A ideia inicial de Clayton Consiglio era participar do rali com o seu Land Rover Defender, mas no segundo briefing dos pilotos ele teve a ideia de ir de Fusca na categoria 4×2. O Fusca valentão foi para a grande aventura e o Land Rover ficou guardadinho na garagem…
Com o número de inscrição 353 e pilotado por Clayton Consiglio, tendo como navegador Emerson Lehmann, ex-dono do carro, o Fusquinha enfrentou 6.600 km de estradas nos quatro países do Mercosul — Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Por isso o motor original 1200 foi substituído por um 1600 novo para empurrar o Fusca com mais força e velocidade. Vamos conferir como foi esta aventura através de seu diário de bordo. Na foto de abertura o Emerson está agachado e Clayton em pé.
A largada de cada etapa do rali era feita pela ordem da numeração dos carros. O Fusca recebeu o sugestivo número 353 em homenagem ao “Herbie”, aquele herói da série de filmes dos Estúdios Disney iniciada com o icônico filme de 1968 “Se meu Fusca falasse” (“The Love Bug”, seu título original em inglês) que trazia nas portas o número 53. Com isto o Fusca era o último a largar em cada etapa.
Quando comparado com os outros participantes, o Fusca parecia um estranho no ninho. Mas, com o seu carisma, o carrinho logo foi adotado pelos grandalhões e virou o “queridinho” da turma. “A cada parada as pessoas vinham nos perguntar se o Fusca estava bem”, comentaram os dois.
Dia a dia
1o Dia: 16 de abril 2004: A largada promocional foi à noite, no Parque do Ibirapuera, na cidade de São Paulo, capital do Estado homônimo, e já com fortes emoções. “Para começar, um segurança teve que ser convencido de que o nosso Fusca estava realmente inscrito para deixá-lo entrar na área reservada em que belos e potentes 4×4 alinhavam para a partida”, lembra Clayton. Além disto quatro garotas demonstraram uma “quedinha” pelos tripulantes ou, talvez, pelo próprio Fusca, já que acabaram tombando seu EcoSport na descida da rampa de apresentação e por muito pouco não atingiram o valente Fusquinha que já estava pronto para a aventura.
2o Dia: Trecho de Ibiúna, SP a Morretes, PR, 572 km. A largada foi num posto de gasolina e lá se foi o Fusca com as malinhas vermelhas do Clayton e do Emerson no bagagito, atrás do banco traseiro.
O percurso escolhido pela organização da prova passou por vários parques nacionais incríveis, como foi o Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar).
Adiante, o percurso atravessou o belíssimo Parque Nacional do Superagüi, porém com velocidades elevadas, acima dos limites permitidos naquelas estradinhas. Logo passaram por dois veículos acidentados. Pelo fato de estar no grupo dos 4×2, de menos potência, o Fusquinha seguia no último pelotão enfrentando trechos que se tornaram difíceis devido aos sulcos deixados pelos 4×4, que castigavam o chassi do carro. “Caiu a noite e decidimos pular um trecho mais difícil seguindo pelo asfalto” lembra Clayton. Sábia decisão. “Chegando a Morretes, soubemos que um violento acidente com um Jeep Wrangler bloqueou o trecho programado por várias horas”, detalhou o Emerson. Chovia muito e nossos aventureiros jantaram um “barreado”, comida típica local.
3o Dia: Trecho de Morretes, PR a São Joaquim, SC, um lance de 563 km. “Acordamos às 5h30, tomamos café e fomos trocar o óleo do motor novo, agora já com 500 km rodados” detalhou o Clayton.
As médias continuavam muito altas. “Por isso resolvemos utilizar parte do tempo zerado para o almoço e recuperar nosso atraso. Porém, justamente nesse momento a organização cortou as pausas para almoço”, lembrou o Emerson. A coisa estava ficando séria, diferente do que havia sido prometido em São Paulo no briefing de antes da largada.
