“Dave, you must do the mid-engine Corvette.” (Dave, você tem que fazer o Corvette com motor central.)
Zora Arkus-Duntov
A frase é forte, dita por aquele que apesar de não ser o criador do Corvette, é por muitos assim considerado, já que Zora Arkus-Duntov praticamente evitou a morte do carro.
Dave McLellan, o autor deste livro, “Corvette de dentro”, substituiu Arkus-Duntov como o engenheiro-chefe do Corvette, de 1975 a 1992, uma responsabilidade no mínimo gigantesca. Ele foi o segundo nessa posição.
Fazia anos que eu queria ler este livro, e finalmente agora é uma vontade realizada. Comprei-o em um lugar-símbolo para os amantes do Corvette, o museu em Bowling Green, que mostrei nesse post aqui. Não é novo, foi publicado em 2002, mas isso não o faz menos espetacular, pois abrange desde o nascimento do Corvette como um carro com problemas sérios, até sua evolução para um modelo de qualidade mais do que aceitável.
O formato é perfeito para quem tem interesse em como nasce um carro desde as primeiras ideias, as dificuldades em se manter o espírito de um carro importante ao mesmo tempo em que a evolução é mandatória, as divergências entre pensamentos de pessoas em funções conflitantes, o entusiasmo de quase todos trabalhando para esse produto com alma, apesar de fabricado por uma empresa que na época era a maior do mundo e que por isso não poderia se dar ao luxo de trabalhar “fora da caixa”, e muito mais.
McLellan não escreveu sua biografia nesse livro, mas sim a história resumida do Corvette desde o começo, muito antes dele assumir a engenharia do carro. Apesar de ser um personagem interessante, fala pouco sobre si, mas muito sobre os personagens importantes na incrível história do “’Vette”, como os mais fanáticos tratam o “único carro esporte americano”, como foi por muito tempo considerado.
Dessa forma, essa resenha é bem mais longa que o normal, pois aproveitei para pegar algumas passagens interessantes contadas pelo autor, deixando-as aqui como registro. Há uma ordem geral cronológica no livro, mas alguns laços ou loops são usados, para explicar algumas decisões e características escolhidas em um projeto mais novo, ou para mostrar problemas dos modelos anteriores que iriam ser corrigidos no próximo a ser lançado.
Uma característica muito boa da obra são os quadros anexos que explicam assuntos técnicos, colocados assim separadamente para evitar quebras muito grandes na narrativa. Pode-se aprender bastante sobre instrumentos digitais de cristal líquido, freios ABS, catalisadores, geometria de suspensão, modelos fora de série — como o SS dos anos 1950 —, tecnologia de pneus, rigidez de estruturas, e muito mais.
O começo da história é onde deveria ser, no começo. Desde a criação do carro, sempre foi complicado manter o Corvette em desenvolvimento, já que lucro nunca foi algo muito real ao menos até a década de 1970, funcionando mais como uma propaganda móvel da Chevrolet e da General Motors, o tal do formador de imagem da marca. Assim como mostrado no livro de Larry Galloway, os problemas das peças de carroceria do Corvette feitas em compósito de fibra de vidro eram gigantescos, e sua origem explicada e mostrada em algumas fotos.
Provando que todos somos humanos, McLellan conta como o grande Ed Cole desobedeceu a orientação do presidente da GM, Harold Curtice, e do corpo diretivo para que a carroceria fosse feita da forma tradicional em aço estampado, e para acelerar a introdução do carro, Cole mandou que a equipe a fizesse em compósito de fibra de vidro como haviam sido feito os primeiros protótipos, algo nunca antes usado pela GM.
