O primeiro GP sem brasileiros no grid e os novos bastidores
De arquibancadas lotadas a espaços reduzidos nos meios de comunicação e do controle-quase-censura à aceitação das redes sociais, muita coisa mudou nos 47 anos em que a F-1 visita o Brasil anualmente. O país com oito títulos mundiais — quase nove se você considerar a temporada de 2008 —, hoje desenvolve uma relação com a categoria que reflete diretamente os valores que se praticam neste circo cada mais vez mais mundial e cada vez menos razão de viver de todo e qualquer piloto com expectativas de se tornar profissional. E é nesse contexto que a categoria segue crescendo e disputas mal resolvidas ainda caracterizem os mais novos façam relembrar nomes consagrados.
Falar da F-1 em números frios é algo politicamente correto demais para quem segue entendendo o automobilismo como esporte. Naera de Bernie Ecclestone, que aparece na foto acima entre os dois comandantes da Red Bull, tudo girava estrita e cruelmente em faturamento. Por mais que os mandamentos do marketing e do show business ganhem espaço na categoria, a aura de desafio e realizar manobras que beiram o inacreditável, tudo isso mesclado com uma boa pitada de aristocracia, ainda são características de uma atividade que movimenta milhões de qualquer moeda e gera milhares de empregos mundo a fora há várias décadas.
Um personagem que caracteriza isso muito bem é Jackie Stewart: aos 79 anos ele continua explorando muito bem a fama que construiu no período entre 1965 e 1973. Poucos se lembram do seu início na BRM, onde se impôs frente a Graham Hill, um dos playboys mais “família” e mais rápidos que a F-1 já conheceu, mas 50 anos depois disso ele segue cultivando a imagem de embaixador para diversas grifes, como a Rolex. E foi em uma recepção da marca que o escocês comentou como vê a categoria na era pós-Bernie:
“Você conhece o Bernie, sabe como ele controlava a F-1. A Liberty Media tem uma visão diferente, eu diria que mudou uns 50%. Em vez de fechar, eles querem se abrir para o mundo e em 2020 teremos uma corrida no Vietnã. A cultura dessa empresa vem do show business, música e do entretenimento, por isso estão abrindo possibilidades. Essa é a grande mudança.”
Uma das maiores mudanças da atualidade é a ampliação do campeonato, que este ano teve 21 etapas e, pela primeira vez na história, três delas disputadas em três fins de semana consecutivos (24/6, França; 1/7, Inglaterra e 8/7, Áustria), prática que foi reprovada pelas equipes. Se isso não se repetirá, a temporada de 2019 segue com 21 provas e é provável que em 2020 a lista chegue aos 22 com a inclusão de uma etapa em Hanói. Uma outra corrida no sudeste asiático e um segundo GP nos Estados Unidos são outras possibilidades factíveis.
Nesse contexto o GP do Brasil parece seguro: em breve haverá uma nova reforma nas instalações do autódromo José Carlos Pace que, a partir de 2020 receberá também uma prova do Campeonato Mundial de Resistência, o WEC. Por um lado, isso afasta a possibilidade de Interlagos ser desativado, como queria o ex-prefeito João Dória Júnior, o que é bom. Por outro, levanta a questão da necessidade de tantas reformas no circuito sem nunca ter sido obtido um resultado satisfatório para os usuários nacionais, o que é ruim. Que as próximas mudanças sejam mais definitivas e funcionais e menos destino de alterações cosméticas passíveis de ensejar questionamentos é a vontade dos eleitores que usam Interlagos dentro do fim para o qual ele foi construído.
Questionamento é o que não faltou no fim de semana de Interlagos, em particular dois temas: a ausência de pilotos brasileiros no grid e a manobra que tirou o holandês Max Verstappen da liderança da prova. No primeiro caso os anúncios de Sérgio Sette Camara e Pietro Fittipaldi como pilotos de teste para as equipes McLaren e Haas, respectivamente, abrem espaço para que em situações excepcionais ambos possam alinhar em uma corrida em 2019 ou, mais factível, disputar com chances reais uma vaga de titular em 2020. Na McLaren a aposta seria para substituir Carlos Sainz Jr: Lando Norris, o outro piloto do time para o ano que vem, é cria da casa e deverá ser mantido sem maiores questionamentos.
Já na Haas as chances de Fittipaldi parecem mais palpáveis e os motivos são claros: os pilotos atuais estão distantes de preencherem 100% das necessidades do time, a ligação de Pietro com o grupo Telmex pode significar um aporte financeiro importante para o time americano e o chefe de equipe Gunther Steiner já sinalizou que espera preferência no programa de corridas do brasileiro nos próximos 12 meses. Mais do que isso deixou claro que sua contratação nada tem a ver com seu sobrenome:
“Se quiséssemos fazer marketing teríamos chamado o Emerson…”
Já o segundo tema não teve o mesmo cenário de objetividade e fez renascer um assunto no qual é difícil separar paixão da razão e da frieza. Estebán Ocón e Max Verstappen já se estranharam na pista em várias oportunidades, particularmente quando disputaram a F-3, três temporadas atrás. Verstappen chegou mais cedo à F-1 por ter caído nas graças de Helmut Marko e, consequentemente, da Red Bull. Ocón teve um caminho mais longo e menos brilhante ao conseguir vaga na mais modesta Force India, onde não se intimidou com a presença do mais experiente Sérgio Pérez.
Tanto o franco-catalão quanto o holandês já se envolveram em inúmeras disputas de posição nem sempre indeléveis, a julgar pelas marcas deixadas em seus carros. As manobras de Verstappen ganharam proeminência por ele estar lutando por posições dianteiras; muitas artes de Ocón foram contra seu próprio companheiro de equipe e caracterizaram uma paridade de desempenho poucas vezes vista na categoria. O arrojo do piloto da Red Bull, no entanto, foi sempre mais pronunciado que o do rival da Force India.
Verstappen lembra, em muitos aspectos, Ayrton Senna em início de carreira: chegou chegando, ignorou o status quo de nomes consagrados e sempre deixou claro que considera estar em vantagem em qualquer situação de corrida. Essa atitude funciona na maioria dos casos, mas cobra um preço alto: constrói a fama de irresponsável e temerário, pechas que serão diluídas apenas com a conquista de títulos mundiais. Senna venceu três títulos; Gilles Villeneuve, um dos mais arrojados de todos os tempos, é talvez o único que até hoje conquistou seu habeas corpus mesmo sem sagrar-se campeão. Importante lembrar que o canadense, pai de Jacques (campeão mundial de 1997, nunca foi acusado de ser desleal.
O episódio entre Ocón e Verstappen não teve início na freada para o S do Senna nem no momento em que seu carro recebeu pneus mais novos e de composto mais macio, o que lhe dava maior vantagem nas curvas. O começo dessa história está na antiga rivalidade entre ambos, na necessidade de o primeiro mostrar que não se intimida com o antigo rival, e na imaturidade do segundo. Verstappen tinha muito mais a perder naquela situação e perdeu uma vitória que parecia certa e que merecia, até então. De volta aos boxes, os dois se encontraram no local onde a FIA fez a pesagem dos pilotos e o holandês empurrou o rival três vezes. Mais maduro e com cinco títulos no currículo, Lewis Hamilton aproveitou a tragédia que aconteceu na Red Bull e teve um dia de glória ao vencer em Interlagos e garantir à Mercedes o título de construtores, honrando a fleuma inglesa e a frieza teutônica.
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WG