A parte 1 terminou com o EA 53, e é daí que vamos dar continuidade ao trabalho.
EA 158
Como vimos, um dos fatores que desqualificou o EA 53 foi a falta de potência do motor; por esse motivo, o motor 1100 (1.131 cm³) de 35 cv foi aumentado para 1.285 cm³ para que desenvolvesse 42 cv. Mas mesmo esse motor maior não conseguiu mais salvar o projeto. Em 1962, o desenvolvimento do EA 53 foi arquivado, mas a oitava tentativa de Ghia foi paralelamente usada como um estudo preliminar para o EA 158.
O design da carroceria do EA 158, que era monobloco, estava nas mãos de Pininfarina, enquanto o setor de pré-desenvolvimento da Volkswagen, em colaboração com a empresa Budd, de Filadélfia, EUA, desenvolvia o veículo. Cerca de 35 protótipos foram produzidos pela Budd. Os técnicos conseguiram desenvolver uma construção leve que não havia sido alcançada antes. A carroceria bruta do EA pesava apenas cerca de 170 kg.
Protótipo de Fusca da Pininfarina de 1952
O texto já está na década de 60; esta foto foi colocada para mostrar que a Pininfarina já estava há muito tempo trabalhando no desenvolvimento de protótipos de potenciais sucessores do VW Fusca.
Além disso, pela primeira vez foi praticado um processo na produção de protótipos que garantiu peças de chapa de alta qualidade próximas daquelas de séries de produção, usando ferramentas Kirksite revestidas com plástico, um processo que tem sido usado na VW desde a era do Golf.
Como motorização do EA 158 foi definido um motor boxer arrefecido a ar de 1.285 cm³ e 50 cv e um de 1.493 cm³ e 60 cv. O chassi consistia em suspensão dianteira tipo McPherson e suspensão traseira por braço arrastado com barra de torção. A distância entre eixos era de 2,30 metros.
Com o passar do tempo de desenvolvimento o veículo ficou cada vez mais pesado, apesar do chassi muito leve. Seu desenvolvimento foi até estar pronto para a produção em pré-série. As ferramentas estavam prontas, a série piloto começou, mas o EA 158 chegou ao fim em meados de 1969.
“É compreensível”, disse um técnico da época, “quando você vê o veículo.” E, ao mesmo tempo, o Besouro foi salvo novamente, porque não havia naquele momento nenhuma carta na manga.
Karmann faz várias propostas de modelos para a Volkswagen
A Karmann Karosserie, de Osnabrück, Alemanha, fabricou o VW Beetle Cabriolé a partir de 1949 e o Karmann Ghia, começando em 1955, usando componentes Volkswagen. Além disso, Karmann submetia, de tempos em tempos, estudos de modelo e protótipos completos ao Conselho de Administração da Volkswagen, a fim de expandir a gama de modelos e gerar pedidos.
Em 1963, a empresa de Osnabrück apresentou ao pessoal de Wolfsburg um modelo esportivo chamado Cheetah, que obviamente usava o chassi do VW Fusca como base:
O estudo de carro esportivo de 1965 também foi apresentado; ele foi montado igualmente sobre um chassi rodante de VW Fusca dotado de um motor boxer de 1.493 cm³ e 50 cv que deveria proporcionar uma desempenho esportivo:
Também em 1965, o Conselho de Administração da Volkswagen pôde inspecionar o modelo Gipsy, que guarda semelhanças com o veículo off-road VW 181 feito para as Forças Armadas Alemãs, e que acabou sendo entregue somente em 1968:
Proposta do Dr. Ing. Hermann Klaue para um sucessor do Fusca
Especialmente nos anos 60, havia muitos críticos espontâneos ou convidados que fizeram propostas à Volkswagen sobre como o VW Fusca do futuro deveria ser. Entre eles estava o técnico autônomo Dr. Ing. Hermann Klaue, que dirigia um escritório de engenharia em Montreux, na Suíça, e foi convidado pelo presidente da Volkswagen, Heinz Nordhoff, em 1963, para apresentar o seu conceito para um sucessor do Fusca.
Na época, o Dr. Klaue defendia o motor e tração dianteiros. Mas a proposta apresentada em 27 de março de 1963, como tantas outras, acabou desaparecendo nos arquivos da fábrica.
