Conheci Henrique Erwenne por conta da sua paixão pelo Karmann-Ghia. Ele havia recentemente formado o clube dedicado ao modelo depois de pedir afastamento de outro clube, do qual ele havia participado por anos. Foi em conversa com aquele simpático senhor que descobri que ele, antes — em 1979 — havia participado da criação de um dos mais belos fora-de-série do nosso país, o Fera XK4.1 HE, uma réplica do Jaguar XK120 (foto de abertura).
Meu primeiro contato com esse veículo foi durante a realização do Rally Imperial, em Teresópolis, na região serrana do estado do Rio de Janeiro. A convite do saudoso jornalista (e mestre) José Rezende Mahar — que foi o assessor de imprensa do evento — parti de São Paulo para participar daquela prova de carros antigos. Na ocasião, Arnaldo Keller, Anísio Campos e eu reunimos três veículos, sendo dois originais XK120 (um roadster e um cupê) e um Fera.
Na época do Sr. Henrique Erwenne (falecido em 2014), sua obra desenvolvida pela empresa Artefatos Metálicos Bola S.A., tinha como motor o 4100 do Opala, o seis-cilindros em linha que fez fama e é venerado até os dias atuais. O Fera tinha como opcionais assistência hidráulica de direção e câmbio automático. Os direitos de construção do Fera foram passados para a Americar, em 2003, quando o então proprietário, Cléber Lopes, reativou a construção da réplica do modelo.
No início dessa retomada o conjunto mecânico continuou a ter como opção o motor e câmbio de Opala ou do Omega. Sendo assim, dependendo do veículo doador, o automóvel poderia contar com sistema de formação de mistura por carburador ou por injeção eletrônica multiponto. Em 2012 o Cléber me ligou, oferecendo para gravação uma novidade, seu modelo Americar XK120 com motor V-8.
Levei o carro ao Autódromo Velo Città, em Mogi Guaçu, no interior do estado de São Paulo. Queria passear com o belo Xk120 de carroceria cor preta e motor V-8, que era um 327 (5.3 litros) Chevrolet, motor que ficou famoso no Brasil ao equipar os Camaro e Impala dos anos ’60 e ’70. O câmbio era manual de cinco marchas. O carro ainda era um protótipo, mas agradava muito.
Cléber teve a ideia de modificar a posição de dirigir, com isso o veículo dele era mais cômodo que o antecessor (Fera 4.1) e o original da Jaguar — o que era algo apreciável, já que não se tratava de um carro original de1948, mas perdendo o charme apreciado dos puristas por não ser de chapa de aço (era feito em compósito de fibra de vidro). Ganhou a praticidade de ser mais usável no dia a dia do que o antigo inglês. O criador de réplicas ainda ousou um pouco mais, criando a versão cupê, que no carro original é raríssima e com pouquíssimas unidades em todo o mundo, sobretudo fora da Inglaterra.
Em 2013, a Americar mudou de mãos, que agora com seu atual proprietário tem o nome de American Classic. A história é peculiar: Antônio Carlos procurou o Cléber para comprar uma réplica de XK120, se apaixonou tanto pelo modelo que acabou adquirindo a fábrica. De início continuou a produzir os veículos como feitos na época de Cléber, usando motores de seis cilindros em linha Chevrolet.
A empresa decidiu homologar seu modelo Xk120, criando chassi próprio e cadastrando o veículo na BIN (Base de Índice Nacional) do Denatran. O automóvel passou pelos testes obrigatórios como, por exemplo, os testes de impacto frontal e lateral. Com isso, uma das exigências era a propulsão mecânica nova com garantia de um veículo 0-km. Assim a empresa passou a adotar um conjunto mecânico novo, sempre importado dos Estados Unidos, sendo motor V-8 Chevrolet 350 (5,7 litros) com câmbio automático Turbo-Hydramatic TH400, além do diferencial e suspensão novos.
Nesse momento o amigo leitor deve estar se perguntando como é que sobrevive um fabricante de carros artesanais, tendo que lidar com toda a burocracia e procedimentos necessários para homologar e produzir um automóvel, bem como ter que importar tantas peças dos Estados Unidos, em tempos de dólar nas alturas. Pois bem, como diz o ditado “enquanto uns choram outros vendem lenços”, a fabricante achou na exportação dos veículos em forma de kit, sem mecânica, uma solução para conquistar, com preço competitivo, um mercado que realmente gosta de automóvel. A prova de que está dando certo, a criação do Sr Henrique Erwenne pode até ter mudado o nome, o powertrain e a empresa, mas continua bela e conquistando pessoas e mercados mundo a fora.
Na terceira parte dessa série vamos contar outra história, a de um carro que nasceu como réplica nacional, mas conquistou mercado até no Japão. Será que o leitor ou leitora adivinha qual é?.
PT