Isso acabou invertendo o objetivo da rapidez, provocando atrasos no custeio e escolha de fornecedores que, quando nomeados, só tinham sete meses para projetar e construir todo o ferramental para a carroceria. Não poderia mesmo ficar perfeito, e os interessados que iam a uma concessionária para ver o Corvette muitas vezes desistiam da intenção de compra diante de frestas entre porta e soleira ou entre capô e para-lama que chegavam a meia polegada (12,7 milímetros). Junto disso, o preço alto de US$ 3.498 era irreal para a época, e junto com a potência de apenas 152 cv (SAE bruta), tornava o Corvette um modelo que exceto pelo estilo, era pouco atraente. Esses problemas fizeram com que, ao final de 1954, 1.100 unidades não vendidas estivessem nos pátios das concessionárias, quase decretando o fim do modelo.
Em análises muito ponderadas ao longo de todo o livro, McLellan dá uma aula constante sobre o que significa engenharia em última análise, algo que todos os estudantes dessa disciplina em todas suas variações aprendem se forem a boas escolas: compromisso.
Compromisso mostra que para ter algo, se tira de algum lugar, e que tudo que se coloca ou tira de um carro tem consequências de alguma forma. Até mesmo gastar muito tempo e dinheiro com o estilo pode chegar a prejudicar algo que pode-se julgar mais importante para o funcionamento e uso de um carro, já que os orçamentos sempre são apertados e controlados — hoje em dia muito mais — e desperdiçar tempo experimentado propostas pode consumir dinheiro que deveria ser usado em aperfeiçoamento de um câmbio, por exemplo.
Não exclusivo de brasileiros, os atalhos — ou jeitinhos — para desenvolvimento em momentos críticos são contados por Dave, dois exemplos aqui.
No início das participações do Corvette em corridas, após a 12 Horas de Sebring de 1956, um carro foi oferecido a Dick Thompson, com assistência da Chevrolet, que depois de cada corrida refaria o carro e o deixaria como novo para a próxima. Mas para ter mais tempo para analisar o que acontecia com os sistemas do carro em uso abusivo, foram feitos vários carros com a mesma licença BXL-190 e com o mesmo número de chassis. Dessa forma, não se perdiam informações pela pressa nas análises, já que uma unidade que tivesse corrido poderia ficar dentro da engenharia e outra seria enviada para a próxima prova. Dessa maneira foram desenvolvidas peças para corrida, sob o código 684.
Outro atalho foi a estrutura do Corvette SS, modelo que nasceu da ideia inicial de Bill Mitchel, vice-presidente de Design, que queria colocar um motor V-8, que estava quase sendo aprovado para o Corvette, em um Jaguar D-Type que ele havia comprado, mas Cole ordenou que fosse feito um Corvette especial para demonstrar o motor. Arkus-Duntov usou um Mercedes-Benz 300 SL como base para desenhar o chassis do SS, todo feito em tubos soldados como era o carro alemão. O carro iria estrear na 12 Horas de Sebring de 1957, e o argentino Juan Manuel Fangio (já era tetracampeão de F-1 e naquele ano conquistaria seu quinto título) foi chamado para pilotá-lo. Em testes, bateu o recorde da pista, e a corrida se aproximava, sem o carro ficar pronto, fruto dos desejos do Estilo da GM em fazer um carro de visual perfeito. Com o atraso, Fangio não correu. O italiano Piero Taruffi e o americano Johb Fitch o pilotaram. Fitch era peça importante no desenvolvimento, e dizia que não se desenvolvia carro de corrida fora de corridas, contra a teimosia de Ed Cole, e alinhado com Arkus-Duntov.
Depois de tudo isso veio o bloco pequeno (small block), o motor V-8 de maior sucesso na história, onde Al Colby e equipe fazem os balancins de válvulas sem eixo de apoio (com articulação em rótula, como conhecemos aqui no Opala) e câmara de combustão em forma de cunha. Pete Estes foi o responsável pela validação, outro nome importante na história da General Motors. Em 1957 veio o câmbio manual de quatro marchas. Nesse ponto, McLellan discute as relações de marcha desse câmbio, que ele veio a experimentar pouco tempo depois de se tornar o engenheiro-chefe, e diz que as relações são muito próximas, limitando a máxima em 193 km/h, e gira 5.500 rpm a 160 km/h.