O Dr. Klaue era um conhecido engenheiro e inventor do ramo automobilístico que tinha mais de 800 patentes, trabalhou inclusive no desenvolvimento de tanques e componentes de aviões durante a Segunda Guerra Mundial. Este é o rascunho do desenho conceitual da versão que ele apresentou para Nordhoff. Para alguns este foi o início da evolução do VW Fusca para o Golf:
Um VW Fusca para enfrentar as então novas normas de segurança americanas
No final da década de 1960, as leis de segurança foram endurecidas nos EUA e era previsível que o Besouro em sua forma da época não teria sido capaz de atender às novas determinações legais. Em 1970, o VW 1302 foi apresentado com as mudanças tecnicamente mais complexas já feitas no VW Fusca em sua longa história: eixo traseiro com suspensão por braço arrastado, eixo dianteiro com suspensão McPherson, nova seção dianteira com porta-malas ampliado. [Para maiores detalhes sugiro a matéria: “Você sabe o que é um Super Beetle?”]
Acima de tudo, houve problemas com a distância da cabeça do motorista e do passageiro da frente ao para-brisa. As cabeças não deveriam tocar no para-brisa quando eles se inclinassem para frente no caso de um acidente. Quase todos os veículos americanos cumpriram esse requisito; o Besouro alemão com seu para-brisa ligeiramente curvado, não.
Na tentativa de se preservar o Besouro em sua forma básica, dentro do possível, o chefe de design em Wolfsburg, Herbert Schäfer, realizou alguns estudos de estilo com vistas a uma eventual adaptação às novas normas de segurança americanas.
Nos desenhos de estudo abaixo, a versão “nova” aparece com linhas mais grossas e escuras. Nos desenhos estão sobrepostas as duas versões, a do VW Fusca original e a do estudo de um novo VW Fusca por Herbert Schafer (Schäfer-Beetle). Vale a pena analisá-los:
No Schäfer-Beetle as dimensões externas do Besouro e a distância entre eixos foram mantidas, assim como suas características típicas, como para-lamas fortemente arqueados e estribos obrigatórios. A grande curvatura do para-brisa no Schäfer-Beetle atendeu às demandas americanas por mais segurança.
No entanto, o projeto não foi além dos estudos. A razão era simples, eles estavam procurando uma opção mais barata, especialmente porque a variante Schäfer-Beetle exigiria grandes mudanças no besouro, como mostram as fotos. A começar pela foto de abertura, a qual mostra o modelo em escala do Schäfer-Beetle de lado, indicando uma de suas surpreendentes alternativas: a versão de quatro portas! Abaixo, mais duas fotos deste modelo:
A solução mais simples foi realizada: apenas curvando ainda mais o para-brisa. Esta solução foi apresentada ao público na versão VW 1303 em 1972. Naquela época, as exigências americanas por maior distância da cabeça para o para-brisa, como definidas na década de 60, já haviam sido retiradas há muito tempo, de modo que o VW 1303 não precisaria mais ter sido produzido. Mas como as ferramentas estavam prontas na época, o projeto foi realizado.
Porsche desenvolveu sucessores do VW Fusca
Demorou até 1967 para Heinz Nordhoff perceber que o Fusca não poderia ser o pilar da Volkswagen no longo prazo.
Em 31 de janeiro de 1967, Nordhoff delineou suas ideias de um verdadeiro sucessor do Fusca para Ferry Porsche, Wolfgang Porsche, Ferdinand Piëch e Wolfgang Eyb, porque na opinião dele “o EA 158 que lhe foi apresentado se tornou consideravelmente mais feio do que a primeira proposta da Pininfarina”. Ele não considerou este carro como sendo o sucessor adequado do Tipo 1. No entanto, não se podia impedir a tendência de seu estilo (Nordhoff estava errado neste ponto). Nordhoff estava procurando um sucessor real para o Tipo 1, que deveria substituir o EA 158 o mais rápido possível. Mas, conforme a ata desta reunião, nela não foi definido um conceito técnico para o sucessor do Fusca.
De acordo com Nordhoff, “o projetista deve decidir por si mesmo qual princípio de design (tração dianteira/traseira ou convencional) são as características certas para este carro. As características que são criticadas hoje (N.d.R.:1967) no Tipo 1 são: pouca largura interna, porta-malas pequeno e de acesso difícil. Design em desacordo com o padrão vigente”.
O carro rival, que causou mais preocupações na fábrica da Volkswagen na época foi o Opel Kadett. Nordhoff, portanto, queria que o sucessor do Fusca entrasse em produção em um ano a um e meio, mas essa visão não pôde ser concretizada.
