Estávamos nos meses finais de 1988. O mercado brasileiro se preparava para o tão esperado Salão do Automóvel no Pavilhão de Exposições do Parque Anhembi, em São Paulo, evento que mostrava ao grande público brasileiro, como ainda hoje, todas as grandes novidades de nossa indústria automobilística. Na época, as importações ainda eram proibidas, e o mercado tinha que se contentar com tudo aquilo que a nossa indústria oferecia. Dizem alguns que por esse motivo os nossos carros eram obsoletos em relação àqueles oferecidos no diversificado mercado internacional. Como diziam alguns, a tecnologia dos carros vendidos lá fora era muito superior à dos modelos nacionais.
Mas o Salão do Automóvel de 1988 começou a contradizer aqueles que chamavam nossos carros de carroças.. O grande e estrondoso lançamento de nossa indústria veio da Volkswagen: o Gol GTi, na trilha do sucesso do Gol GTS, vinha com uma tecnologia até então inédita nos carros brasileiros, um sistema de injeção de combustível que funcionava em conjunto com uma poderosa e inédita ignição eletrônica mapeada, sistemas que tiravam nossos motores da era do carburador e da ignição convencional de potência e recursos limitados.
A grande surpresa era a de que o Gol GTi não era apenas uma experiência do design e da engenharia, mas um produto final imediatamente disponível aos consumidores. Quem quisesse comprar um Gol GTi, bastava ir a uma concessionária Volkswagen e fazer o seu pedido. Pronto, você já seria proprietário do nacional mais tecnológico da época.
A General Motors também mostrou nesse mesmo Salão de 1988, como carro-conceito, o seu consagrado Monza dotado do mesmo sistema de injeção e ignição oferecidos no GTi. Estava lá, visualmente pronto, com o sistema de injeção/ignição instalado em seu motor, mas o carro ainda não estava disponível para o consumidor. Seu lançamento oficial foi em 1990 com o nome de Monza 500 EF — uma série especial que homenageava nosso bicampeão Emerson Fittipaldi, que havia vencido a 500 Milhas de Indianápolis em 1989. Enquanto a VW começou a utilizar a injeção de combustível em um modelo esportivo, a GM optou por lançar seu primeiro motor a injeção em um clássico sedã de quatro portas.
Mas o primeiro mesmo carro nacional a injeção, de fato e de direito, foi o Gol GTi. Não foi simplesmente a adaptação dos sistemas de injeção e ignição eletrônicos no motor Volkswagen AP 2000: apesar de a base ser a mesma, havia particularidades que tornavam a unidade a injeção bem diferente da a carburador.
No cabeçote, os tuchos passaram a ser hidráulicos em vez de mecânicos: O sofisticado sistema de ignição mapeada Bosch EZ-K incluía sensor de detonação, em que o ruído normal dos tuchos mecânicos poderia ser confundido com detonação, atrasando a ignição e prejudicando o desempenho. Por isso, o silêncio dos tuchos hidráulicos foi necessário.
Essa sofisticação do sistema de ignição permitiu que o motor AP 2000 a injeção tivesse a surpreendente — para a época — taxa de compressão de 10:1, um dado excepcional então, que inteligentemente aproveitava a gasolina com 12% de álcool, desde 1982, que tinha a mesma octanagem da antiga gasolina azul, 95 octanas RON. E graças ao sensor de detonação havia a segurança da proteção do motor caso o carro fosse abastecido com gasolina inferior, adulterada.
Na alimentação, a injeção Bosch LE-Jetronic — importada, ainda analógica, a Lei de Informática não permitia importação de processadores digitais — tinha na pulsação dos bicos, ou válvulas injetoras, o ruído característico de seu funcionamento. E graças a um bom desenho do coletor de admissão, o motor desenvolvia em seu lançamento 112 cv a 5.800 rpm com um torque de 19,5 m·kgf a 3.000 rpm. O motorzão 2-litros era uma verdadeira usina de força, e o grande torque surgia logo nas arrancadas, uma força que se conhecia apenas nos motores de maior cilindrada.
É importante ressaltar que a partir de 1992, com os novos limites de emissões pelo escapamento, a Fase 2 do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), foi necessário nova calibração nos sistemas de injeção e ignição, a potência e o torque da fera caindo levemente. Mas aqueles GTi do final de 1988, 1989 e 1990 (que eram oferecidos apenas na cor azul Mônaco e prata na parte de baixo), faziam de 0 a 100 km/h abaixo de 9 segundos e atingiam quase 190 km/h. Depois, com a chegada da Fase 2 do Proconve, em que no caso do GTi foi necessário acrescentar catalisador, e das novas calibrações da injeção/ignição, esses números de desempenho se tornaram mais discretos, embora ainda respeitáveis.
Mas o Gol GTi não era só um rostinho bonito na multidão, ou melhor, um motorzão na manada. O carro tinha um comportamento irretocável nas acelerações, contornos de curva, mudanças bruscas de direção e nas frenagens mais difíceis. Era um carro muito prazeroso de dirigir, suavemente no dia a dia dos grandes centros urbanos e nas estradas, especiamente aquelas com grandes aclives, declives e curvas. Quem não dirigiu um, lamento, mas não sabe o que perdeu. Hoje, os poucos remanescentes estão na mão de colecionadores ou sendo restaurados e recuperados. Ainda bem que não vamos perder de nossas memórias um carro tão glorioso quanto foi o Gol GTi.
Não tenha dúvidas de que ele foi precedido de muitos outros esportivos excelentes e que legaram boas memórias aos seus proprietários. Mas tenho a certeza de que o Gol GTi inaugurou uma nova fase tecnológica de nossa indústria automobilística, que trouxe os recursos que o carro nacional precisava para deixar de ser chamado de carroça. Parabéns ao carro, que agora no final de 2018 completou 30 anos de lançado e os primeiros Gol GTi de placa preta já começam a ser vistos nos encontros de quem gosta de carro.
DM
Foto: quatrorodas.abri.com.br