A história da equipe Copersucar-Fittipaldi começou em 1974, nas preparações do primeiro F-1 brasileiro para a estreia no campeonato mundial de 1975. Ao longo da temporada, o FD01 evoluiu para suprir dificuldades que surgiam ao longo do tempo. Melhorias foram feitas e assim vieram tanto o FD02 como o FD03. A base, entretanto, era a mesma nos três modelos. Todas as variantes eram modificações oriundas do primeiro carro.
Como as alterações no projeto estavam cada vez mais distantes do conceito original e no fim do ano pouca semelhança havia com o FD01, a equipe partiu para um novo projeto, com mais recursos a serem explorados, que seria chamado de FD04. Ricardo Divila utilizou a experiência acumulada ao longo de 1975 para desenhar um chassi e carroceria novos, mais convencionais e similares aos concorrentes da época. Bico dianteiro baixo, radiadores laterais, tomada de ar elevada para o motor, tudo como se via no restante do grid.
O FD04 teve outras inovações como uma das primeiras versões das saias laterais de vedação do assoalho para ajudar na aerodinâmica, conceito que seria usado alguns anos depois nos carros projetados com o efeito solo, que contamos aqui no AE anteriormente.
O carro nasceu com duas opções de asa dianteira (além de pequenas variações destas duas opções), dependendo do tipo de pista. Uma versão era a asa única avançada, como se fosse um anexo ao bico do carro. No FD01, ela era montada mais elevada, enquanto que no novo carro, a asa ficaria mais perto do solo, à frente do bico integrado à carroceria. Tal tipo de montagem era parecido com o que era usado no Hesketh 308 de 1975. A segunda versão era com duas metades montadas ao lado do bico, parecida com da McLaren M23 ou mesmo no seu antecessor, o FD03.
Divila e seu time também criaram no bico do carro pequenas superfícies na frente das rodas dianteiras, que desviavam o ar para cima, para que o fluxo fosse mais suave e não se chocasse diretamente com os pneus. Este recurso era usado em outros carros da época, com algumas variações de formato. Era comum fazer algum tipo de cobertura que desviasse o ar das rodas dianteiras. Isto ajudava a melhorar o arrasto, uma vez que o ar passaria sobre as rodas, e não iria de encontro a elas.
O carro tinha uma carroceria baixa, sempre o mais baixa possível, característica notada na diferença de altura do começo do habitáculo para as laterais do bico. Os radiadores laterais perto do motor não seriam um problema como foram no FD01. A parte traseira da carenagem do carro permaneceria como no FD03, apenas parcialmente coberta.
O chassi de alumínio foi redesenhado para melhor casar com a nova configuração de carroceria e suspensão, agora sem os amortecedores inboard, com espaço previsto para os radiadores laterais e a nova aerodinâmica. Divila conseguiu tirar quase trinta kg de peso do carro comparado com os anteriores. Excelente número para um fórmula, que já é bem leve.
O aprendizado do primeiro ano mostrou que era importante ter um carro fácil de ser regulado para cada pista, com opções de ajuste rápido. A suspensão foi montada em pequenos suportes desmontáveis, que rapidamente podiam ser alterados para modificar a geometria e fazer um ajuste mais refinado do carro, melhor adequando a suspensão para cada pista.
Wilsinho Fittipaldi gerenciava a equipe e também pilotava o carro na temporada de 75, mas agora contaria com seu irmão, já bicampeão mundial, para pilotar o Copersucar. O jovem Ingo Hoffmann, futuro multicampeão da Stock Car brasileira, teria um lugar na equipe para mostrar seu talento.
Ainda se falava muito pelos bastidores da categoria sobre a opção de Emerson ter deixado a McLaren para correr na equipe de seu irmão. Para muitos, uma grande besteira que colocaria fim na sua carreira vencedora. A imprensa nacional não colaborava, publicando notícias que atacavam tanto ele como a equipe, por conta dos resultados de 1975 não terem sido bons.