Tipo 534 Estudo da Porsche de 1952
Os estudos da Porsche começaram em 1949, depois que começaram a ser oferecidos cada vez mais carros pequenos no mercado alemão. Este estudo com uma distância entre eixos de 2,30 metros teria um comprimento total de 3,70 m.
Apesar da documentação não ser explicita sobre isto, ao que tudo indica a Porsche trabalhou em conjunto com a Pininfarina no caso do Tipo 534
Devido ao VW Fusca original, a Porsche e a Volkswagen estavam, inevitável estreitamente entrelaçadas; e a Porsche já estava fortemente envolvida em contratos de desenvolvimento da Volkswagen no início dos anos 50.
Como vimos, já em 1952, a Porsche estava pensando em um pequeno carro esportivo (EA 534) para a VW e em vários protótipos em um chassi modificado do VW Fusca. Foram adicionados estudos de motores Diesel em 1954, mas após os primeiros protótipos o projeto foi interrompido, como tantos outros desenvolvimentos que a VW havia solicitado.
Em 15 de março de 1967, a Porsche enviou os primeiros estudos para um carro pequeno atendendo a Nordhoff, sob o número de projeto 1866. Os seguintes estudos de configuração foram mostrados em detalhes:
1. Tração dianteira, motor transversal
2. Motor dianteiro longitudinal à frente do centro do eixo dianteiro
3. Motor dianteiro longitudinal atrás do centro do eixo dianteiro
4. Motor traseiro transversal no centro do eixo traseiro
5. Motor traseiro longitudinal à frente do centro do eixo traseiro, sob o banco traseiro.
Como motor, para todas as alternativas, foi usado um motor de quatro cilindros em linha com comando de válvulas no cabeçote e cilindrada de 1.000 cm³. Alternativas arrefecidas a ar e a água foram trabalhadas. Também foi investigado se um motor de três cilindros em linha oferecia vantagens sobre motores de quatro cilindros.
Depois de pesar todas as vantagens e desvantagens dos projetos individuais, mas lembrando que eles ainda eram meros “tigres de papel”, foi decidido: “Os carros com tração dianteira têm muitos defeitos e foram eliminados dos estudos.” Um erro grave por parte dos técnicos da Porsche, como se tornaria evidente mais tarde.
Na ata de reunião de 4 de abril de 1967 foi registrado que “a alternativa 4, ou seja, o motor traseiro com o câmbio no centro do eixo traseiro, deve ser trabalhada; com um motor arrefecido a ar e um arrefecido a água”. De acordo com o decidido, oito sedãs de duas e quatro portas com porta traseira de carga (projeto 1866/70) foram construídos. Carrocerias de Opel Kadett foram usadas como veículos de teste para o desenvolvimento das unidades de tração.
Para mostrar até que ponto o pessoal da Porsche foi, aqui o projeto 1866 numa alternativa especial, com motor dianteiro e transeixo traseiro, com elaborada suspensão traseira por braço arrastado:
A propulsão era por um motor arrefecido a água (1866/00) com válvulas em “V”; havia também motores com válvulas paralelas.
Um veículo deste período de desenvolvimento, bem como o Opel Kadett convertido para testes e alguns motores, incluindo transmissões, foram para a fábrica Volkswagen. O resto — exceto um — foi sucateado. A Porsche o manteve e desenvolveu o tipo 1966, que ficou mundialmente conhecido sob o número de desenvolvimento da Volkswagen EA 266.
Na parte 3 vamos concluir este relato e revelar quem realmente teve condições de assumir a posição de sucessor do VW Fusca.
AG
Fica aqui o agradecimento ao Dr. Rüdiger Etzold, historiador e autor de vários livros (inclusive tipo “faça você mesmo” para a manutenção de Volkswagens) pelas fotos (que receberam marcas d’água conforme ele pediu) e informações sobre o assunto que é pouco conhecido no Brasil. Também agradeço a Armin Popp pelas dicas. Há algum tempo atrás troquei mensagens com o Saymon Machado exatamente sobre estes protótipos, foi o início deste trabalho, aproveito para agradecer a ele também.
Também neste caso foram necessárias pesquisas na iInternet em vários sites, como o sowirdsgemacht.com, www.aufwach-s-en.de, www.spiegel.de, www.sueddeutsche.de, blog.heritagepartscentre.com, www.coachbuild.com/forum/, www.automuseum-volkswagen.de, www.hemmings.com/blog/, books.google.com.br/books, etc.
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A coluna “Falando de Fusca & Afins” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.