Apesar do meu marido engenheiro eletrônico e fã de tecnologia, sou um pouco analógica ainda. Gosto de “modernidades” que facilitem minha vida e especialmente aquelas rotinas bestas. Desde que assisti Tempos Modernos, aquele genial filme de e com Charles Chaplin, acho que robôs deveriam apertar parafusos repetitivamente e não seres humanos. Qualquer tarefa pouco nobre ou insalubre não deveria ter de ser executada por homens/mulheres/trans/cis/LGBTQ+qualquer outra letra que por ventura eu tenha esquecido. Por que cavar minas de carvão? Algo que deveria ser feito por máquinas, apenas pelas condições sub-humanas impostas. E por aí vai.
Mas se a tecnologia é mais complicada do que sua versão analógica, nada feito. Tenho um queridíssimo amigo que há mais 20 anos construiu uma bela casa na qual colocou tudo o que havia de mais moderno — incluindo um até então raro sistema de automação de iluminação. Ele havia trazido tudo dos Estados Unidos, primeiríssima linha. Era um show. No primeiro aniversário da sobrinha — faz muito tempo, mas calculo que a menina fazia uns cinco anos — todos em volta da mesa e ela toda empolgada para soprar a velinha já acesa mas, na hora do meu amigo usar o controle remoto (não havia controle via celular naquela época), cadê a configuração “apagar todas as luzes”? Era um tal de apertar tecla para cá e para lá, conjuntos luminosos que se acendiam no jardim, na sala, apagavam o hall de entrada… tudo, menos apagar as luzes todas. A velinha derretendo e a menina ficando impaciente. Meu amigo, alemão, engenheiro e bem pragmático, foi na caixa de distribuição e desligou a chave geral. Pronto, fez-se a escuridão tão desejada.
Então… quando é tão difícil fazer algo que seria simples, aí dispenso a tecnologia e prefiro a “analogia”. Claro que este exemplo está datado e sistemas desse tipo são hoje mais fáceis de serem usados, mas serve como exemplo. Há outros casos assim. Canso de ver aplicativos totalmente inúteis ou que repetem funções já existentes. Esta semana fui a uma farmácia onde era divulgado um aplicativo dela mesma que “avisa quando você deve tomar seu remédio”. Felizmente, ainda não estou nessa fase da vida de tomar medicamentos com hora marcada e não vou criticar o aplicativo pois não o conheço, mas espero que ele faça outras coisas pois isso o relógio do meu celular pode fazer se eu programar o alarme. Novamente, este é apenas um exemplo.
Bem, tudo isto, para dizer que cheguei ao fim de um relacionamento de décadas por culpa da tecnologia. Finalmente, divorciei-me do meu Guia de Ruas. Aquele em papel, mesmo. Dispenseio-o da forma mais vil, acho. Joguei no lixo reciclável, mas não acho que alguém quisesse uma doação dessas. Nem alguém tão pobremente tecnológico como eu.
Foi um momento um pouco triste, é verdade. Ele estava há anos no porta-luvas, servindo de peso para meu caderninho com as anotações sobre manutenção do carro, uns adesivos para consertar trinca de para-brisa (que devem estar ressecados, na próxima faxina checarei isso também), a flanela e as sacolinhas que uso para fazer compras no supermercado. Mas, basicamente, não era aberto há uma década, pelo menos.
Joguei fora o do carro do meu marido também — um era de 2003 e outro de 2004, acho. Certamente nem estavam mais atualizados e sua utilidade se resumia a peso de coisas no porta-luvas. Mas ainda assim era meu Waze analógico e durante um tempo (lá atrás, é verdade, mais de uma década) me dava algum conforto saber que se me perdesse, meu celular não tivesse sinal, ele ficasse sem bateria, eu não tivesse meu carregador no carro e mais uma conjunção de fatores incluindo a explosão de uma supernova, ou seja, se acontecesse tudo junto, eu não ficaria perdida graças ao guia de ruas.
Eu mesma demorei um pouco a usar o Waze para me localizar (foto de abertura). Mas rapidamente me acostumei. No começo, com medo de estar em algum lugar sem sinal de celular, mantive teimosamente os guias nos carros. Mas com as funções offline até minha neurose ficou sem sentido — além do que, os dois carros têm GPS. Ou seja, nada justificava ocupar tanto espaço no compartimento onde já tem coisas realmente necessárias.
