O Carnaval em março acabou atrasando em alguns dias a entrevista coletiva da Anfavea à imprensa especializada em produto e economia para divulgação dos resultados de fevereiro.. Costumeiramente ocorre entre o 4º e 5º dia útil de cada mês e a última reunião deu-se no dia 11. “O Brasil começa depois do Carnaval”, diz-se, porém o maior número de dias úteis ajudou a turbinar as vendas de automóveis e comerciais leves e fevereiro fechou com 25% de crescimento sobre o mesmo mês de 2018.
Antônio Megale, que está em seu penúltimo mês de mandato frente à entidade, manteve porém as projeções de crescimento para o ano em 11,3%. Um bimestre positivo, mas ainda sem sinais suficientes do mercado para nos dizer que repetiremos ou ultrapassaremos a expansão registrada no ano passado.
Os números do mês não permitem esconder o sorriso de ventos positivos para o setor, no total foram vendidos 198.641 veículos, sendo 190.273 leves, 6.876 caminhões e 1.492 ônibus. O mercado de pesados deve crescer novamente acima do de leves.
O gráfico acima, de vendas diárias mês a mês, em curvas anuais desde 2015, mostra este ano mais forte que 2018, 2017 e ‘2016. A seguir nesse ritmo, há grandes chances de ultrapassarmos as médias diárias de 2015 já em abril ou maio (naquele ano as vendas entraram em queda livre). Temos visto com frequência nos jornais vários sinais de que a recuperação da economia segue lenta e desigual em seus diversos setores. Ao analisarmos as vendas de veículos leves, importante parâmetro, numa expansão no bimestre de 16%, notamos ela foi desigual por região, o Sudeste cresceu 22% e puxou os números totais para cima, Nordeste +16%, Norte +14%, Centro-Oeste +8% e Sul, +5%.
As vendas em concessionários, o chamado varejo, também se expandiram no bimestre menos que o total de mercado, registrando 8% de crescimento nos licenciamentos, enquanto as vendas diretas tiveram novamente importante papel, com +31%, voltando ao patamar de 43% das vendas totais. As marcas que mais cresceram nesse modal de vendas no acumulado dos primeiros dois meses foram a Jeep +109%, Honda +69% e Renault +49%.
Tivemos também a triste notícia do encerramento das operações fabris da fábrica da Ford no Taboão, em São Bernardo do Campo, com efeito imediato para suspensão da fabricação do modelo Fiesta e de todos caminhões, com fechamento da fábrica até o final do ano. Largamente divulgada e ainda presente na mídia, há certa tensão no ar na busca de soluções para o caso entre políticos e sindicato por conta de um número significativo de trabalhadores prestes a serem desligados, trazendo o fantasma da recessão para a região.
Confesso que já nutria dúvidas sobre a viabilidade dessa fábrica há bons anos. O new Fiesta veio ao mercado junto com o Ka, ambos datam de 2012. Na época, a Ford oferecer ao consumidor dois modelos de dimensões próximas e propostas distintas — o de maior refino técnico e menor volume de vendas feito no ABC paulista e o mais espartano e alto volume, na fábrica de Camaçari, BA – fazia sentido, tínhamos um mercado total de quase 4 milhões de unidades e vários nichos de consumidores explorados. Porém, com a forte queda de volumes que abateu o setor a partir de 2014, sobrou o sacrifício para o Fiesta.
Numa analogia simplória, quem nunca observou um restaurante que passamos com frequência na frente, de um momento ao outro, passamos a vê-lo vazio, o garçom na porta olhando o nada. Passam os dias e noites e sempre a mesma situação e ao cabo de um tempo, uma placa de “Passa-se o ponto”, “Aluga-se” ou “Fechado para reformas” é colocada na frente, com portas fechadas.
Pois bem, as vendas do Fiesta nunca atingiram o patamar-objetivo do fabricante e depois da crise de 2014, sua situação passou para pior. Desnecessário repetir o trauma do câmbio PowerShift, que também contribuiu para o insucesso do modelo, justamente nas versões mais refinadas, de câmbio automático (robotizado de dupla embreagem, no caso).
O mercado de pesados foi ainda mais severamente atingido, com 67% de queda de volume entre 2016 e 2014, os caminhões Ford não tiveram sorte diferente, apesar de competitivos nos vários segmentos em que disputavam seus compradores. A fábrica da Ford Taboão parecia o restaurante permanentemente vazio, todos pareciam pressentir que se a realidade não mudasse logo, a inevitável placa de “Vende-se” viria.
