Quando começamos a contar a história do Copersucar-Fittipaldi aqui no AE, falamos da criação da equipe e sua estrutura, assim como os avançados conceitos que marcaram o FD01 como um carro à frente de seu tempo. A aerodinâmica criada por Ricardo Divila seguia conceitos que focavam na redução do arrasto total do carro para ser veloz.
Os testes realizados no Brasil mostravam que o carro tinha potencial. Todos sabiam que o carro não nasceria um vencedor, e que teria que evoluir ao longo de muitos testes e corridas. A primeira prova de fogo seria o Grande Prêmio da Argentina de 1975, no Autódromo Municipal Cidade de Buenos Aires, em 12 de janeiro.
A corrida argentina seria a estreia do Copersucar na F-1 e também a primeira corrida do carro da equipe da casa, criado por Oreste Berta, o Mago de Alta Gracia. A expectativa era grande pelo carro de Berta pilotado por Néstor Garcia Veiga, mas problemas no motor durante os treinos tiraram o carro do grid de largada. Os olhares atentos aos novos carros latinos voltaram-se para o Copersucar com total exclusividade.
Wilsinho fez os treinos com todo o cuidado e atenção para conhecer o FD01 na pista argentina, entender seu comportamento e verificar os possíveis problemas. Chegou a andar com uma versão do scoop de admissão de ar para o motor mais elevada, similar à versão com uma tomada preta que andou nos testes em Interlagos, mas para a corrida a equipe optou pela carroceria com a admissão mais baixa.
Problemas logo apareceram. O carro não era veloz nas retas como os adversários e a embreagem estava com defeito. Alguns ajustes na relação de marchas e o desempenho melhorou um pouco, mas ainda estava longe dos demais.
Na classificação, Wilsinho fez o que pode, com o carro novamente enfrentando problema na embreagem e também no sistema de alimentação de combustível, que mais tarde seria identificado como a bomba de combustível defeituosa. Isto limitava o desempenho do motor nas retas e retomadas de curva. Para piorar, a suspensão não ia tão bem. Ainda assim, completou nove voltas e ficou em último lugar no grid, cinco segundos atrás do penúltimo colocado, Mike Wilds com o BRM inglês. O FD01 ficou onze segundos atrás do pole, o Shadow de Jean-Pierre Jarier.
Eram as dificuldades de um novo carro, em uma nova pista, em novas condições. Testar o carro incansavelmente em Interlagos ajudou a preparar todos da equipe e a melhorar o carro, mas quando fatores como o circuito e o tempo disponível são alterados, tudo pode mudar. O circuito de Buenos Aires era diferente de Interlagos, o carro se comportava de maneira diferente. A pressão sobre a equipe para cumprir os horários dos treinos e da corrida era outro fator importante, uma vez que durante os treinos, há tempo para trabalhar no carro, enquanto que em um Grande Prêmio, os horário são rígidos e apertados.
Mesmo largando de último, bem atrás do tempo dos primeiros colocados, era uma vitória para Wilsinho. Ele finalmente largaria com o seu F-1 em uma prova oficial do campeonato. No começo da corrida, o FD01 pulou na frente do BRM de Wilds e ainda ganhou a posição de Jarier, que não largou pois o câmbio quebrou na volta de apresentação. Também ganhou mais três posições de carros que pararam nos boxes e assim completou a primeira volta em 18° lugar.
Volta após volta, Wilson ganhava confiança no carro e baixava cada vez mais o tempo de volta, conseguindo ser três segundos mais rápido que o tempo dos treinos. Estava se aproximando do carro à frente, o Lola de Graham Hill, e pelo ritmo que vinha, poderia brigar pela posição.
Na volta número treze, uma quebra em um terminal da suspensão traseira fez com que o FD01 perdesse o controle e batesse de lado no guard rail. Rapidamente a avaria no carro transformou-se em um incêndio, tragicamente algo comum e assustador na época, e consumiu parte do carro.
Wilsinho já estava fora do FD sem ferimentos físicos, apenas a dor no coração de ver o F-1 brasileiro queimando em sua frente. Era o fim da estreia do Copersucar na Fórmula 1. Emerson Fittipaldi venceu a corrida com o McLaren, o que provavelmente ajudou o time brasileiro na tristeza da primeira corrida perdida.
A equipe não se abalou com o ocorrido. Wilsinho manteve a cabeça erguida e levou o carro de volta para a oficina em São Paulo, prédio que existe até hoje do outro lado da rua do portão 7 do Autódromo de Interlagos, na Avenida Senador Teotônio Vilela n° 450, para recuperá-lo a tempo da próxima corrida, justamente o GP do Brasil, em Interlagos.
Duas semanas depois da etapa em Buenos Aires o carro estava recuperado e já modificado com melhorias. Viria a ser o FD02.
As versões testadas antes da primeira corrida
Durante as fases de desenvolvimento do FD01, algumas versões de pacote aerodinâmico foram testadas antes da primeira corrida na Argentina. É um processo normal no desenvolvimento de qualquer veículo, de corrida ou não. Testam-se vários conceitos até encontrar a melhor opção.