Outros fatos interessantes são clarificados, como o efeito que sofre um eixo traseiro rígido com diferencial, que sob torque alto, gira no eixo longitudinal do carro, levantando a roda direita e ponto de fazê-la perder aderência e patinar. O ano final do eixo rígido foi 1962, com o Split Window de 1963 trazendo a suspensão traseira independente, e junto disso veio a injeção Rochester, mecânica.
Essa geração de Corvettes evoluiu bem em apenas três anos, com 1965 entrando os freios a disco, já sendo adotado direto nas quatro rodas e ventilados, sendo mais uma influência forte de Arkus Duntov, que quando era piloto, estava na pista no ano da estreia dos Jaguares, 1953, em Le Mans. Veja esse texto do MAO.
Com motor maior e mais potente gerando mais calor, Arkus-Duntov insistia mais uma vez em começar o projeto do Corvette com motor central-traseiro. Os conceitos CERV I e II foram estudos nesse sentido, e vários desenhos foram feitos para um carro de produção, desenhos estes que McLellan chegou a ver uma vez, pois permaneciam nos arquivos da GM.
Os problemas eram muitos, como o custo de manutenção dentro das concessionárias. Um motor central, em regra, é sempre de pior acesso que um dianteiro, seja para manutenção simples ou mais complicada. Caso o motor fosse transversal, poderia ser usado o transeixo do Oldsmobile Toronado, e inclusive tração nas quatro rodas.
Em 1970 chegou para comandar a divisão Chevrolet John Zachary De Lorean, que gostava muito da ideia de um carro com motor central, algo só encontrado em carros muito mais caros que o Corvette.
Também o motor Wankel, pelas suas dimensões compactas, foi estudado, inclusive protótipos construídos, de dois e três rotores. Ed Cole queria ver um Corvette com esse tipo de motor, mas Arkus-Duntov sabia dos problemas de durabilidade e rejeitava a ideia. Para evitar que o problema de algo muito novo fosse trazido para um carro de boa confiabilidade, Zora liderou a instalação de um motor de dois rotores em um Porsche 914. Cole dirigiu e gostou muito, ordenando e aprovando um conceito de Corvette com quatro rotores. Sob comando de Cole, o carro foi construído, batizado de 4-Rotor, testado e, como Arkus-Duntov havia dito, os problemas de durabilidade apareceram.
Mas Cole insistia, e sugeriu expor o carro na pista Road America com Bill Mitchell ao volante, mas o 4-Rotor teve problemas, dando vexame em público. Retirou-se o carro de circulação e um swap o transformou em V-8, com nome mudado para Aerovette. É um carro de desenho magnífico, o preferido de McLellan. O projeto do motor Wankel morreu aí, ajudado pela crise do petróleo de 1973.
Em 1975 McLellan assumia a liderança da engenharia do Corvette, no auge dos equipamentos antipoluição, com apenas 205 cv (potência líquida) no motor . Em nove anos, o carro dobrou de preço para não morrer. Ao mesmo tempo, foram aprovadas reduções de custo as mais variadas, como o volante do Chevrolet Veja que foi usado em 1976. É uma fase que produziu os modelos que são hoje os mais baratos.
Em 1978, com 25 anos de Corvette, foi feito um vidro traseiro em formato aerodinâmico, fixo, baixando o Cx de 0,50 para 0,42, também com a adoção de defletores de ar. Deveriam ser feitos poucos carros como série especial, mas a área de Vendas pediu um para cada concessionário americano e canadense, ou seja, 6.502 carros. É um colecionável muito atraente, com pintura preta e prata, e adesivos de Pace Car da 500 Milhas de Indianápolis.