Testes em Interlagos mostraram para o time que o FD04 era promissor. Emerson conseguiu superar os tempos dos primeiros FDs em alguns segundos, chegando a bater o recorde da pista em uma das sessões de teste. Fittipaldi ficou surpreso com o equilíbrio do carro, na época teceu elogios aos montes. Um dos entusiastas da empreitada dos irmãos Fittipaldi era o piloto da Ferrari, o suíço Clay Regazzoni, vice-campeão mundial de 1974, que também falou muito bem do carro pelos testes que acompanhou.
A seguir um vídeo que mostra gravações da época com o FD04 e trechos de entrevistas com Wilsinho e e o jornalista Lemyr Martins, jornalista que acompanhou de perto a saga do FD. Há alguns trechos falando do autódromo de Interlagos também.
A primeira corrida do ano de 1976 seria justamente em Interlagos, uma vez que o GP da Argentina daquele ano havia sido cancelado por discordâncias de datas com a organização da F-1. Era uma tarefa dura, estreia de um carro novo na frente de todo o público brasileiro ávido por resultados.
Emerson correria com o novo FD04 de número 30 e Ingo Hoffmann largaria com o FD03 número 31. Pela primeira vez dois Copersucars iriam alinhar para a mesma corrida. Os treinos livres só seriam melhores se Emerson tivesse feito o melhor tempo. O carro era muito bom, equilibrado, e ficou com o terceiro melhor tempo, atrás apenas dos Ferraris de Niki Lauda e Clay Regazzoni, a menos de um segundo do melhor tempo.
A opção de asa dianteira feita por Divila e Emerson era a configuração da asa única. Chegaram a andar com a asa “dupla” mas entenderam que a asa maior daria um melhor resultado. A asa dupla seria usada posteriormente na temporada.
Na classificação para formação do grid de largada, Emerson não conseguiu melhorar o tempo dos treinos, mas ainda assim largaria em quinto lugar, a menos de um segundo da pole position de James Hunt com o McLaren M23. Ingo largaria em 20° lugar com o FD03, com um tempo sete segundos mais lento que de Emerson.
Abaixo outra gravação do FD04 em Interlagos, com cenas do carro nos boxes sendo preparado para andar.
Na corrida, Emerson chegou a ficar em quarto lugar na primeira volta, mas o motor Cosworth começou a falhar e aos poucos foi perdendo posições. Com o problema no motor não sendo constante, depois descoberto que a causa era uma falha no sistema de injeção de combustível, pois em algumas voltas o carro andava bem, e Emerson até conseguia recuperar algumas posições, mas não adiantou muito. Os problemas voltaram e o FD04 terminou em 13° lugar.
Ingo manteve-se na pista com uma corrida regular e equilibrada com o FD03. Conseguiu conquistar o 11° lugar, inesperadamente à frente de Emerson com o novo carro. A torcida comemorou mais o resultado de Ingo do que a corrida com altos e baixos de Fittipaldi. Esta seria a última corrida do FD03. Para mais três etapas da temporada de 1976, Ingo correria com o segundo chassi do FD04 ao lado de Emerson.
Na corrida seguinte, no circuito de Kyalami na África do Sul, apenas o FD04 de Emerson estaria inscrito. O bom desempenho em Interlagos não se repetiu, e o carro largaria apenas em 21°. Mesmo com algumas ultrapassagens e um ritmo de corrida melhor que nos treinos, o carro não terminaria a corrida por problemas no motor.
A suspensão fixada nos suportes ajustáveis era boa para aumentar a gama de regulagens do carro, mas afetava a rigidez do conjunto. Em pistas mais lentas, onde as forças laterais nas curvas são menores e o chassi sofre menos, o carro ia melhor. Nas pistas de alta velocidade, o carro não ia tão bem, possivelmente por conta da flexibilidade do conjunto que não garantia a boa geometria calculada na teoria.
