Uma das histórias de maior sucesso da F-1 dos anos 70 com certeza é da Tyrrell. Uma equipe criada e liderada com pulso firme por um homem determinado a fazer as coisas do seu jeito, e com um olho clínico para descobrir talentosos pilotos.
Durante os anos 1960, a F-1 viu diversas equipes irem e virem, muitas sem deixar marcas na história da categoria, mas a Tyrrell foi um caso à parte.
O responsável por tudo foi o homem que leva o nome da equipe, Robert Kenneth Tyrrell, um inglês nascido em Surrey no ano de 1924. Tyrrell aprendeu bastante sobre mecânica na Força Aérea Real durante a Segunda Guerra Mundial, fazendo manutenção de aviões bombardeiros Halifax e Lancaster, pois não conseguiria seguir o sonho de ser piloto por não ter completado os estudos.
Veio a se interessar por carros de corrida quando viu de perto uma prova em Silverstone, depois do fim da guerra, e tentou a carreira de piloto, ao comprar um Cooper 500-cm³ de Fórmula Júnior em 1951. Disputou algumas provas na Europa, conseguindo até uma vitória, mas logo viu que este não era seu caminho.
Em uma entrevista, ele disse: “Eu sabia que nunca seria um grande piloto. Nunca tive a ambição de ser um piloto de F-1. Você precisa além de ser talentoso, e eu não sabia o quão talentoso eu era, ter coragem. E eu não tinha essa coragem.”
Tyrrell passou seu carro para outro piloto, Michael Taylor, e o ajudou no começo, o que rapidamente apontou que seu caminho não era atrás do volante, mas sim ao lado do carro, gerenciando e mantendo o carro rodando bem. Era algo que lhe trazia prazer, e quando fazemos o que gostamos, o sucesso vem mais fácil.
Com a evolução do seu gerenciamento de carros de corrida, Ken oficializou que seria um chefe de equipe ao criar a Tyrrell Racing Organisation em 1960, para manter o time de Fórmula Júnior com carros da Cooper. Passou a ter carros de turismo também, com uma pequena equipe de Mini Coopers e também entrou na Fórmula 2. Com o tempo e experiência, esta categoria já estava num nível de competição mais avançado, mais profissional.
Ken tinha um ótimo olho para descobrir talentos. Ele sabia se um piloto seria promissor ou só fogo de palha, como dizem, e assim colocou na equipe alguns nomes bem conhecidos hoje em dia. Alguns deles, para citar, seriam: Jody Scheckter, o sul-africano que viria a ser piloto da Ferrari e campeão mundial de 1979. John Surtees, o grande piloto que foi campeão de motovelocidade e de F-1 em 1964. Também descobriu o belga Jacky Ickx, que viria a ganhar a 24 Horas de Le Mans nada menos que seis vezes.
Mas, sem dúvida, sua maior descoberta foi o escocês Jackie Stewart, que foi seu piloto ainda nas categorias menores em 1964, quando Tyrrell o trouxe da equipe Ecurie Ecosse para guiar os carros da F-3, passando para a Fórmula 2 em pouco tempo, onde já havia uma operação com carros da BRM.
Na sua escalada para as categorias de ponta, Tyrrell entrou numa parceria com a francesa Matra, que tinha carros de F-2 e queria uma equipe que levasse seu nome, e Ken daria esta estrutura. Era o começo da escalada dos últimos degraus até chegar à F-1.
Matra-Tyrrell na Fórmula 1
Jean-Luc Lagardère era o presidente a Matra na época, e já tinha bom relacionamento com Tyrrell por conta de seu trabalho na F-2, o que era meio caminho andado para fecharem algum acordo visando a F-1. Tyrrell vinha alimentando a ideia de que a Matra deveria usar o motor Cosworth DFV, um tremendo sucesso já no ano de estreia, em 1967, no lugar do complicado V-12 da Matra.
