Quando morrem 200 passageiros num acidente aeronáutico a imprensa faz escândalo, é prato cheio para jornal, rádio, tevê e internet. A responsabilidade será apurada, a companhia aérea e o fabricante do avião são chamados às falas. As autoridades aeronáuticas são questionadas.
Mas o Brasil não se importa com os acidentes de trânsito que matam dezenas de milhares de brasileiros todo ano, cerca de 100 mortos diariamente. Um avião lotado se espatifando no solo a cada dois dias! As estatísticas indicam cerca de 40 mil mortos anualmente. E são contestadas: o número é maior pois não se computam os óbitos ocorridos horas ou dias depois do acidente. A carnificina tornou-se corriqueira e não merece atenção da imprensa nem das autoridades.
A ONU estabeleceu uma meta para se reduzir no mundo pelo menos 50% das mortes no trânsito no decênio de 2011 a 2020. O Ministério da Saúde no Brasil respondeu ao desafio lançando o Projeto Vida no Trânsito (PVT), com foco na sinalização, velocidade, criação de ciclovias e atenção a outros fatores de riscos. O projeto foi implantado em várias capitais e outras cidades com mais de um milhão de habitantes.
O resultado? Quase nenhum: a única cidade digna de nota, que se preocupou com o assunto, estabeleceu um programa objetivo , bem planejado e bateu a meta estabelecida pela ONU foi Salvador, BA..
Aliás, o governo que assumiu em janeiro de 2019 foi o que mais tocou no assunto de trânsito: ameaçou eliminar radares, alterar a pontuação dos prontuários, validade da CNH, simuladores em autoescolas, alterar placas, deu palpite (errado) a torto e a direito. Pura incontinência verbal que só traz desgaste ao próprio….
Os anteriores não foram muito melhores, pois só fizeram publicar decretos e resoluções exigindo mais equipamentos de segurança e sofisticação eletrônica nos automóveis. Mas incapazes sequer de regulamentar os bancos nas…vans escolares, que comprovadamente reduzem mortes e ferimentos graves nas crianças. Nada fizeram de concreto além de publicar decretos e resoluções. Não percebi nenhuma movimentação este ano (nem nos anteriores) para melhorar nosso sistema viário. Não vi recapeamento de asfalto, modernização da sinalização, drenagem de águas pluviais, novos acostamentos, duplicação de rodovias supermovimentadas, construção ou alargamento de viadutos, instalação de defensas metálicas eficientes, nada disso.
A rigor, interesse do administrador público federal ou estadual em realizar obras rodoviárias vai geralmente ocupar mais tarde espaço da imprensa pois propiciaram superfaturamentos gigantescos, propinas milionárias em contas no exterior e outras maracutaias às custas dos cofres públicos.
A malha rodoviária federal está em frangalhos, praticamente sem manutenção há anos. E as consequências são óbvias: buracos na pista e lombadas irregulares provocam acidentes, encarecem a manutenção, aumentam o tempo do transporte, consumo e emissões.
A fiscalização é mais que precária, quase inexistente e seus quadros não são ampliados também há anos. Os poucos policiais são verdadeiros heróis e fazem o que podem apesar da falta de equipamentos, viaturas — até de combustível —, condições mínimas de trabalho.
Este descaso do governo brasileiro nos deixa cada vez mais distantes da possibilidade de revertermos as estatísticas que nos colocam no pódio de acidentes de trânsito e entre os últimos na lista de países que poderiam receber novas tecnologias para aumentar a segurança rodoviária. Segundo a consultoria KPMG, de 2017 para 2018, o Brasil caiu do 17º para 21º lugar. Existem dezenas de novas empresas no mundo desenvolvendo softwares sofisticados para controle eletrônico do tráfego, sinalização inteligente nas rodovias, comunicação computadorizada entre veículos e entre estes e as centrais de comando e mais uma quantidade de sistemas para tornar o tráfego mais fluido e seguro. Para não falar nos dispositivos que tornarão os próprios carros mais inteligentes antes mesmo do automóvel autônomo.
Mas, como implantar toda essa sofisticação num país que sequer tem faixas adequadamente pintadas no asfalto? Ou sinalização horizontal e vertical de acordo com a padronização internacional? Nem rodovias construídas de acordo com as normas de Primeiro Mundo, salvo poucas exceções?
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
Mais Boris? autopapo.com.br