várias denominações dadas pelo público: Fusca voador ou Fusca Balão. E foi ao cair da tarde, já com chuva, que as últimas chamas dos queimadores foram apagadas.
No dia 2 de novembro de 1993 às 10h00, o Coccinelle Montgolfière deixou Château-d’Oex com destino ao AutoMuseum Volkswagen em Wolfsburg, onde foi incorporado a seu acervo. O Lemania Coccinelle Club Vevey doou o Fusca, e o Centre International de Ballon à Air Chaud (Centro Internacional de Balões a Ar Quente) ofereceu um conjunto de queimadores; já que os três queimadores que foram usados no voo pertencem a um balão de 6.000 metros cúbicos que efetua voos turísticos no Pays-d’Enhaut. A transferência do Fusca para o museu foi feita enquanto o Dr. Bernd Wiersch era o curador do AutoMuseum Volkswagen e da AMAG (Automobil- und Motoren AG – o maior importador Volkswagen da Suíça).
E como o Martial disse: “Todos que participaram desta aventura permanecerão para sempre na história no mundo da Volkswagen e no mundo do balão de ar quente. Agora podemos associar o Fusca ao balão de ar quente”.
Para completar as informações sobre este memorável voo, ai vai o vídeo do evento:
O voo do Fusca em Interlagos
Durante o 8º Encontro Nacional do Fusca, realizado no dia 23 de junho de 1996, o grande piloto de exibição Oswaldo Steves fez um Fusca Itamar Série ouro voar! Foi um sonho que eu tinha como Presidente do Fusca Clube e que foi realizado no fim de minha participação de mais de 11 anos à frente deste clube. O voo foi de 12 metros e foi realizado no Autódromo de Interlagos em São Paulo, SP.
No vídeo abaixo se pode ver o júbilo do pessoal ao ver o Fusca voando:
AG
Créditos & Notas
(1) – Site http://photographeenmarche.blogspot.com.br/
(2) – Site http://sbrainly.com.br
(3) – Martial Obéron
(4) – Site Jalopnik
(5) – Foto do autor
As demais fotos desta matéria são de Pascal Richina e Jacky Morel.
Agradecemos a Martial Obéron, pela documentação disponibilizada em francês no site http://www.coccinelle-montgolfiere.com.
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