4o Dia: Trecho de São Joaquim, SC a Gramado, RS, 413 km. “O Jonas, cinegrafista da TV Cultura de São Paulo, passou o dia como terceiro tripulante. Ele fazia uma matéria especial com o Fusca, o que demandou várias paradas para tomadas de cena”, lembra Clayton. “Chegamos em Gramado já de noite, debaixo de forte chuva e com o cinegrafista dormindo no banco de trás”, contou o Emerson. A visão da linda cidade durou pouco: logo uma espessa cortina de neblina cobriu tudo.
5o Dia: Trecho de Gramado, RS a Rio Grande, RS, num total de 572 km. Neste dia a dupla resolveu andar por conta própria, aproveitando para conhecer o Museu da Ulbra (que infelizmente não existe mais). “Andamos cerca de 250 km a mais, mas valeu a pena, pois conhecemos um belo acervo, muito bem montado e mantido”, detalhou o Clayton. Lá uma surpresa: um Fusca igual ao deles. Notícias do rali: um carro “afundou” na Lagoa dos Patos.
6o Dia: Trecho de Rio Grande a Punta del Este, no Uruguai; um lance de 500 km. Atravessando longos trechos na areia da bela Praia do Cassino, os dois visitaram restos de um navio encalhado há décadas.
Um carro da organização se aproximou e dele saiu uma moça que se interessou tanto pelo Fusca que o Clayton a deixou dar uma voltinha dirigindo o carro pela praia. Nesta etapa, eles também atravessaram a reserva ecológica do Chuí, extensa área do Ibama onde todos os tipos de aves e outros animais cruzavam à frente do Fusca. No caminho mais um carro acidentado: um Troller, da categoria 4×4, que capotou várias vezes. A travessia da fronteira foi tranquila e a estrada para Punta del Este um tapete.
7o Dia: Trecho de Punta del Este a Buenos Aires, na Argentina. No caminho em direção à balsa que faz a travessia do Rio da Prata, encontraram mais um carro quebrado e deram carona a um tripulante que havia se desentendido com os parceiros de rali. A balsa foi de Montevidéu a Buenos Aires em três horas, mas os trâmites na entrada na Argentina causaram uma enorme confusão e um grande atraso; além de muita discussão entre os representantes da empresa responsável pela travessia e os organizadores da prova. “Ao chegarmos a Buenos Aires, logo soubemos de uma brincadeira dos meninos de lá: quando veem um Fusca azul, o primeiro diz ‘Fuca’ e dá um soquinho no outro”, contou o Clayton.
No dia seguinte, procurando a saída da cidade e passando pela quarta vez pelo estádio do River Plate, eles viram uns meninos, de uniforme escolar, apontando para o Fusca e dando socos uns nos outros. Para sorte dos garotos, Fuscas são raríssimos na Argentina, diferentemente do que ocorria no Uruguai.
8o Dia: Trecho de Buenos Aires a Salto, Uruguai, 485 km. Mais uma vez a dupla andou mais do que o previsto. Desta vez, o problema foi conseguir dinheiro, pois as informações recebidas no Brasil de que era fácil tirar dinheiro nos caixas eletrônicos não se confirmaram devido à falta de uma senha especial necessária nestes casos.
Depois de muitas tentativas, conseguimos trocar alguns reais no Banco do Brasil. Cruzando o nordeste da Argentina, eles chegaram a Salto.
9o Dia: Trecho de Salto a Assunção, no Paraguai, um lance de 955 km. Um dia para cruzar três países: Uruguai de manhã, Argentina à tarde e Paraguai à noite. No interior da Argentina eles foram achacados por policiais. Como estavam quase sem dinheiro, o “pedágio” foi pago com cinco dólares e duas barrinhas de cereais. Outros competidores, com carros maiores e mais novos, também foram abordados e tiveram que pagar mais. E não tinha jeito, nem conversa, porque “aqui não é o Brasil”, dizia o chefe do posto policial. Já o guarda de fronteira paraguaio, fazendo cara de triste e dizendo que estava com muito frio, pediu um boné do rali, que eles não tinham. Quando os dois deram uma olhada dentro da salinha do guarda viram mais de quinze bonés jogados sobre uma mesa…
10o Dia: Trecho de Assunção a Foz do Iguaçu, /PR, um lance de 326 km. “Depois de tudo que passamos, até que foi um trecho bem curto, em uma estrada razoável” lembrou Clayton. “Compramos goma de mascar que, apesar da embalagem perfeita, era falsificada e perdia o sabor logo”, destacou o Emerson. O ponto de encontro para a chegada oficial do rali foi um posto Petrobrás, onde, antes de irem para o Parque das Cataratas, ocorreu uma grande festa.