A corrida nos Estados Unidos teria novamente dois carros da Copersucar no grid, agora dois FD04. Novamente os tempos de classificação não eram bons, e Emerson conseguiu apenas o 16° lugar. Ingo ficou a menos de um segundo do tempo de Fittipaldi, mas não foi o suficiente para conseguir se classificar para corrida. Apenas um FD iria largar em Long Beach.
Emerson largou bem, mas ainda no começo da corrida levou uma pancada e caiu para as últimas posições. Foi de pouco em pouco se recuperando, desviando dos acidentes e ultrapassando os competidores como pôde, até que no fim da corrida, depois de uma bela disputa com Jean-Pierre Jarier, de Shadow, conseguiu o sexto lugar e assim marcou o primeiro ponto da história da Copersucar.
Era mais uma vitória da equipe, liderada por Wilsinho Fittipaldi que comandava tudo dos boxes, junto com Divila e seus fiéis colaboradores que finalmente viram um resultado concreto do carro, revertido em um simbólico ponto no campeonato da F1.
A F-1 MUDA O REGULAMENTO, FD04 PASSA POR MUDANÇAS
Para a corrida da Espanha, um novo regulamento técnico entra em vigor na Fórmula 1 e alterações significativas foram feitas no FD04. Sem mudar o nome do modelo, a nova carroceria teria um novo bico baixo com aerofólio lateral duplo, sem mais a asa única que era usada até então. As grandes tomadas de ar para alimentação do motor foram eliminadas pelo regulamento, assim os projetistas teriam que achar outras formas de captar ar fresco para o motor. O FD04 teria duas pequenas entradas, uma de cada lado do “Santo Antônio”, o arco de proteção para o caso de capotagem. Em algumas etapas o FD04 correu sem estas captações, com o motor admitindo ar diretamente pelas cornetas dos coletores.
A pista espanhola viu várias equipes testando novas variações de carroceria por conta do novo regulamento, e na Copersucar não foi diferente. Divila já havia provisionado algumas versões diferentes tanto do aerofólio dianteiro como do traseiro. Lemyr Martins escreveu em uma reportagem da época que para não confundirem as versões, deram até apelidos a cada uma delas. Só na asa traseira podia-se escolher entre a “Banana”, o “S” e o “Gilete”.
Diferentes tomadas de ar do motor também foram testadas, em um casamento com diferentes opções de altura do para-brisa, que afetava diretamente o fluxo de ar que chegava na captação para o motor. Sem o periscópio para pegar o ar lá no alto, qualquer elemento da carroceria que fosse um pouco mais alto afetaria o fluxo de ar para o motor.
Com todas as mudanças, o FD04 ficou 10 kg mais leve. Outras equipes também reduziram o peso dos carros, mas para a Copersucar era um ótimo número, pois o carro já era mais pesado que a maioria dos rivais, especialmente os carros de ponta.
Ingo sofreu com problemas desde o primeiro treino e não largou. Emerson conseguiu se qualificar nas últimas posições mas na corrida não teve nada além de problemas. Abandonou nas primeiras voltas com defeito na transmissão.
O restante da temporada foi recheada de mais dificuldades. Ingo tentaria se classificar apenas para a prova da França, mas falhou e não largou. Emerson não conseguiu se qualificar para largar na Bélgica e não terminou as corridas da Suécia, França, Áustria, Holanda, Canadá e Japão. Os problemas variavam de panes no motor, na transmissão, na parte elétrica e também acidentes de pista.
Em Mônaco e na Inglaterra, Emerson conseguiu levar o FD04 novamente para o sexto lugar. No Principado, Fittipaldi se classificou bem para largar em sétimo. Aproveitou os treinos para fazer mais testes com outras alterações criadas por Divila para a carroceria. Fizeram uso do clássico método das fitinhas coladas na carroceria: elas apontam o caminho do ar passando pelo carro, como em um túnel de vento, mas em tempo e condições reais.