Em 1981 a potência era ainda menor, 190 cv, com catalisador e carburador eletrônico, sendo o Corvette mais lento de todos os tempos. Para o ano seguinte, 1982, já com o projeto do carro novo quase pronto, chegava o TBI duplo (throttle body injection – injeção no corpo da borboleta), sistema similar ao que conhecemos no Brasil dos Monzas, Kadetts e também dos Suzuki Samurai. Esse carro também passou a ter a mola elíptica traseira transversal em compósito de fibra de vidro, uma antecipação para o carro totalmente novo de 1983. O peso da mola diminuiu de 21 kg para 3 kg, excepcional. Um dado daqueles que pouco se sabe é que em testes de vida, as molas de aço duravam mais de 200 mil ciclos, e essa de plástico passava de 2 milhões! Para fazer par no trabalho, também foi antecipada a introdução do braço inferior da suspensão em liga de alumínio.
Para comemorar os 25 anos do Corvette, uma edição especial com o vidro traseiro abrindo e decoração e rodas diferenciadas foi lançada em 1982. É um modelo raro, mostrado na foto abaixo.
Erros de estimativas grosseiros são comentados por McLellan, como uma roda em liga de alumínio que deveria ser escolhida por 10% dos compradores, mas as concessionárias pediam todos os carros com elas, pois todos os clientes rejeitavam as de aço com calotas depois de verem as de liga leve. Até o fornecedor Kelsey-Hayes acertar a produção, dois anos se passaram. Problemas de qualidade são expostos, como juntas universais do cardã montadas erroneamente por simples falta de informação para os funcionários da montagem e rolamentos de roda que enferrujavam em pouco tempo de uso, pelo desenho errado de um vedador que não impedia a entrada de água.
Outra coisa muito realista que Dave McLellan expõe é a mudança de comportamento da organização com a aposentadoria de Ed Cole em 1978. Cole era engenheiro, e mesmo sendo o presidente da empresa, tomava decisões nos produtos. Com sua saída, a GM adotou de vez o que Cole chama de “engenharia por comitê”, onde consensos têm que ser encontrados, nem sempre o melhor para o carro, mas que quase sempre são mais lucrativos.
A quarta geração, chamado hoje em dia de C4, chega em 1983 com grande aclamação pela imprensa, que havia conhecido o carro em pistas dentro da GM, mas quando saiu às ruas foi outra história, já que o carro era muito duro de suspensão. E o motivo é bem explicado por McLellan. Quando muito já estava feito, o presidente Lloyd Reuss ordenou que fosse removido o T-bar, reforço que liga quadro do para-brisa à barra horizontal que liga as duas colunas B. A estrutura teve que ser refeita em grande parte, e as modificações nas suspensões para compensar a estrutura mais flexível as tornaram mais rígidas. Mas o resultado em pisos de qualidade era arrasador. Uma estabilidade enorme foi observada por todos que dirigiram o carro, com aceleração lateral de 0,93 g como saía de produção. Com pneus com meia altura de sulco para menor flexibilidade da borracha e câmber negativo nas rodas, passava de 1 g.
Para chegar aos conceitos básicos de projeto, a GM tinha alguns carros para usar como referência. Porsche 928, Maserati Ghibli, Ferrari 330 GT. Antes do estilo ser congelado, engenheiros iam às reuniões no Design para informar o que o Corvette não poderia ser. O carro não poderia ser V-6 central, não poderia ser V-6 turbo, motores sugeridos pelo Design para que se pudesse fazer desenhos mais diferentes do habitual. A engenharia se fazia presente para garantir que um V-8 coubesse no novo carro.
O câmbio adotado foi de quatro marchas com sobremarcha (overdrive) nas segunda, terceira e quarta, fabricado pela Doug Nash. Solução boa para economia, mas problemática para dirigir. Ao se sair e mudar em baixa velocidade de primeira para segunda, o módulo eletrônico entendia que se queria gastar pouco, e acionava o overdrive, usando segunda, terceira e quarta longas. Era formado pela caixa de 4 marchas, embreagem de acionamento hidráulico, mais a unidade overdrive de comando eletrônico.