Chegando ao parque, eles receberam dois troféus: um pela 5a colocação na categoria e outro por terem competido com o carro mais antigo.
Depois da confraternização, começou a longa viagem de volta, que durou 17 horas ininterruptas. O Fusquinha, porém, chegou a São Paulo em perfeito estado, precisando apenas de uma boa lavada com querosene, e uma leve regulagem de motor.
Na verdade, ao final do rali, em Foz do Iguaçu, PR, todos os outros competidores colocaram seus carros em caminhões-cegonha e rumaram para o aeroporto para tomar seus voos para casa. “Nós pegamos a Estrada e rodamos os 1.100 km até São Paulo, parando somente para abastecimentos e alimentação” lembrou o Clayton.
Este rali só vem confirmar a justa fama de valente do Fusca. O único “problema” que ocorreu foi a queima de uma lâmpada do pisca-pisca traseiro direito, devidamente substituída na Concessionária Carburgo, da cidade de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul.
Assim termina o relato deste rali com todos chegando em casa felizes e satisfeitos por terem participado desta aventura.
Resumindo: foram 6.600 km em 10 dias!
Rodando um total de 6.600 km, uma média de 660 km/dia, ou cerca de 15 horas na estrada em cada uma das dez etapas, o Fusca 1600 da dupla Clayton Consiglio — piloto — e Emerson Lehmann — navegador — gastou 600 litros de gasolina, alcançando a incrível média de 11 km por litro; mantendo uma média, conforme o diário de bordo, de 85 km/h, apesar de enfrentar muitos trechos de terra em mau estado. Vale destacar ainda que cerca de metade dos inscritos ficou pelo caminho, inclusive muitos modelos 4×4.
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E há um elo que liga o Fusca do Clayton à Parte 3 da matéria das Kombis Série Prata!
Ele foi flagrado participando do Primeiro Roncaço em plena avenida Paulista, demonstrando o seu lado de Fuscamaniaco participante, reproduzindo aqui a foto que já apareceu naquela matéria:
Em tempo, eu me identifico muito com esta matéria, pois participei como navegador no rali de regularidade CAAT ON THE ROAD 2017 – 100 MILHAS NA SERRA com o carismático Fusca do Bird Clemente, um 1967 bege Nilo, cujo empréstimo o Bob Sharp intermediou. O piloto foi o PK — Paulo Keller —; uma legítima equipe AUTOentusiasta participando na categoria principiantes.
Escrevi uma matéria cobrindo o evento O PRIMEIRO RALI NINGUÉM ESQUECE em 3 partes, com alguns esclarecimentos sobre a parte teórica do rali, muitas fotos e informações sobre este simpático evento, ocorrido no dia 27 de agosto de 2017: Parte 1 , Parte 2 , Parte 3. Duas fotos desta experiência em rali:
AG
A coluna “Falando de Fusca & Afins” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
Agradeço ao Clay, aliás Clayton Consiglio, por mais esta participação em uma publicação minha. Tenho o prazer de conhecê-lo há vários anos. A maioria das fotos desta matéria foi cedida por ele.
As demais fotos das Partes 1 e 2 foram reunidas pelo André Chun, que obteve as devidas autorizações dos detentores dos direitos autorais das fotos.
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(Atualizado em 11/03/2019, às 13h40, acréscimo de nota sobre a minha participação no rali CAAT ON THE ROAD 2017 – 100 MILHAS NA SERRA como navegador, evento realizado no dia 27 de agosto de 2017).