No caso do Copersucar, o conceito de Divila do carro otimizado para melhor coeficiente de resistência aerodinâmica com os radiadores traseiros, diversas formas de captação de ar na carenagem traseira foram testadas. Carenagens lisas, sem aberturas, com tomadas de ar tipo Naca, com abertura tipo grelha, e assim por diante.
A dianteira do carro, ponto visivelmente alterado ao longo da temporada, também já havia sido testada com a versão que viria a ser montada posteriormente, com o bico curto, inclusive com um radiador montado na frente do carro. Esta ideia foi descartada por Divila, de acordo com ele, por prejudicar a velocidade de reta e o peso adicional da tubulação levando a água do motor até a frente do carro.
A evolução do Copersucar, o FD02
Com o aprendizado acumulado nos testes no Brasil e na corrida da Argentina, era certo que o projeto tinha que ser alterado. Ricardo Divila abandonou o conceito dos radiadores traseiros e da pequena tomada de ar de admissão do motor. Eram ideias ótimas no papel mas que no carro real não funcionaram como o esperado. O FD02 recebeu radiadores laterais, como os outros F-1 da época, e ganhou um scoop para captação de ar para o motor. A asa dianteira montada sobre o bico do carro permaneceu, similar à que era usada na Ferrari.
A cobertura da parte traseira que envolvia motor, transmissão e os radiadores foi retirada, deixando os componentes a mostra como na maioria dos outros carros da época, o que ajudava no arrefecimento mas prejudicava um pouco a aerodinâmica.
As alterações do FD02 já haviam sido estudadas por Ricardo antes mesmo da primeira corrida na Argentina. “O FD02 era uma variação de radiador, lateral ao invés de traseiro. previstos para serem testados no GP do Brasil caso tivéssemos problemas de temperatura nas corridas quentes (Brasil, África do Sul). O modelo original todo carenado era para os circuitos de alta, com retas longas e curvas rápidas. Acabamos usando já em Interlagos, no GP, pois o 01 ficou muito danificado no acidente de Buenos Aires e não tivemos tempo de refazer tudo,” contou Divila anos depois.
Na prova em Interlagos, o FD02 foi mais rápido que o FD01 em todos os testes feitos até então. Na classificação para a corrida, foi mais rápido inclusive que os carros de Mike Wilds e Rolf Stommelen, largando em antepenúltimo. Era um avanço para a equipe e que melhoraria ainda mais na corrida.
Wilsinho conhecia muito bem Interlagos e o tempo que investiu testando o Copersucar davam uma boa vantagem para ele perante as limitações do carro. Durante a corrida, foi aos poucos superando os rivais, até chegar ao 13° lugar, posição que conseguiu manter até o fim da corrida, vencida por José Carlos Pace com Brabham e Emerson em segundo com McLaren. Era uma vitória para Wilson e para a equipe, conseguir terminar o GP do Brasil a frente de diversos competidores que não tiveram a mesma sorte.
Foi uma corrida que mereceu muita comemoração. Dobradinha brasileira no pódio e o Copersucar completando a corrida. O caminho parecia que estava clareando para a empreitada brasileira na F-, mas as próximas corridas foram mais parecidas com o GP da Argentina do que com o do Brasil.
Na prova seguinte, em Kyalami na África do Sul, Wilsinho não conseguiu andar bem e não se classificou,, pois o seu melhor tempo ainda estava fora do mínimo necessário (7% maior que o do pole position) para poder largar. Tentou dar uma “carteirada” com uma autorização para largar dada por Claude Le Guellec, que era comissário ligado à FIA, mas não adiantou. Ficou mesmo de fora do grid.
Na corrida seguinte, na Espanha, deu apenas uma volta na corrida e voltou para os boxes, largando em 21° na frente de alguns competidores. Em Mônaco, também não conseguiu se classificar para largar.
Na Bélgica, no circuito de Zolder, Wilsinho conseguiu largar em último, na 24ª posição, manteve-se na pista e conseguiu completar a corrida em 12° lugar, o último a completar a prova. Foi a segunda corrida que o Copersucar conseguiu terminar, mas ainda estava bem longe de ser um resultado esperado pela equipe.
A próxima etapa, na Suécia, marcou a última corrida do FD02, que largou em último e chegou apenas em 17°.
Mais uma versão, agora FD03
O time estava trabalhando em mais um pacote de melhorias para o carro, que foi renomeado FD03, e estreou na corrida da Holanda, em Zandvoort. O carro, ainda baseado no FD01 original, teve mudanças na suspensão e ajustes na aerodinâmica da dianteira, que tinha abandonado o conceito da asa elevada já em Mônaco, como previsto por Divila na fase de projeto, com o pacote aerodinâmico para pistas lentas.
