Seguindo com os causos, chegou a vez do causo do leitor do AE e meu amigo Maycon Correia, que conta um interessante trecho de sua vida no contexto de sua família.
O FUSCA AMARELO E OS DRAMAS EM FAMÍLIA
Por Maycon Correia
Era por volta de novembro de 1988. Nosso Fusca azul Noturno havia sido vendido há uns dois dias e a oficina ia seguindo com bastante serviço, porém sobrava pouco dinheiro no fim do mês.
Além de serem tempos difíceis, com inflação galopante e clima não muito favorável, o que mais poderia dar errado em uma oficina de lataria (funilaria) e pintura que tinha vários clientes fixos e toda semana sobrava serviço? Um galpão enorme, bem localizado e com aluguel irrisório? O problema era a mão de obra!
Não havia problemas com qualidade do serviço e sim funcionários relapsos no quesito assiduidade. Nesse embalo meu pai e meu tio pensavam bastante e chegaram à conclusão de que às vezes menos é mais! E começaram a pensar em desfazer a sociedade.
Naquela ocasião meu pai foi a um revendedor Fiat, que existe até hoje, entregar um serviço e lá seus amigos tinham uma mercadoria fresquinha para ele comprar! Um reluzente Fusca amarelo 1300 L 1979 modelo 1980 já de lanternas “Fafá” e tampa do motor sem as persianas. Fechou negócio na hora.
Na foto de abertura desta história pode-se ver o Fusca amarelo, no colo do Valério — meu pai, então com 28 anos — a pequena Thalyta, minha irmã, então de três anos, e eu com cinco para seis anos.
Carro de segundo dono e com quilometragem compatível, que acabara de ser dado em troca por um Fiat Uno CS 1,3-litro zero-km. O dono do Fusca era representante comercial e o Fusca não estava mais atendendo às suas necessidades, considerando as mercadorias que ele tinha de levar diariamente. O Uno era o carro ideal!
Como a cidade de Tijucas, SC não tinha revenda Fiat, o dono do Fusca foi a Florianópolis e fez o negócio. Ele resumiu a história deste Fusca assim: seu pai o havia comprado novo e utilizado pouco até 1987, quando decidiu que era hora de ter um Del Rey. Com isso o Fusca foi colocado à venda, mas surgiu um imprevisto. O Fusca 1985 de trabalho de seu filho sofre uma batida forte, ficando inviável de ser reparado, aí o 1300 L assumiu a tarefa de representação e começou a viajar, porém o rapaz, acostumado com o 1600 não curtiu muito esse amarelo mais lerdo e transplantou a mecânica inteira do acidentado para o “amarelinho”. E como o acidentado era movido a gasolina o transplante acabou sendo um procedimento mais fácil e rápido!
Numa época que não se utilizava o número do motor para nada, podiase-se trocar o motor e não ter nenhum motivo de dor de cabeça como acontece hoje. O motor 1600, moderno com alternador, ignição eletrônica e carburador Solex 31 PICT exclusivo dos 1984/1986 a gasolina, diferencial longo dessa safra e freios dianteiros a disco! Tudo foi parar no “amarelinho”.
Levamos o Fusca para casa e meu pai realizou os trabalhos necessários para deixá-lo igual a um novo, como sempre gostou. Logo o ano virou e chegamos a 1989, a situação na oficina começou a se deteriorar mais depressa do que se esperava e numa semana de fevereiro tudo que podia dar errado saiu pior que a encomenda!
Uma chuva de granizo destruiu carros de clientes, telhado do galpão ao lado que voou e caiu no meio da rua passando por cima da oficina. Perda total em uma Kombi velha que estava trocando o assoalho. E, numa falta de energia, a lixadeira foi esquecida ligada dentro daquela Kombi, e quando a energia voltou… desperdício de material caro.
Muitos prejuízos grandes que foram inesperados e, assim, a sociedade acabou!
Meu pai e seu irmão mais novo, o Vilmar, foram trabalhar na garagem da casa de meus avós. O Fusca andava com uma placa de “Vende-se” no vidro e esta foi retirada pois não era momento para ficar a pé e esse carro seria de enorme ajuda.
Nesse mesmo fevereiro de 1989 a motocicleta Yamaha 1980 do Vilmar (que iria matá-lo, como meu avô sempre dizia, já que ele caía quase todo fim de semana), foi trocada por um Fuscão 1500 Verde Guarujá 1972 acidentado; e ali mesmo eles começaram a reparar o carro para deixá-lo como novo.
Naquele local também havia serviço, porém ali não se pagava mais aluguel e nem funcionários, e assim sobrava mais no fim do mês! Março foi ótimo e num sábado, primeiro dia de abril, tivemos que levar a minha irmã, que na época tinha dois anos de idade, ao médico (ela nasceu prematura e com água nos pulmões e necessitava de cuidados especiais, além de duas visitas mensais ao médico para acompanhamento).
Na volta paramos no supermercado próximo e em menos de cinco minutos, quando voltamos o carro não estava mais lá! Nosso “amarelinho” havia sumido e não tínhamos como voltar para casa…
Pegamos um táxi Corcel II e voltamos para casa chorando. Lá, depois de meia dúzia de telefonemas, meu pai saiu voando para a delegacia para fazer queixa do roubo. E chegando em casa novamente, ligou para os jornais anunciando o roubo do carro, pois esse, além de ser o único meio de transporte, também era sua ferramenta de trabalho.