Antes de jogar fora o guia do carro do meu marido, consultei-o sobre minha crucial decisão. Ele nem lembrava que aquela geringonça estava lá e não a usava há mais de uma década. Na verdade, me disse que nem sabe como foi parar no carro atual – que já tem quase cinco anos. Pois bem, eu sei. Eu o coloquei lá quando trocamos de carro. Vá que…
Lembro da época em que comprávamos um guia novo quase todo ano. Era fundamental e muitas vezes consultava o caminho que teria de fazer na véspera para ter certeza de que havia como chegar onde eu pretendia. Hoje, ligo o Waze na garagem e parto “ao infinito e além” assim, sem nenhum planejamento. Bem, quase, pois quando posso checo antes de sair pois sou bastante desobediente e muitas vezes faço meus próprios caminhos, dispensando aqueles que a Alessandra me indica – sim, é a voz que tenho no meu aplicativo, embora às vezes ele mude para alguma voz masculina e, não raro, em outro idioma.
Mas já descobri que de vez em quando eu mesma aperto alguma tecla sem querer e aí desconfigura tudo. Geralmente quando tento fixar o meu telemóvel no suporte do ar-condicionado. Enquanto fica em algum idioma que entendo, é mais engraçado do que outra coisa, mas quando vai parar numa língua árabe, por exemplo, tenho que parar o carro e voltar tudo nas programações. E já descobri que na maior parte das vezes vai para um idioma árabe apenas porque está entre as primeiras opções do menu. Ainda assim, juro que de vez em quando não toco nada e mesmo assim na hora que ligo ele conversa comigo numa língua estranha. Tenho testemunhas que uma vez aconteceu no meu carro, meu celular, e eu estava no banco traseiro. Meu marido ao volante e meu amigo que estava no banco do carona também viram isso acontecer. Juro de pé junto. Mas, como diz o meu marido, até meu celular tem personalidade, digamos, forte. Por que seria diferente da dona?
Depois do meu divórcio do guia — ou talvez vez expulsão de casa, dadas as circunstâncias em que ocorreu o fato — comecei a prestar atenção e notei que ele não está mais disponível nas bancas de jornal. Ou se está, é bem escondido atrás das guloseimas, dos avisos de recarga de celular e outro monte de coisas que pouco tem a ver com o que entendemos como “banca de jornal”. Aliás, nas poucas bancas de jornal que ainda restam. Certamente isso acontece há anos, mas eu só percebi isso agora.
E aí me ocorreu uma coisa: será que há um cemitério para esse tipo de coisa? Como para os suvernires exóticos que as pessoas trazem nas viagens? Como berimbau da Bahia. Onde vão parar todos esses instrumentos que vemos nos aviões voltando de Salvador ou de Porto Seguro? E os sombreros mexicanos? Certamente, são coisas superpráticas, que quase não ocupam espaço e que todo mundo deveria ter em casa, não? Ou taças de drinques, como as do Hard Rock Café? Conheço gente que coleciona, mas, fala sério, como trazer essas delicadezas na mala sem que cheguem em frangalhos? Bem, fala aqui a criatura que traz garrafas de vinho e de bebidas raras do exterior… logo, deve haver uma forma, sim. Mas em minha defesa, as bebidas nós consumimos. Mas o que fazer com um sombrero de mariachi? Especialmente agora que nem no carnaval se pode usar um sem ser acusado de apropriação cultural, de não ter lugar de falar e outras (muitas) coisas.
Meu guia de ruas deve estar em alguma usina de reciclagem, ao lado de alguma lista telefônica ou de páginas amarelas das quais alguém mais analógico também acabou de se desfazer.
RIP Guia de Ruas.
Mudando de assunto: Recebi de uma amiga que conhece meu gosto por dirigir:
Excursão das velhinhas:
Um policial avista uma van em baixa velocidade, acha estranho e a manda parar. Tem uma idosa ao volante, acompanhada de suas amigas. O guarda adverte:
— Senhora, andar devagar demais pode provocar acidente!
— Seu guarda, sigo sinalização — diz a mulher, apontando a placa: BR-30.
— Senhora, esta placa não indica limite de velocidade, e sim o número da estrada. Trate de prestar mais atenção, certo? Só mais uma coisa… Suas amigas estão bem? Parecem assustadas….
— Elas já vão melhorar… é que acabamos de sair da BR-220.
NG