Demorou muito para acertar, só ficando bom em meados de 1984. Outra inovação nesse projeto foi o uso de simulação de acidentes por computador. A GM ainda não tinha o equipamento necessário para isso, um supercomputador Cray I, mas a Grumman já havia feito muito em seus aviões com uma máquina dessas. A Grumman já havia feito esse trabalho estrutural para o projeto do De Lorean, e o resultado da análise foi tenebroso, levando à contratação da Lotus para desenhar um chassis em duplo Y com resistência de acordo ao que poderia ser aceito pelos órgãos reguladores dos governos e pelos clientes.
Outra boa história é o espaço interno do carro, que foi diminuído ao máximo para ter a menor área frontal, deixando os bonecos padrão bem justos. Mas ele era bem apertado para muita gente, e a razão foi descoberta depois de alguns anos em produção. Os manequins utilizados tinham mais de 10 anos, sendo de dimensões médias menores do que a população, que foi crescendo com o passar dos anos. Mas a aerodinâmica compensou, com Cx 0,34 e pequena área frontal, permitindo bom consumo para um carro esporte.
McLellan diz que esse projeto, o primeiro de um carro todo novo em sua carreira, foi o primeiro aprovado em 20 anos no Corvette. Foram gastos 80 milhões de dólares no projeto e mais 160 milhões em ferramental.
Entre esse custo estava a tela de cristal líquido para o quadro de instrumentos, que se esperava fosse não muito desejado, e custava mil dólares. Mas só se vendia com ele, já que era um grande atrativo para salientar o apelo futurístico.
A dureza de suspensão foi trabalhada em sua totalidade, com modificações importantes entrando já em 1985.
Uma curiosidade contada por McLellan é o Ramaro, carro conceito de Bertone, que foi feito com base em um 83 pré-produção, que foi enviado à Itália, depois de grandes problemas burocráticos em se exportar um carro usado.
O Automóvel Clube dos Estados Unidos (USAC) fez uma comparação entre alguns carros para que se fossem obtidos dados independentes. O Corvette foi confrontado com Porsche 944, Lamborghini Countach, Ferrari 308 GTS, Porsche 928 e Lotus Esprit Turbo. Resumindo, nas acelerações de 0 a 60 mph (96,5 km/h), o Corvette só não era mais rápido que Countach e Esprit, na prova de slalom era o mais rápido de todos, tinha os freios mais potentes e em preço apenas o Porsche 944 era melhor.
Pesando os resultados, foram 21 pontos, contra 18 do Countach que custava 103,7 mil dólares contra os 26 mil do Corvette. Era, baseado em avaliações técnicas objetivas, o carro esportivo com melhor relação custo-benefício do mundo.
Os resultados eram tão superlativos que várias equipes colocaram o ‘Vette para competir nas provas do SCCA, Sports Car Club of America, e em 195 e 1986 venceram todas as corridas em provas longas, de 3, 6, 12 e 24 horas. Para 1987 o regulamento foi mudado para dar mais chances a outros carros, e a GM resolveu que deveria ser feita uma categoria monomarca, que foi chamada da Corvette Challenge.
Para 1987 entrou em produção uma nova caixa de 6 marchas fabricada pela ZF. Era uma preparação para o ZR-1 que já estava sendo projetado com a Lotus, comandada por Tony Rudd, personagem já mostrado no AE nesse post aqui.
Os anos seguintes tiveram evoluções discretas, com novos pneus a cada ano, que se forem usados em anos diferentes, pioram o carro. McLellan explica muito sobre pneus no livro, de maneira bastante interessante e que ensina vários detalhes, analisando as forças que atuam em retas e curvas, a relação destes com o sistema de direção, que precisa ter atrito e amortecimento viscoso, para que não seja totalmente seca e direta, que faria o motorista corrigir mínimas alterações todo o tempo, já que não existe piso nem trajeto constante e perfeito.