Importante salientar que a operação de caminhões foi lucrativa aqui por vários anos seguidos e ajudou a operação brasileira de automóveis a fechar outra sequência de anos de balanços azuis. Agora sem eles para pagar a conta, os desafios da marca do oval azul tornam-se maiores. Na Europa também temos visto essas pressões no noticiário do setor, onde também os balanços vermelhos têm sido uma constante incômoda. Então o congelamento de investimentos em novos produtos faz um looping cruel, porém real: sem volumes suficientes que justifiquem investir, novos produtos tardam mais a sair, ou concentram-se em menos modelos.
Quanto aos compactos de entrada Ford, bastou refinar tecnicamente o Ka com motor tricilindro de 1,5 L e 136 cv e câmbio automático de 6 marchas para ele se tornar bastante competitivo também frente a seu pares automáticos (leia-se Onix, HB20, Gol) e capaz de atender uma faixa mais larga do segmento. Não suficiente para brigar em produto com um VW Polo, como faz o Fiesta na Europa, com sucesso, mas a alternância entre 2º e 3º lugares no ranking de vendas brasileiras fala por si. Ka Sedan também é bem sucedido no segmento e o EcoSport está à espera da 3ª geração para voltar a brigar pelo topo dos suves compactos.
A Ford também abandonou os segmentos dos hatches e sedãs médios, Focus terá produção encerrada em maio próximo e não ouvimos anúncio de outros produtos para suprir não só essas lacunas deixadas, mas para fazer os clientes terem motivos de visitarem sua rede. Uma linha de somente quatro produtos (os três feitos em Camaçari mais a Ranger) pode estancar a sangria de caixa momentânea e trazer resultados novamente ao azul neste ano, porém o mercado sempre irá demandar renovação e inovação tecnológica. A Ford precisa trazer ânimo ao consumidor e à sua rede e torcemos tome as melhores decisões quanto a isso.
A ameaça de fechar operações no Brasil também chegou à GMB, outra surpresa, uma marca líder de mercado, líder absoluta nos compactos e competitiva em nichos e nas picapes médias, ninguém acreditou. Mas basta olhar o que aconteceu com a Opel, vendida para a PSA, com a GM Austrália, que encerrou fabricação por lá, e seríamos capazes de entender que não parecia tratar-se de blefe do fabricante
Tanto a Ford como a GM vêm repensando as suas operações no mundo, dispondo-se a reduzir presença em mercados onde foram presentes por 100 anos. Nós, autoentusiastas, sempre iremos desejar ambas fortes e ativas por estas terras.
RANKING DO MÊS
GM sem ninguém fazendo sombra segue líder. Foram 33.869 emplacamentos no mês, porém com forte incremento nas vendas diretas (PcD incluídoo). No ano, suas vendas expandiram-se em 14%, número bem próximo do mercado total. A Fiat fechou fevereiro e o bimestre em 2º, com 28.726 licenciamentos e 35% de crescimento sobre mesmo período do ano anterior. VW em 3º, a espera do lançamento de seu novo suve, o T-Cross. Renault em 4º lugar e 39% de crescimento no bimestre, Ford em 5º, Hyundai em 6º e Toyota em 7º, as três muito próximas entre si.
Esta coluna havia anunciado a expansão da linha na fábrica da Hyundai e neste mês esta informação deixou de ser segredo em nota divulgada, o número para capacidade produtiva anual passa de 180.000 para 210.000 unidades (havíamos mencionado 200.000).
Onix líder, vem aumentando a distância em relação a seus concorrentes diretos, emplacou 18.392 unidades em fevereiro e 37.234 no bimestre, um crescimento de 29%, num mercado que cresceu 16%. HB20 em 2º, 8.055 unidades, Ka em 3º, Argo, Prisma, Kwid, Mobi, Polo, Renegade e Gol fechando a lista dos dez primeiros. O Jeep compacto vem aumentando a concentração nas vendas PcD, 72% de suas vendas em fevereiro foram diretas. Vale registro do rápido crescimento de vendas do suve Cactus (foto de abertura), o que confirma sua boa aceitação.
Nos comerciais leves, a Strada lidera as vendas, com 6.553 unidades licenciadas, Toro em 2º, com 3.361, Saveiro em 3º, Hilux em 4º, seguidas de S10, Ranger, Amarok, Fiorino, Montana e Oroch, fechando as dez primeiras.
No bimestre a compacta Fiat emplacou 11.343 unidades, crescimento de 19%, num segmento que se expandiu em 12%. Destaca-se o crescimento da Hilux, com 21% e 6.139 unidades vendidas. A Fiorino foi a que mais cresceu no período, com +67%.
Mês que vem começam as vendas do suve compacto da VW, o T-Cross, cercado de expectativas, teremos mais lançamentos importantes no ano, Onix e Prisma renovados, HB20 e HB20S também. O Carnaval ficou pra trás e temos de volta o otimismo dos consumidores.
Até o mês que vem.
MAS