Formei-me engenheiro mecânico na FEI (Faculdade de Engenharia Industrial, atual Fundação Educacional Inaciana) no final de 1969 e trabalhei na Chrysler Caminhões em Santo André até o começo de 1971, quando iniciei meus trabalhos na Ford em projeto e desenvolvimento do produto.
Um grande desastre havia atingido a fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo, um incêndio de grandes proporções na linha de pintura, na Ala 13, que interrompeu grande parte da manufatura do Fusca e da Kombi.
A Chrysler, em ajuda solidária à VW, ajudou a pintar as carrocerias do Fusca em suas instalações em Santo André, junto com os caminhões Dodge. Uma cena realmente inusitada, ver Fuscas sendo pintados na Chrysler.
No mesmo ano em que comecei a trabalhar na Ford comprei um Fusca 1968, azul, mas já pensando em juntar dinheiro para comprar um Corcel. Afinal, não fazia sentido ser funcionário da Ford e ter um Volkswagen.
O Fusca realmente é um paradoxo em quatro rodas, e se for analisado com olhos críticos tinha duas indiscutíveis qualidades importantes: a sua robustez e a rede de assistência técnica oficial e as incontáveis oficinas independentes especializadas em VW.
No mais, deixava a desejar em consumo de combustível e dirigibilidade de maneira geral, principalmente a frio. Fora os embaçamentos dos vidros, a falta ventilação interna da cabine (só passaria a ter em 1974, com entrada de ar dinâmico e saídas após os vidros traseiros), e a visibilidade. Mesmo com tudo isso acabei gostando do Fusca e encontrei nele alguns detalhes construtivos que me chamavam a atenção: o forro do teto furadinho com a função de amortecer os ruídos internos da cabine e o volante de direção e botões de controle operacional na cor marfim para refletir calor e manter a temperatura mais baixa, evitando “queimar” as mãos do motorista quando o carro estivesse horas estacionado sob sol.
Continuei com o Fusca até 1973, quando comprei um Ford Corcel zero-quilômetro, cor laranja Mandarim, achava-o lindo. A grade vertical com o símbolo do cavalinho era realmente muito bacana (tudo em metal, nada de plástico)
Dando um salto no tempo, lembro-me da época da Autolatina, a junção da Ford com a Volkswagen em 1987, eu trabalhando na engenharia experimental chassis, misturando veículos Ford e VW em um mesmo caldeirão. Eram duas filosofias de trabalho distintas, a Ford mais organizada com procedimentos e a VW mais prática, voltada principalmente em experimentações e empirismo.
O Fusca saiu de produção em 1986 dando mais espaço ao Gol, à Parati, à Saveiro e ao Voyage, a VW dividindo a produção com a fábrica de Taubaté. Todas as ferramentas de estamparia e auxiliares de montagem foram transferidas para terceiros, especificamente às metalúrgicas Nakayone e Zito Pereira, esta última fabricante dos estribos, de maneira a manter a oferta de peças de carroceria para reposição.
Em 1993, o então presidente da República, Itamar Franco, decidiu incentivar a fabricação de carros populares com motorização 1-litro e, paralelamente, pediu ao presidente da Autolatina, Pierre-Alain de Smedt, que o Fusca voltasse a ser produzido, com a recompensa de o produto ser alvo de incentivos do governo por meio da renúncia do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Renúncia total não foi possível porque seria necessário lei para isso, então a saída do governo foi reduzir a alíquota do imposto para o,01%, praticamente zerando-o.
Na realidade o Fusca era a “menina dos olhos” do presidente. Tanto que se diz Itamar Franco pediu a volta do Fusca devido à sua namorada (Itamar Franco era solteiro), Lisle Lucena, filha do senador Humberto Lucena, ter um. Nessa decisão a Kombi 1,6 acabou “pegando uma carona” e também foi considerada carro popular.
Decidido o relançamento do Fusca, fui nomeado engenheiro de chassi, integrando o time da Autolatina responsável pelo “novo” Fusca brasileiro. Que ironia! Eu funcionário Ford e agora trabalhavs com Volkswagen! Foi uma grande correria, eu em contato com os fornecedores e com a engenharia VW para que tudo desse certo em tempo recorde.
As ferramentas de estamparia estavam muito desgastadas e os trabalhadores da antiga linha de montagem já haviam se desligado da companhia e/ou ocupado novas funções, o que dificultava enormemente a volta do Besouro à produção. Finalmente conseguimos um bom compromisso e começamos a nova fase de manufatura do Fusca. Até as ferramentas manuais especiais foram resgatadas e/ou construídas novamente.
Me chamou a atenção que o Fusca, mesmo com a idade do projeto, passou nos testes de barreira de impacto, sem bloqueio das portas. Isto foi mesmo incrível !
E em 1993 sai da linha de montagem o novo Fusca, o primeiro da série, com o presidente Itamar Franco todo orgulhoso dentro do veiculo.
O Fusca, que acabou ficando conhecido como “Itamar”, por motivo óbvio, foi programado para terminar a produção no final de 1996 após 50.000 unidades produzidas (chegou a 47.000), uma vez não atenderia às exigências da Fase 3 do Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve) , a se iniciar em 1º de janeiro de 1997.
Deixou saudade pela segunda vez.
Como homenagem ao Fusca, anexo uma propaganda do carro que marcou época pela genialidade:
Na foto de abertura estou ao lado do Fusca cabriolé 1952 do meu amigo Luiz Petrachini, que fez a foto.