Essa belíssima matéria foi publicada na revista Quatro Rodas de fevereiro de 1993. Ela foi pautada em função do lançamento do novo Escort XR3, que além da moderna e bonita carroceria, estreava também um novo motor VW 2,0 com injeção eletrônica, semelhante ao do Gol GTi. Esse fato era decorrência da existência, na época, da hoje extinta Autolatina, uma fusão entre a Volkswagen e a Ford, que comunizavam entre si peças, componentes e até carros completos.
O lançamento do novo XR3 fez com que a revista atualizasse o comparativo entre os três principais esportivos brasileiros. Essa reportagem foi assinada por mim; pelo hoje editor-chefe do AUTOentusiastas, Bob Sharp; e pelo atual diretor de comunicação da JAC Motors, Eduardo Pincigher. Éramos colegas na Quatro Rodas.
A reportagem, avançadíssima na época, tinha um outro ingrediente especial, além das medições corriqueiras de aceleração, velocidade máxima, retomada de velocidade, consumo de combustível, nível de ruído e aceleração lateral: os carros foram levados ao autódromo de Interlagos para sabermos, no tempo médio de volta, qual o mais veloz no circuito. Para que não houvesse falhas de pilotagem ou adaptações de um piloto a um determinado carro, os três autores da reportagem pilotaram os três carros e dessa prova foi tirado um tempo médio de volta que determinou qual o carro mais rápido. Um teste com cronometragem eletrônica muito precisa e feito de uma maneira que não houvesse falhas: O mais rápido seria determinado na pilotagem dos três profissionais.
Como é comum no meio automobilístico, nem sempre o carro mais potente é o mais rápido nas pistas. É o caso do teste. O Gol GTI, na época com 112 cv declarados pela Volkswagen, mostrou-se o mais rápido dos três. O carro foi elogiado pelo trio de pilotagem pelo equilíbrio nos contornos de curva, eficiência de frenagem (o interessante é que o GTi era o único com freios traseiros a tambor, enquanto os outros eram a disco nas quatro rodas) e agilidade nas saídas de curva. Um carro fácil de pilotar, com uma ligeira saída de traseira no limite de aderência. Perfeito. O Kadett GSi tinha o motor 2,0 mais potente, gerava 121 cv, 9 cv a mais que o Gol GTi. Nem por isso foi o mais rápido, ficando com o segundo posto.
A crítica para o Kadett GSi ficou para o fading de freio, em que pese os discos nas quatro rodas. Isso exigia frenagens mais longas do que o desejado, ao contrário do Gol GTi que permitia frenagens mais curtas e fortes sem sobrecarga do sistema. Assim como o Gol GTi, o Kadett GSi mostrava uma leve tendência a sair de traseira de maneira leve em seu limite de aderência. Finalmente ficamos à frente do novo Escort XR3, que mesmo utilizando o motor AP 2000i do Gol, tirava dele 3 cv a mais, graças à disposição transversal do motor que ganhou uma ligeira melhora com novos coletores de admissão e de escapamento que, junto com a nova calibragem da injeção, permitiam que o 2-L do Escort chegasse a 115 cv.
Estreando esse novo motor, o Escort XR3 foi o mais veloz no teste de velocidade máxima, batendo os dois adversários e até o GSi que tinha 6 cv de potência a mais. Mas quando o assunto foi tempo médio de volta, uma decepção com o novo Escort: durante o teste ele insistia em desacoplar a barra estabilizadora dianteira , fato que lhe alterava completamente o comportamento, principalmente nas curvas de média e alta velocidade, quando saía muito facilmente de traseira, dificultando a pilotagem. Uma pena. O fato ocorreu primeiro nas voltas individuais e depois na “corrida” descrita adiante.
Depois desse teste a engenharia da Autolatina reviu o dimensionamento das buchas de plástico dos olhais das hastes de conexão (“bieletas”) de ligação da barra estabilizadora às colunas de suspensão, para maior firmeza de encaixe nas rótulas!
