A sucessão de diretores incompetentes à frente do Conselho Nacional de Trânsito teve pelo menos uma exceção: Alfredo Peres da Silva, que dirigiu a entidade normativa do trânsito brasileiro de 2005 a 2010 e que faleceu no domingo passado, dia 13 de janeiro. Nasceu em Corumbá (MS), formou-se em Direito e foi um dos maiores especialistas em trânsito no Brasil. Participou ativamente da elaboração do Código de Trânsito Brasileiro, publicado em 1997 e vigente desde 22 de janeiro de 1998. Defendia com unhas e dentes a segurança veicular e a educação de trânsito nas escolas. Foi também diretor de inúmeras entidades de transporte de cargas e recebeu várias condecorações em reconhecimento ao seu trabalho no setor.
Como jornalista, eu sempre critiquei a postura do governo federal em relação ao trânsito, à segurança veicular e à legislação. O Peres foi, até hoje, o único a me ligar e retrucar. Trocávamos ideias. E farpas, algumas vezes. Defendia com elegância certas decisões que eu criticava com certa dureza. “No governo não se faz exatamente o que se quer, mas o que é possível” — ele dizia
Um belo dia, recebo uma ligação de sua secretária pedindo uma reserva de data. Dias depois era o Peres na linha, oficializando um convite para uma palestra em Brasília, durante a posse dos novos membros das seis Câmaras Temáticas do Conselho Nacional de Transito. Especialistas que discutiam e analisavam todas as resoluções técnicas do Contran, que, no frigir dos ovos, determinavam as diretrizes básicas do trânsito a serem executadas pelo Denatran e Detrans de cada estado.
“Você enlouqueceu, Peres? Você me conhece e sabe das minhas críticas a estas câmaras temáticas. Que parte dos nossos problemas de trânsito resultam exatamente de suas decisões atabalhoadas!”
“É por isso mesmo que estou te convidando” — retrucou o Peres. “Venha e fale o que você quiser”. Fui. Auditório lotado com centenas de empresários, representantes de entidades de classe, de fábricas de automóveis e equipamentos, lobistas, técnicos de ministérios e funcionários de órgãos de trânsito de todo o país.
Já comecei a palestra afirmando que a responsabilidade de grande parte de feridos e dos 40 mil mortos nos acidentes de trânsito era a incompetência das câmaras temáticas. Fez-se um silêncio ensurdecedor na plateia. Engrenei uma segunda e disse que as câmaras não suportavam as pressões políticas e econômicas do governo, de parlamentares e de empresas do setor. Que muitas de suas decisões significavam faturamento de bilhões de reais ao tornar obrigatório o uso de equipamentos ou a prestação de serviços para dezenas de milhões de veículos e motoristas.
Dei exemplos: a Philips, gigante multinacional, queria ver aprovada a utilização das lâmpadas de xenônio em qualquer veículo. Pressionou as câmaras temáticas com argumentos técnicos distorcidos e interpretando a lei de acordo com sua conveniência. Apesar dos pareceres de que, tecnicamente, se instaladas em automóveis não projetados para seu uso, iriam ofuscar outros motoristas e provocar acidentes.
Citei outros absurdos decididos pelas câmaras como a exceção à obrigatoriedade de se transportar crianças no banco traseiro em picapes ou esportivos que só contavam com o dianteiro. As fábricas de automóveis pressionaram também durante muito anos para que o Contran não exigisse o apoio de cabeça e cinto retrátil no centro do banco traseiro. Um custo adicional para a fábrica, apesar de ser óbvio que o quinto passageiro tivesse direito à mesma proteção que os outros quatro. Critiquei a permissão do transporte — assassino — de boias-frias nas carrocerias de caminhões. E que a posse de novos membros poderia significar um divisor de águas no nosso triste recorde mundial de mortos no trânsito.
Ao final, os aplausos foram muito pouco entusiásticos. Em compensação, recebi um forte abraço do Alfredo Peres e nossa amizade fortalecida desde então. O Contran nunca mais foi o mesmo depois dele.
Um grande brasileiro
Sua rica vida profissional bem mostra o valor de Alfredo Peres da Silva: diretor do Departamento Nacional de Trânsito – Denatran e presidente do Contran no período de 2005/2010. Formado em Direito com especialização em Direito Municipal. Administrador de empresas e empresário atuou no setor de trânsito e transportes há mais de 30 anos. Foi ainda, por dois triênios, ministro suplente do Tribunal Superior do Trabalho – TST e juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Membro da Comissão, criada pelo Presidente da República em 1991, que elaborou o anteprojeto do Código de Trânsito Brasileiro. Foi membro das Câmaras Temáticas de Assuntos Veiculares e Habilitação do Contran de 2000 a 2005. Diretor-executivo da Associação Nacional de Transporte de Cargas – NTC por 28 anos. Foi também, vice-presidente Executivo da Seção de Cargas da Confederação Nacional do Transporte – CNT e diretor da Federação Interestadual das Empresas de Transporte de Cargas – Fenatac, e vice-presidente Regional da NTC & Logística – Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística. Atualmente era presidente da Associação das Administradoras de Meios de Pagamento Eletrônico de Frete – Ampef.
Suas condecorações também dizem o tipo de pessoa que era:
Ordem Do Rio Branco – Grau Comendador – Presidência da República;
Ordem Do Mérito Militar -Grau Comendador – Presidência da República;
Ordem Do Mérito Dom Bosco – Grau de Grande Cruz – Tribunal Regional Do Trabalho 10ª. Região;
Ordem Do Mérito Judiciário Militar – Superior Tribunal Militar – STM;
Ordem Do Mérito Mauá – Ministro dos Transportes;
Medalha De Mérito Legislativo – Câmara Dos Deputados;
Medalha Tiradentes – Governador Do Distrito Federal;
Medalha De Mérito Pela Valorização Da Vida – Conselho Nacional Antidrogas;
Medalha De Mérito Jk – Confederação Nacional dos Transportes;
Medalha Do Mérito Rodoviário – NTC & Logística;
Medalha De Mérito – Polícia Rodoviária Federal;
O Brasil precisa de mais gente como o Peres….
BF
Foto> portalntc.org.br