Fui comentar na semana passada sobre carro chinês e não imaginava estar mexendo em tamanho vespeiro. Na avalanche de comentários, os mais enfáticos diziam que não o compram de jeito nenhum, outros que rodam com ele há dois ou três anos sem nenhum problema, os afoitos que compraram os primeiros a chegar e quebraram a cara e os que vão encará-lo, mas preferem esperar um pouquinho mais. (*)
Toda novidade gera mesmo reação. Não é só o automóvel, mas também algumas de suas tecnologias. Recentemente, por exemplo, assistimos no Brasil a ascensão e queda do câmbio automatizado. Em poucos meses, quase todas as fábricas o adotaram (Dualogic, Easytronic, i-Motion, Easy´r). Em poucos meses, todas o abandonaram e partiram para o convencional…
O carro chinês desembarcou por aqui sujeito a chuvas e trovoadas. Teve teste da Quatro Rodas em que o pedal de freio de um deles não suportou a força e entortou. Comigo mesmo teve outro que não adiantava soltar o pedal da embreagem: ela continuava desacoplada e o carro não saía do lugar. Mas isso já tem dez anos. Poucos recordam que marcas coreanas também derraparam antes de oferecer um elevado padrão de qualidade. Num passado mais distante, também os japoneses passaram aperto.
A China adquiriu um extraordinário know-how com a presença crescente de grandes multinacionais estabelecendo fábricas em sociedade com o governo ou empresas locais. Para abocanhar parte do maior mercado mundial de automóveis, com vendas beirando 30 milhões de unidades anuais. Fincaram lá sua bandeira importando, produzindo, exportando e desenvolvendo projetos globais.
Com tamanho volume de produção, as fábricas chinesas se habilitaram aos melhores fornecedores de componentes e nivelaram sua qualidade com as mais respeitadas do mundo
Várias chinesas já desembarcaram de mala e cuia no Brasil. Produzem automóveis em sociedade com brasileiros, caso dos grupos CAOA e Chery em Jacareí, SP com qualidade controlada por dezenas de engenheiros e técnicos brasileiros. Aliás, nem foi a estréia do paraibano Dr. Carlos Alberto de Oliveira Andrade (CAOA) como fabricante: já era franqueado da Hyundai em Anápolis. Suas marcas asiáticas foram rigorosamente adequadas às condições brasileiras, além do sólido know-how do grupo em pós-venda adquirido com as operações de distribuição da Ford e importação da Renault.
Outra chinesa que se estabeleceu aqui foi a gigante BYD que produz no interior de São Paulo veículos elétricos pesados (ônibus e caminhões), vai fabricar vans, picapes e táxis e construir uma fábrica de baterias de íons de lítio.
Outra importadora é a JAC, de Sergio Habib, que oferece uma completa linha de elétricos, entre suves, picapes e caminhões. E mais a Lifan, que monta veículos no Uruguai, a Geely que veio, sumiu, mas já anunciou sua volta, e a Shineray.
E, se ainda faltava um aval mais relevante, ele chega ainda este ano com o suve Territory, importado pela Ford.
Se não é o produto pronto, é o projeto: o carro mais vendido do Brasil, Chevrolet Onix (foto de abertura), teve sua nova geração desenhada pela subsidiária da GM na China. Além de suas versões hatch e sedã, já chegou também, derivado da mesma plataforma, o suve Tracker.
A globalização está impossibilitando identificar a exata origem de um automóvel: ele pode ser montado num país mas metade de seus componentes compor uma colcha de retalhos de diversas procedências. Assim como um tênis Nike, o projeto pode ser americano mas fabricado em qualquer, ou em diversos países do mundo. E dezenas de exemplos semelhantes.
Resumo da ópera? O brasileiro pode reagir, mas não escapa de levar — mais dia menos dia- um chinês para casa. Mesmo sem saber…
(*) Fora os habituais ignorantes que me criticam ofensivamente, questionam minha postura e afirmam que sou agraciado com um “jabá” qualquer que seja o tema abordado ou minha opinião.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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