Aos poucos Ken convenceu Lagardère que seria uma boa ter um carro V-8 na equipe, mas ainda faltavam recursos, pois o forte da equipe na época eram os carros de F-2 com motores de quatro cilindros e o desenvolvimento do V-12 Matra.
Uma outra vantagem competitiva de Tyrrell era sua rede de relacionamentos. Com a ajuda da Elf, marca francesa de combustíveis, a fabricante de pneus Dunlop e ninguém menos que a Ford, levantou recursos para montar a estrutura de equipe que a Matra procurava para seu modelo com motor V-8.
Em 1968, a francesa Matra inscreveu dois modelos no campeonato da F-1, o MS11 com o V-12 próprio da equipe, e o MS10, com o V-8 Cosworth. Os MS11 correriam como equipe de fábrica (Matra Sport) e o MS10 com a equipe de Tyrrell sob o nome Matra International. Tyrrell havia conseguido chegar na principal categoria do automobilismo como chefe de equipe.
Para completar o time, Ken e Lagardère convenceram Jackie Stewart a trocar a equipe BRM onde corria na F-1 desde 1965 pela nova Matra International, que também contaria com o piloto francês Johnny Servoz-Gavin em algumas provas. O suporte que a Ford, Elf e Dunlop dariam ao time era a segurança que Stewart precisava, e claro, o fato da BRM não dar resultado esperado nem inspirar confiança a ele. O MS11 V-12 seria pilotado por Jean-Pierre Beltoise e eventualmente por Henri Pescarolo.
O MS10 Cosworth de Tyrrell
O conceito do novo Matra V-8 foi muito importante na carreira de Tyrrell. O carro foi projetado por Gérard Ducarouge, engenheiro francês com experiência aeronáutica e também no automobilismo, com projetos de F-3 e F-2. O novo carro foi criado para receber o motor Cosworth e também ser compatível com o motor Matra V-12 na versão MS11 que, diga-se de passagem, foi um dos mais belos sons que ecoaram pelas pistas do mundo.
No caso do V-8, o chassi tinha uma estrutura de aço para segurar o motor, diferente dos Lotus e do próprio MS11 que usavam o motor como parte estrutural do chassi. Era uma atitude conservadora para o novo carro, que tinha outra solução técnica diferente dos demais carros da época.
O tanque de combustível era parte integrante do chassi, posicionado atrás do piloto, similar ao que é feito hoje em dia, em uma única estrutura que deixava a construção mais robusta e leve em aproximadamente quinze quilogramas. Era uma condição nova, poderia dar uma certa vantagem à equipe de Tyrrell e aos Matra.
Não demorou muito para acertarem o MS10 e a primeira vitória veio na quarta corrida do carro, sendo apenas a segunda com Stewart ao volante, no GP da Holanda en Zandvoort. O segundo colocado foi o MS11 de Jean-Pierre Beltoise. Stewart conseguiu mais duas vitórias em 1968 e foi vice-campeão mundial. A Matra foi terceira colocada no campeonato de construtores.
Para o primeiro ano da Matra International, era uma alegria enorme, quase como de um campeonato. Mas Tyrrell era rígido, exigente, e já previa que o próximo ano poderia ser um sucesso ainda maior se todos se dedicassem, melhorando mais o carro para ser mais rápido.
Em 1969, a Matra lançou o MS80, uma evolução do MS10, também com motor Cosworth DFV. A expertise de Ducarouge no projeto do chassi fez com que o tanque fosse retirado de trás do piloto, dividido em dois e posicionados nas laterais do carro. O formato do chassi ficou conhecido como formato de garrafa de Coca-Cola.
O motor agora seria montado diretamente no chassi, como era no MS11 e em vários outros F-1 da época. A suspensão também foi reprojetada e o carro ganhou melhorias aerodinâmicas. Foi outro sucesso. Stewart conseguiu seis vitórias e foi campeão mundial com ampla vantagem para o segundo, Jacky Ickx, de Brabham, que venceu de forma brilhante a prova na Alemanha.