Também há um agradecimento a Bill Milliken, que criou o método para entender a estabilidade no limite de controle. Milliken trabalhou na General Motors, sendo referência no assunto dinâmica veicular. Há uma bela explicação comparativa entre eixos rígidos na traseira e suspensões multibraço, com vantagens e desvantagens de cada um, evoluindo para a suspensão ativa, que foi testada no Corvette, mas nunca adotada por custo e complexidade gigantescos naquele tempo.
Na parte de motores, assuntos gerais e detalhes de problemas encontrados são registrados. Um deles, o pequeno volume existente ao redor da cabeça dos pistões, acima do anel de compressão. Segundo ele, nessa parte se alojam pequenas gotas de combustível que demoram a se inflamar. Com esse aprendizado, os pistões foram alterados, com os anéis sendo instalados mais acima, quase eliminando totalmente esse problema.
Outro item muito explorado são os catalisadores, vilão na fase de desenho do escapamento e ladrão de potência, mas indispensáveis segundo as regras legais. O arrefecimento também é incluído nas aulas de McLellan, e aprendi que as bombas de água precisam ser fortes para fluxo rápido, que diminui as formações de bolhas. Pela primeira vez entendi que as bolhas atuam como um colchão térmico, que isola o calor entre o metal aquecido do motor e o líquido de arrefecimento, provocando muito calor, fragilização da superfície do metal e consequente quebra de pequenos pedaços que se separam das peças envolvidas, que aparece em forma de buracos, processo conhecido como cavitação. Meu professor de Mecânica dos Fluidos nunca me ensinou dessa forma clara e simples na faculdade.
Um capítulo todo é sobre o fabuloso ZR-1. O motor com quatro válvulas por cilindro e quatro árvores de comando no cabeçote acionados por corrente, o primeiro assim em um Corvette, foi batizado como LT5. McLellan conta que o carro não começou assim. A primeira ideia era um V-6 com dois turbos que foi testado mas que vibrava demais. Depois disso se estudou um V-8 também com dois turbos, que andava mais rápido que um Lamborghini Countach, mas não existia um câmbio que apresentasse durabilidade para ele, nem automático e nem manual. O carro cobria uma milha (1.609 metros) em 30 segundos, largando parado.
O LT5 tinha 350 polegadas cúbicas (5.735 cm³), a cilindrada mais comum do small block Chevrolet, desenvolvia 380 cv no começo, e 411 cv depois de alguns anos.
Uma das pequenas crises no projeto desse motor foi o tipo de atuação dos comandos de válvulas. A GM queria a correia dentada de borracha reforçada, para maior silêncio e menor custo, ao contrário da Lotus, em que Rudd defendia a corrente metálica dentro do volume de óleo do motor. Uma visita a alguns Jaguares antigos à venda em lojas ao redor de Detroit resolveu a dúvida de que seria um sistema ruidoso depois de muito usado. Não era, e a solução proposta por Rudd foi a adotada.
O ZR-1 era um carro novo, até mesmo na carroceria, mais larga na traseira pois os pneus eram maiores, P315/35 ZR-17. Havia o câmbio de 6 marchas ZF, suspensão com nova geometria com amortecedores a gás Bilstein ajustáveis, rolamentos de roda com especificação de corrida, molas com constante mais baixa para conforto, freios maiores com 11,5 polegadas (292 mm) de diâmetro na frente.
Em testes, o motor suportava 200 horas a plena potência, o que apenas a título ilustrativo, daria uma volta e meia na Terra andando na velocidade máxima, 290 km/h (se fosse possível, claro). Custava em 1991, 30 mil dólares, o carro mais caro da GM até então, e durou apenas até 1995.