Na corrida, brigou bastante com os problemas do carro para superar o freio falhando e o câmbio dando sinais de que não aguentaria até o final, mas conseguiu manter-se na pista e garantir mais um ponto para a equipe. Foi um bom resultado depois de duas corridas desastrosas.
Na Inglaterra, depois de muita confusão com duas largadas, Emerson largou do final do grid mas correu bem e cruzou a linha de chegada em sétimo. E, ainda por cima, se deu bem com a desclassificação do vencedor James Hunt, ganhando uma posição e um pontinho no campeonato. Mais dois pontos para a Copersucar nestas duas provas.
As outras três corridas que o FD04 completou foram o GP da Alemanha, em Nürburgring, ficando em 13°, depois um 15° lugar no GP da Itália e um 9° lugar em Watkins Glen, nos EUA. Era a segunda temporada da Copersucar, e ao contrário do que muitos falaram na época, os três pontos ganhos foram positivos. Até hoje há equipes que passam anos correndo sem marcar nenhum ponto.
A PRIMEIRA AJUDA INTERNACIONAL NO PROJETO
Durante o ano, mais um reforço para o time de desenvolvimento do Copersucar chegou. Maurice Phillippe foi contratado para trabalhar com Divila como consultor técnico. Divila sempre atuou como diretor técnico da equipe e também projetista, e gerenciava o time de projetos. Phillippe foi um dos membros do projeto dos Lotus 49 e 72, este último com o qual Emerson conquistou seu primeiro título mundial.
Maurice deveria seguir o desenvolvimento do FD04 na base montada na Inglaterra. Divila investia boa parte de seu tempo na fábrica perto de Interlagos. Algumas alterações propostas foram implementadas mais para o final da temporada, como uma modificação na tomada de ar, uma nova asa traseira, e um sistema de arrefecimento da transmissão. Nas palavras de Divila, Phillippe era um verdadeiro gentleman. Deixou a equipe no fim do ano.
O FD04 foi um carro que agradou bastante a Ricardo Divila, talvez seu favorito na história da equipe. Mesmo tendo falhas e abandonado diversas corridas por problemas mecânicos, era um carro veloz. Ele conta que Patrick Head, projetista da Williams na época, se inspirou no FD04 para fazer o Williams FW6, um ótimo carro que deu o primeiro pódio para a história da Williams com Alan Jones ao volante.
Mesmo com pequenos ganhos ao longo da temporada, Wilsinho Fittipaldi precisava de resultados, uma vez que tudo gira em torno de dinheiro, e na F1 dinheiro só aparece se o carro aparece. Ou seja, sem bons resultados, os patrocinadores abandonam o barco. A Copersucar ainda acreditava na equipe, mas por quanto tempo? O contrato especificava o quanto de divulgação era necessária por parte da equipe, com cifras definidas de investimento. Os interesses econômicos e políticos por trás do patrocínio poderiam mudar a qualquer momento.
Os Fittipaldis teriam que continuar a implementar mudanças na equipe se quisessem continuar no jogo, e uma destas mudanças para 1977 foi a contratação de um novo projetista para o desenvolvimento do carro. Ricardo Divila continuaria na equipe, mas não mais como principal responsável pelo projeto.
Estava em negociação também a contratação de José Carlos Pace, o “Moco,” como piloto para a temporada seguinte, este muito animado e elogiando bastante a equipe de Wilsinho, mas ainda com contrato com a Brabham por mais dois anos. Infelizmente Moco faleceu em 16 de março de 1977 num acidente aeronáutico perto de São Paulo e não teve a chance de guiar o Copersucar em um GP.
Novidades para a terceira temporada da equipe brasileira na Fórmula 1 viriam, e a expectativa crescia junto com elas. É o que veremos na quarta parte.
MB
Agradecimentos ao pessoal do grupo Copersucar Fittipaldi F1.