Além do MS80, a equipe Matra e Tyrrell desenvolveram uma versão especial de tração integral, para ser usada em corridas na chuva. Era o MS84, criado por Bernard Boyer juntamente com Derek Gardner e a Ferguson, responsável pela transmissão. Era uma tecnologia que estava sendo usada na época onde diversas equipes estavam trabalhando em carros de tração integral.
O fim da parceria com a Matra
Em 1970, a Matra foi comprada pelo grupo Chrysler, mais especificamente pela Simca, sua divisão europeia. Com a marca francesa sob domínio de um grupo americano, logo surgiram problemas para a equipe de Ken Tyrrell. Ele teria que aceitar os motores Matra nos carros de sua equipe, pois não aceitariam um motor Ford.
Se Tyrrell quisesse continuar a correr com motores Ford, não teria mais o chassi Matra. Homem de personalidade forte, não demorou para que demonstrasse sua insatisfação em ser forçado a correr com os V-12 pouco confiáveis da Matra, e rompeu seu acordo com a marca.
Era a hora de Tyrrell seguir seu caminho e construir o que faltava na sua equipe: seu próprio carro. Ken não contaria para ninguém seu plano. Apenas quatro pessoas além de Tyrrell sabiam de seu plano. Sua esposa, Jackie Stewart que seria o piloto do novo carro, Derek Gardner que seria responsável pelo projeto, e Neil Davis, seu funcionário de confiança que trabalhava como um líder de oficina.
Entre Tyrrell e Gardner bastou apenas um aperto de mãos depois de uma “reunião” num pub inglês e pronto, acordo firmado para o projeto e total confidencialidade. Tanto a palavra de Tyrrell como de Gardner eram suficientes. Bons tempos.
Para não ficar sem carro e sem Jackie Stewart na temporada, Tyrrell comprou um March 701 da equipe de Max Mosley (sim, o conhecido chefe da F-1 e que foi presidente da FIA), também com motor DFV V-8. Ao longo da temporada, conquistou uma vitória, dois segundos lugares e um terceiro lugar, além de vários abandonos.
O primeiro Tyrrell nasceu em uma garagem
Em paralelo, na garagem de Derek Gardner, o primeiro modelo do carro estava sendo construído em madeira. Neil levou um conjunto de motor e transmissão reserva da equipe para Gardner usar de referência, e aos poucos o primeiro carro da Tyrrell tomava forma. Stewart frequentemente visitava Gardner para apurar o decorrer do projeto e ajudar nas questões de ergonomia e ideias e dar ideias. As peças eram entregues diretamente para Gardner, em sua casa. Qualquer um que perguntasse, mesmo os próprios fornecedores, teria uma resposta bem vaga, como “estamos fazendo um carro para F-5000”.
Quando a construção do carro começou para valer, a “fábrica” passou da garagem da casa de Gardner para um galpão na propriedade de Ken Tyrrell, onde havia o negócio madeireiro da família, em Surrey, na Inglaterra. Outros poucos funcionários de confiança de Tyrrell foram envolvidos, sob a condição de ser em total segredo.
O chassi foi feito em alumínio por Maurice Gomm, um especialista na fabricação de carros e mestre no manuseio do metal, nos mesmos moldes do MS80, um carro de sucesso e conhecido de todos neste projeto. Era uma fórmula já testada e aprovada, e poderia ser melhorada, ainda mais sem a Matra dando pitacos ou impondo regras para as modificações no carro.
Como parte das propostas de melhoria em relação ao MS80, o novo Tyrrell teria a asa dianteira montada mais alta, acima do bico do carro. A entrada de ar do radiador, que naquele tempo comumente era montado na frente do carro, ficava abaixo da asa. O carro lembrava um tubarão cabeça-de-martelo. Na traseira, um aerofólio baixo foi montado próximo ao conjunto do motor.
Ao longo de 1970, o projeto que ficou conhecido como SP, de Special Project, e depois batizado de 001, em alusão ao primeiro carro da Tyrrell, foi evoluindo enquanto Jackie Stewart disputava a temporada com o March, que era um carro rápido mas problemático e nada confiável, deixando o escocês na mão várias vezes.