Wilsinho tinha certeza que o carro agora estava indo no caminho certo. Afirmou na época que era a melhor versão do Copersucar que tinhs guiado até então. Largou em último, mas a menos de quatro segundos do tempo do Ferrari de Lauda que ficou com a pole. Na corrida, foi ganhando posições e mantendo um bom ritmo até terminar em 11°, com tempos de volta a menos de três segundos da melhor volta da corrida. Além da boa velocidade, o carro não apresentou problemas.
A aerodinâmica arrojada do FD01 era melhor na teoria que na prática. As mudanças que foram feitas ao longo da evolução do FD mostraram que as melhores versões eram as mais convencionais e parecidas com os rivais. Uma possível versão do porquê o FD01 não foi tão bom quanto o esperado era justamente o que foi feito no túnel de vento da Embraer. O túnel de vento era feito para testar aviões, que ficam no ar longe do chão. O túnel foi adaptado para testar um carro e tinha que simular um piso, mas este era estático, parado em relação ao carro.
Nos túneis de vento modernos, o piso é móvel, como uma esteira que se move para simular que o carro está andando para frente, com as rodas girando. A diferença de comportamento do fluxo de ar por conta do efeito do piso móvel versus o piso fixo usado nos testes do FD01 é uma possibilidade do que atrapalhou a teoria de Divila. Na época, assumiam que a confiabilidade dos resultados do túnel para aviões era na casa dos 90%, enquanto que para um automóvel, estimaram um nível perto de 60% de acerto.
Voltando ao campeonato de 1975, novos problemas na França, Inglaterra, Alemanha e Áustria, nesta última com um acidente que tirou Wilsinho da disputa da corrida seguinte, na Itália, por conta de uma fratura na mão. O italiano Arturo Merzario foi escalado para correr em Monza, terminando em 11° lugar largando de último. Wilsinho voltou ao FD03 na última corrida do ano, em Watkins Glen nos Estados Unidos, onde largou em último e terminou em 10° lugar.
As duas últimas provas do ano mostraram que o carro estava ficando mais resistente, e também mais veloz, diminuindo a diferença de tempo de volta para seus adversários. A cada prova, pequenas correções e melhorias eram feitas no carro, conforme os problemas apareciam e também novas ideias surgiam para aprimorar o conjunto.
Com o fim da temporada, a equipe poderia se concentrar e ter grandes mudanças para 1976. A inconsistência durante o ano apontavam para mudanças necessárias no conceito do carro e também no aprendizado da equipe.
As mudanças para o ano seguinte
O patrocínio da Copersucar estava confirmado para o ano seguinte, condicionado ao fato de que o time precisava mostrar melhores resultados. A equpr decidiu que tentaria correr com dois carros, mas Wilsinho não mais iria pilotar o Copersucar. Um dos pilotos para seu lugar seria o jovem Ingo Hoffmann, então correndo com bons resultados na Fórmula 3 inglesa, agora contratado como segundo piloto da equipe. No lugar de Wilson, o primeiro nome a entrar na lista foi o de Emerson.
Em discussão com Jorge Atalla, presidente da Copersucar, os Fittipaldi acertaram que Emerson seria o piloto principal. Ele receberia para correr na equipe brasileira o algo similar ao que ganhava na McLaren pelo o que contam alguns relatos da época. A vontade de Emerson correr com o carro brasileiro desde os primeiros testes do FD01 não era segredo para ninguém, além do fato da pressão de Atalla em ter um piloto de nome forte na equipe. Foi uma surpresa para todos na F-1, já que o bicampeão do mundo trocaria a grande McLaren por uma equipe recém-criada e que mostrou muitos problemas.
Era uma aposta arrojada de Emerson. Por um lado, mostrava que ele confiava no que seu irmão estava fazendo e tinha perspectivas positivas para o Copersucar. Por outro, era o risco de largar uma equipe vencedora no auge da carreira e ainda com chances de ser novamente campeão mundial. As negociações para sua renovação com a McLaren não estavam andando como ele gostaria, com a assinatura do contrato muito demorada, não agradando em nada a Emerson. Ele já era bicampeão, podia passar para um próximo desafio, como o de correr e vencer com uma equipe e um carro próprio.
A saída de Fittipaldi da equipe inglesa gerou não apenas surpresa, mas uma certa revolta da Marlboro-Texaco, os principais patrocinadores da McLaren. Ameaçaram inclusive retirar totalmente o patrocínio da F-1, alegando que Emerson teria quebrado o contrato com eles e isto não era ético e não se envolveriam em eventos deste tipo. Tudo pressão para tentar segurar o bicampeão.
A cooperativa de Atalla tinha o primeiro F-1 brasileiro como seu garoto-propaganda, sendo visto ao redor do mundo todo, e não queria perder esta divulgação de forma alguma, e fazia bom uso da imagem.
Para 1976, com Emerson ao volante e Divila trabalhando em um novo carro, as expectativas eram altas. O futuro da Copersucar-Fittipaldi poderia ser mais promissor que em 1975. A história continua.
MB