O “Clube dos 40 mil km” não para de crescer e empresas sugerem aos donos de veículos a troca de seus produtos nesta quilometragem sem nada que a justifique tecnicamente. Claro, aumentar vendas e faturamento é o objetivo de toda indústria, mas isto deve ser feito com ética,
O chute inicial foi da Cofap, que recomendava, alegando questão de segurança, que os amortecedores fossem substituídos aos 40 mil km.
É mais do que sabido não existir quilometragem definida para troca de amortecedores, nem mesmo nos planos de manutenção dos fabricantes de automóveis, pois sua durabilidade depende das condições de uso do veículo; Podem tanto estar imprestáveis aos 10 mil km quanto rodar bem mais de 100 mil e continuarem perfeitos.
Outras marcas de amortecedores resolveram surfar na mesma onda. A Monroe, em seu site brasileiro, recomendava substitui-los aos 40 mil km. Já no site americano, apesar de ter mesmo desenho, diagramação, ilustrações, fotos e informações, só diferia por estar escrito em inglês e, na parte do amortecedor, sugerir que fossem verificados a cada 80 mil km (50 mil milhas). Sem recomendar sua troca em momento algum.
Os mágicos 40 mil km estão sendo também utilizados por algumas oficinas para condenar o catalisador. Equipamento caro por conter metais nobres na sua construção, num carro novo sua vida útil no sentido de perfazer às reações químicas que eliminam as substâncias nocivas dos gases de escapamento, desde que não sofra pancadas, é de, no mínimo, 80 mil km — mínimo, pois pode ir muito além disso, desde que opere em boas condições, por exemplo, a mistura ar-combustível estar dentro do padrão.
Por ser um item caro e obrigatório, surgiu então a ideia de se produzi-los especificamente para o mercado de reposição, por preço menor, mas reduzindo a quantidade de metais nobres e a eficácia — anunciada — pela metade, mínima de 40 mil km. A partir daí surgiu a má pratica de determinadas oficinas condenarem indistintamente qualquer catalisador uma vez atingidos 40 mil km.
Esta quilometragem “mágica” está sendo usada por outra empresa que acaba de entrar para o “clube”: é a marca inglesa Lucas, especialista em equipamentos elétricos, que recomenda a troca dos cabos de ignição (foto de abertura, apenas ilustrativa), que levam corrente de alta tensão da bobina para as velas, também aos 40 mil km. Ela declara em seu comunicado à imprensa (“release”) que problemas de funcionamento do motor podem ser provocados por cabos que já atingiram esta quilometragem. Questionada, ela diz ter havido um “engano de informação”.
Não se discute que amortecedores, catalisadores e cabos de ignição podem exigir substituição, pois não conservam suas características eternamente. O mesmo com embreagem, pastilhas de freio ou pneus. O novo “sócio” do “Clube dos 40 mil” parece ignorar que estes cabos podem durar algumas centenas de milhares de quilômetros ou muitos anos, e que caso deem sinais de deterioração antes é fácil verificar visualmente seu estado quanto a ressecamentos ou rachaduras, que provocam fuga de corrente, ou sua resistência elétrica por meio de um simples ohmímetro, instrumento simples e barato, e determinar a necessidade ou não de trocá-los.
Manutenção do carro é coisa séria e pode afetar a eficiência e a segurança veicular. Mas é prática inescrupulosa e beira a chantagem emocional aproveitar-se do desconhecimento do motorista para incrementar vendas.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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