Ao final de cada corrida, a equipe empacotava todo o equipamento e rapidamente voltava para sede da Tyrrell, para trabalhar no novo carro. Ron Dennis, que na época trabalhava para a equipe Brabham, desconfiava que algo estava acontecendo na Tyrrell, chegando até a questionar o que eles estavam tramando, obviamente sem conseguir uma resposta.
Com o carro finalmente pronto, Ken Tyrrell chamou uma coletiva de imprensa em Londres para mostrar seu novo projeto no dia 17 de agosto de 1970. A estreia do 001 seriana corrida de Oulton Park chamada Gold Cup, em 22 de agosto, menos de uma semana depois, mas que não valia pontos para o campeonato. De repente, a equipe de Ken Tyrrell passou de cliente para fabricante de carros de F-1.
O novo Tyrrell manteria a cor azul clara que usava desde sua estreia em 1968, uma vez que a Elf manteve o patrocínio para a equipe, mesmo sem os franceses das Matra. A equipe foi renomeada para Tyrrell Racing Organisation.
Não foi exatamente uma estreia de sucesso, mas o carro era muito rápido. Stewart conseguiu bater o recorde da pista diversas vezes seguidas com o 001. No total, ele baixou o recorde da pista em dois segundos.
Pequenos problemas mecânicos atrapalharam o desempenho do carro, como problemas no cabo do acelerador. Stewart não conseguiu terminar a prova por problemas no motor. A imprensa da época ficou dividida, sendo parte cruel e chamando a estreia de patética, e outra parte elogiando o carro, o piloto e a equipe, que conseguiram fazer um carro do zero que se mostrou rápido na estreia. Vale lembrar que o 001 praticamente saiu da oficina para a primeira corrida, sem uma sessão de testes, impensável hoje.
Nas demais corridas do ano, Stewart novamente mostrou que o 001 era rápido, mas ainda não era confiável. Sempre pequenos problemas mecânicos tiravam as chances de mostrar todo o potencial do carro, e assim o carro não completou nenhuma corrida em 1970.
Em 1971, na primeira corrida do ano em Kyalami (África do Sul), Stewart ainda com o 001 conseguiu a pole position e o segundo lugar na corrida, atrás apenas de Mario Andretti com Ferrari. Ken Tyrrell e sua equipe já tinham preparado uma evolução do carro, chamada de 003, que estreou com vitória na segunda corrida do campeonato, na Espanha. Seria o ano do título mundial de Stewart, vencendo seis corridas com o 003.
A última corrida do 001 foi ainda em 1971, no GP do Canadá, com o americano Peter Revson, mas o carro teve problemas e não terminou a corrida. Depois disso, foi aposentado de vez, já que o novo e melhorado 003 era um grande sucesso.
A equipe de Ken Tyrrell ganhou três campeonatos mundiais (1969 ainda com o chassi Matra, 1971 e 1973 com o Tyrrell), todos com Jackie Stewart.
Outro ponto inovador que Ken Tyrrell implantou na sua equipe foi o merchandising. Ainda nos anos 70, ele viu que os custos da categoria e da fabricação dos carros estava aumentando, e os patrocinadores faziam exigências cada vez maiores para bancar os custos da equipe. Tyrrell, junto com seu filho Bob, teve a ideia de criar uma linha de produtos da equipe.
Em cada Grande Prêmio, a equipe montava uma barraquinha com produtos da própria marca. Roupas, acessórios, miniaturas dos carros da equipe. Também era possível comprar seus produtos por correspondência e receber em casa pelo correio. Era o precursor das lojas online de hoje.
Esta era uma forma de levantar mais recursos para a equipe e também alegrar os patrocinadores, pois divulgando o nome da equipe e criando um público de torcedores, os patrocinadores automaticamente eram associados a Tyrrell. Era uma condição ganha-ganha. O grande sucesso do merchan de Tyrrell veio anos depois com o P34 de seis rodas, mas esta é outra história.
MB