Ligou para os conhecidos da Polícia Rodoviária Federal para ver se achavam alguma coisa, porém nada foi achado! E o desespero começou a tomar conta!
Para o outro fim de semana ele anunciou nos jornais de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul, e assim continuou fazendo por três finais de semana seguidos. Maio chega, e numa segunda-feira pela manhã, por volta das 11 horas, o telefone da minha avó toca!
“Senhor Valério? Aqui é o Delegado da Polícia Civil (ele disse de qual delegacia ele era, porém eu não lembro mais) da cidade de Curitiba, estou ligando pois vi seu anúncio no jornal aqui e seu Fusca foi recuperado sendo desmanchado! Está quase inteiro e com as placas dentro, porem você tem que trazer ferramentas para apertar o assoalho dele, que a carroceria estava sendo retirada quando recebemos uma denúncia e pegamos uma quadrilha de desmanche de carros em flagrante!”
E o delegado continuou:”Como ainda há investigações, seu carro ainda não está liberado. Venha sexta-feira buscá-lo e traga seus documentos e o que tiver de documentação do carro, e o boletim de ocorrência daí.”
Assim foi feito, e lá o delegado o levou para reconhecimento de alguns dos bandidos que haviam sido presos, mas, meu pai não viu levarem o carro.
O esquema era o seguinte: três pessoas alugaram um galpão, compravam carros batidos irrecuperáveis (que naquela época não eram vendidos baixados pelo seguro), roubavam semelhantes e trocavam apenas o número do chassi — no caso do Fusca era o assoalho inteiro — e pronto.Um que seria esquentado com o nosso era exatamente da mesma cor, porém com bancos pretos e o nosso tinha bancos marrom escuro!
Lá o Delegado mostrou que roubaram o Fusca escolhendo-o a dedo, mostrando lado a lado o batido e o inteiro. Esse Fusca, um Passat 1982, um Monza 1986 estavam naquele galpão. Além disto, eles roubaram um Voyage 1982 Branco em Itajaí e em Joinville um Santana 1988. Colocaram as placas dos carros batidos e não foram presos em uma blitz na divisa do estado do Paraná, pois os carros das placas não tinham queixa; porém batiam com algumas queixas de roubo aqui em Santa Catarina.
Feitos os procedimentos necessários para a entrega, meu pai e meu tio apertaram o chassi do Fusca e ligaram o carro, ao acelerar veio a surpresa: a fumaceira que ele soltou denunciava que o motor havia sido destruído na viagem e que ele agora começara a bater e fazer fumaça!
Dos males o menor, pois mais vale fazer uma retífica do que ter de comprar outro carro. Chegando aqui meu pai fez a retifica e confirmou que era o mesmo 1600 moderno de antes. Comprou rodas de Brasília e pneus Goodyear Grand Prix S aro 14 novos na saudosa loja Hermes Macedo. Também comprou bancos Procar e deixou o Fusca do seu gosto e ficamos rodando com o carro até 1991.
Porém, como desgraça pouca é bobagem, e aquele ano não iria embora sem que tivéssemos que lutar, em outubro o Vilmar, meu tio, se acidentou com o Fuscão verde, bateu em um poste, falecendo instantaneamente aos 24 anos de idade. Deixou uma esposa e uma filha de seis meses.
Aquela foi uma perda desastrosa em todos os sentidos! Não havia como entregar os serviços no prazo combinado, pois a mão de obra diminuiu e ainda havia o pesaroso fator luto.
Meu pai pagou à sua cunhada a parte do irmão na sociedade e continuou com a oficina pequena que sustentaria uma família, mas com a mão de obra menor não conseguiria sustentar duas.
Em 1991 meu pai comprou um Chevette preto 1989 novinho acidentado e na metade de 1991 vende o “amarelinho” para terminar o reparo do Chevette e assim dar continuidade aos trabalhos.
Em 1992 ao vender o Chevette encontrou algo que será difícil de ver novamente: um Fusca 1200 ano 1961 verde Berilo monocromático verde, com lanternas traseiras pequenas e com 26 mil km rodados, parado desde 1976 quando seu dono morreu. O carro tinha pneus Pirelli com faixa branca ainda; ele vendeu esse carro em 1992 mesmo e comprou um Opala Silverstar 1983 que manteve até 1994 quando eram outros tempos e a vida ficou bem mais fácil.
Meu pai mantém essa oficina na garagem até hoje, e por ela passaram algo em torno de uns 500 carros sempre na base da compra e venda.
Com este causo damos sequência ao recolhimento de material que ligue carros a seus donos, e no caso do Maycon foram vários Fuscas envolvidos. Reitero o convite a quem quiser submeter o seu causo para que o envie através do e-mail alexander.gromow@autoentusiastas.com.br .
AG
Fica aqui não só o agradecimento ao Maycon Correia pelo envio deste causo e das fotos. O Maycon também sempre está presente nos comentários das matérias e agora chegou a vez dele com um causo próprio.
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