O aprendizado do protótipo com motor V-8 de dois turbos foi passado a Reeves Callaway por recomendação do diretor de planejamento de Marketing Don Runkle, que via a oportunidade de um carro a ser produzido em baixo número e que tivesse um apelo mais extremo. Eram estimados 50 unidades a serem vendidas em concessionárias Chevrolet, como Opção Normal de Produção (RPO) B2K.
A aceitação foi dez vezes maior, com 500 unidades feitas. Ia de 0 a 96,5 km/h em 4,6 segundos e cobria o quarto de milha em 13,02 segundos. Não era barato, com 15,6 mil dólares em cima dos 25 mil do Corvette básico.
Em um teste em anel de alta velocidade pertencente ao Centro de Pesquisa de Transportes do Estado de Ohio, um Callaway especialmente modificado para velocidade máxima — câmbio longo e mais potência, 909 cv — batizado de SledgeHammer, chegou a 254,76 mph (410 km/h) em 26 de outubro de 1988. Este carro é único, não sendo igual aos 500 vendidos nas concessionárias Chevrolet.
Dave McLellan trabalhou até final de 1992 na GM, e participou do começo do projeto da quinta geração do Corvette, quando mais uma tentativa de levar o motor para o centro-traseira do carro foi feita, chegando até a fase de conceito utilizável. Esse é o Corvette Indy, motor V-8 transversal com estrutura projetada com auxílio da Lotus. Seria a materialização do desejo de Zora Arkus-Duntov, mas não era para ser naquela hora.
Atrasos enormes nas definições do programa por três anos, quase mataram o carro, já que o lucro que a empresa tinha com o carro era pequeno, e os custos enormes.
McLellan conta que durante esse tempo foi feito o conceito Stingray de 1992, que nasceu para tentar evoluir bastante o desenho do Corvette, mas que ficou ao final com capô muito curto e não alojaria o motor que deveria ser sempre V-8. Por uma escolha apenas do Design, as rodas foram desenhadas com três raios e três parafusos, e numa visita à GM, Arkus-Duntov se recusou a ser fotografado junto do carro, pois segundo ele isso feria um princípio da engenharia automobilística.
O tempo de atraso permitiu algum trabalho evolutivo, e se conseguiu definir uma estrutura para o C5 que tem uma resistência torcional quatro vezes maior que o carro anterior. Havia sido escolhido a área acima do eixo traseiro para o tanque de gasolina, e o estepe na vertical na extremidade traseira, o que foi reprovado por muitos. Por sugestão que veio de fora da engenharia, o tanque foi dividido em dois, alojado nas pontas da parte traseira da estrutura central, mais baixo e mais seguro. Esse carro tem as vigas laterais do chassis hidroformadas, uma das primeiras aplicações no mundo. Nesse processo, tubos cilíndricos são conformados de dentro para fora com água sob alta pressão, ficando com as curvas e superfícies projetadas de acordo com o desenho interno de um molde.
Para evoluir o carro é preciso evoluir a tecnologia utilizada, e Dave conta seu trabalho de consultoria após a aposentadoria da GM para o Mosler MT900, um carro feito com estrutura em placas de alumínio do tipo colmeia de abelha (honeycomb) unidas por colagem, em processo que não requer as enormes ferramentas utilizadas para produções em massa, e que poderia ser o caminho a ser seguido no Corvette.
O livro é ótimo, cheio de detalhes, explicações, mas poderia ter ainda mais desenhos para que algumas coisas fossem entendidas de forma mais fácil. De qualquer forma, vale muito a leitura, para quem aprecia projetos de automóveis, o Corvette e mesmo a General Motors.
Hoje McLellan presta serviços de consultoria, e há um site que ele fez com material muito bom, apesar de estar parado há muitos anos. Vários podcasts podem ser apreciados, vários deles com pessoas que trabalharam com o Corvette na mesma fase de McLellan.
JJ
Fotos: Corvette on line; Liteflex; corvettechief.com, GM Media