Formei-me engenheiro mecânico na FEI (Faculdade de Engenharia Industrial, atual Fundação Educacional Inaciana) no final de 1969 e trabalhei na Chrysler Caminhões em Santo André até o começo de 1971, quando iniciei meus trabalhos na Ford em projeto e desenvolvimento do produto.
Um grande desastre havia atingido a fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo, um incêndio de grandes proporções na linha de pintura, na Ala 13, que interrompeu grande parte da manufatura do Fusca e da Kombi.
A Chrysler, em ajuda solidária à VW, ajudou a pintar as carrocerias do Fusca em suas instalações em Santo André, junto com os caminhões Dodge. Uma cena realmente inusitada, ver Fuscas sendo pintados na Chrysler.
![](https://www.autoentusiastas.com.br/ae/wp-content/uploads/2018/05/VW-folha-de-inspeção-pintura-chrysler-800x593.jpg)
No mesmo ano em que comecei a trabalhar na Ford comprei um Fusca 1968, azul, mas já pensando em juntar dinheiro para comprar um Corcel. Afinal, não fazia sentido ser funcionário da Ford e ter um Volkswagen.
![](https://www.autoentusiastas.com.br/ae/wp-content/uploads/2018/05/Meccia-fusca-azul.bmp)
O Fusca realmente é um paradoxo em quatro rodas, e se for analisado com olhos críticos tinha duas indiscutíveis qualidades importantes: a sua robustez e a rede de assistência técnica oficial e as incontáveis oficinas independentes especializadas em VW.
No mais, deixava a desejar em consumo de combustível e dirigibilidade de maneira geral, principalmente a frio. Fora os embaçamentos dos vidros, a falta ventilação interna da cabine (só passaria a ter em 1974, com entrada de ar dinâmico e saídas após os vidros traseiros), e a visibilidade. Mesmo com tudo isso acabei gostando do Fusca e encontrei nele alguns detalhes construtivos que me chamavam a atenção: o forro do teto furadinho com a função de amortecer os ruídos internos da cabine e o volante de direção e botões de controle operacional na cor marfim para refletir calor e manter a temperatura mais baixa, evitando “queimar” as mãos do motorista quando o carro estivesse horas estacionado sob sol.
![](https://www.autoentusiastas.com.br/ae/wp-content/uploads/2018/05/painel-do-fusca-450x309.jpg)
Continuei com o Fusca até 1973, quando comprei um Ford Corcel zero-quilômetro, cor laranja Mandarim, achava-o lindo. A grade vertical com o símbolo do cavalinho era realmente muito bacana (tudo em metal, nada de plástico)
![](https://www.autoentusiastas.com.br/ae/wp-content/uploads/2018/05/corcel73.jpg)
Dando um salto no tempo, lembro-me da época da Autolatina, a junção da Ford com a Volkswagen em 1987, eu trabalhando na engenharia experimental chassis, misturando veículos Ford e VW em um mesmo caldeirão. Eram duas filosofias de trabalho distintas, a Ford mais organizada com procedimentos e a VW mais prática, voltada principalmente em experimentações e empirismo.
O Fusca saiu de produção em 1986 dando mais espaço ao Gol, à Parati, à Saveiro e ao Voyage, a VW dividindo a produção com a fábrica de Taubaté. Todas as ferramentas de estamparia e auxiliares de montagem foram transferidas para terceiros, especificamente às metalúrgicas Nakayone e Zito Pereira, esta última fabricante dos estribos, de maneira a manter a oferta de peças de carroceria para reposição.
Em 1993, o então presidente da República, Itamar Franco, decidiu incentivar a fabricação de carros populares com motorização 1-litro e, paralelamente, pediu ao presidente da Autolatina, Pierre-Alain de Smedt, que o Fusca voltasse a ser produzido, com a recompensa de o produto ser alvo de incentivos do governo por meio da renúncia do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Renúncia total não foi possível porque seria necessário lei para isso, então a saída do governo foi reduzir a alíquota do imposto para o,01%, praticamente zerando-o.
Na realidade o Fusca era a “menina dos olhos” do presidente. Tanto que se diz Itamar Franco pediu a volta do Fusca devido à sua namorada (Itamar Franco era solteiro), Lisle Lucena, filha do senador Humberto Lucena, ter um. Nessa decisão a Kombi 1,6 acabou “pegando uma carona” e também foi considerada carro popular.
Decidido o relançamento do Fusca, fui nomeado engenheiro de chassi, integrando o time da Autolatina responsável pelo “novo” Fusca brasileiro. Que ironia! Eu funcionário Ford e agora trabalhavs com Volkswagen! Foi uma grande correria, eu em contato com os fornecedores e com a engenharia VW para que tudo desse certo em tempo recorde.
As ferramentas de estamparia estavam muito desgastadas e os trabalhadores da antiga linha de montagem já haviam se desligado da companhia e/ou ocupado novas funções, o que dificultava enormemente a volta do Besouro à produção. Finalmente conseguimos um bom compromisso e começamos a nova fase de manufatura do Fusca. Até as ferramentas manuais especiais foram resgatadas e/ou construídas novamente.
Me chamou a atenção que o Fusca, mesmo com a idade do projeto, passou nos testes de barreira de impacto, sem bloqueio das portas. Isto foi mesmo incrível !
![](https://www.autoentusiastas.com.br/ae/wp-content/uploads/2018/05/teste-de-impacto.jpg)
E em 1993 sai da linha de montagem o novo Fusca, o primeiro da série, com o presidente Itamar Franco todo orgulhoso dentro do veiculo.
![](https://www.autoentusiastas.com.br/ae/wp-content/uploads/2018/05/Itamar-no-Fusca-c.bmp)
O Fusca, que acabou ficando conhecido como “Itamar”, por motivo óbvio, foi programado para terminar a produção no final de 1996 após 50.000 unidades produzidas (chegou a 47.000), uma vez não atenderia às exigências da Fase 3 do Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve) , a se iniciar em 1º de janeiro de 1997.
Deixou saudade pela segunda vez.
Como homenagem ao Fusca, anexo uma propaganda do carro que marcou época pela genialidade:
Na foto de abertura estou ao lado do Fusca cabriolé 1952 do meu amigo Luiz Petrachini, que fez a foto.