Durante os testes de pistas em Interlagos, os carros sempre rodaram individualmente, para que não houvesse o risco de disputas ou competições que atrapalhassem as avaliações. Mas, no final da tarde de trabalho, quando todos os dados necessários para a compilação da matéria estavam prontos, resolvemos os três jornalistas, fazer um tira teima com os três carros em uma disputa direta. Essa é uma pequena história de bastidor dessa matéria de respeito.
Com o trabalho de fotos terminado (os fotógrafos foram o Cláudio Larangeira e o saudoso Marco de Bari), Bob Sharp sugeriu que fôssemos até à linha de largada para vermos, os três juntos, quem conseguiria cruzar a linha de chegada em primeiro depois de uma volta completa. A sugestão do Bob foi como oferecer banana para macaco: de bate pronto eu e o Eduardo Pincigher aceitamos e já nos dirigimos para lá.
Emparelhamos os três carros e, por sorte minha, eu estava no comando do Gol GTi e sabia que minhas chances de vitória eram enormes com relação aos meus dois companheiros. Com um sinal de cabeça partimos os três ao mesmo tempo e eu já tinha uma boa vantagem, pois o Gol GTi já havia batido seus concorrentes na prova de aceleração. Cheguei ao S do Senna sozinho e pelo retrovisor já conseguia ver o enrosco entre o GSi e o XR3. Contornei o S do Senna sem pressão dos meus adversários e, eles sim vinham bem próximo um do outro. Desci a reta oposta com pelo menos dois carros de vantagem para os outros dois, o Pincigher no GSi e o Bob no XR3. Frenagem e contorno da descida do lago, e eu já estava um pouco mais à frente. Era a vantagem do Gol GTI aparecendo na prática.
Depois do contorno da descida do lago, o Edu Pincigher já tinha se livrado do Bob que havia ficado um carro para trás e eu, tranquilo na liderança. O Gol GTi era mesmo fantástico! Aí chegamos ao Laranjinha e cometi meu primeiro e único erro: na ânsia de abrir ainda mais vantagem para o GSi, fui além do limite do carro e ele deu a costumeira saída de traseira. Fácil de corrigir, com um leve contraesterço, mas sabia que perderia muito tempo e o GSi do Edu Pincigher ia chegar perigosamente ao meu lado.
Quando o carro desgarrou e percebi o meu erro, soltei um sonoro palavrão pela minha falha e, imediatamente, fui buscar o Kadett GSi no retrovisor: para o meu deleite, meu amigo Edu Pincigher, quando percebeu a escapada do Gol, pisou firme no Kadett com a intenção de me ultrapassar sobre o meu erro, mas para seu azar ele também errou. Quando vi o Kadett GSi, também estava atravessado pois perderá a traseira.
Ele cometeu exatamente o meu erro, para minha sorte. O tempo que perdi foi exatamente o tempo que ele perdeu para reencontrar sua trajetória correta. Dessa forma, eu mantinha os dois carros de vantagem que tinha sobre o Kadett. Depois foi moleza e no restante do circuito devo ter aberto mais um carro, por maior que fosse o esforço do Pincigher para tentar me acompanhar. A superioridade do Gol GTi era marcante e não tinha pilotagem mais fina que pudesse tirar essa vantagem técnica.
O Bob? Apesar de assistir de camarote o meu erro e do Edu, sofria para manter o XR3 na trajetória que logo na segunda perna do S do Senna tinha, novamente, perdido a barra estabilizadora dianteira. Cruzei a linha de chegada sozinho, com cerca de 3 carros de vantagem sobre o Kadett GSi e o Bob com problemas de estabilidade, lá atrás. Um dia divertido que gerou uma reportagem rica e cheia de detalhes que marcou uma década: até hoje antigos leitores falam dessa reportagem e agora tive a oportunidade de contar esse pequeno episódio de bastidor desta grande matéria. Obrigado a todos que me propiciaram momentos tão felizes e inesquecíveis como esses.
DM
A coluna “Perfume de carro” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.