Era fraquinho e andava se arrastando principalmente quando carregado. Velocidade máxima? 135 km/h. Mas o Uno Mille marcou o início de uma revolução da nossa indústria automobilística. Foi lançado em 1990, quando a Fiat se aproveitou de uma redução da alíquota do IPI (de 32% para 20%) para carros até 1.000 cm³ de cilindrada e o primeiro a se habilitar ao incentivo. Foi tarefa fácil para os engenheiros de Betim, pois bastou reduzir a cilindrada do Uno, de 1.049 cm³ para 994 cm³. A marca italiana ganhou rapidamente o mercado, pois as outras fábricas tiveram de fazer verdadeira ginástica para equipar seus compactos com motores de 1.000 cm², equipados com os 1,3, 1,5 ou 1,6-litro. As potências eram baixas, entorno de 50 cv e, com exceção do Uno, muito pesados e não concebidos para um motor tão raquítico. Mas o desempenho era medíocre em todos eles.
Em 1993, o governo Itamar Franco eliminou de vez o IPI (caiu de 20% para 0,1%), e surgiu então o chamado carro “popular”. Bem chinfrinzinho, desprovido de acessórios, simples e barato. Um incentivo que reduziu substancialmente seu preço de tabela e decisivo num país em que sempre se pagou imposto escorchante pelo automóvel. As vendas foram crescentes mas o conceito do “popular” foi se desvirtuando, com as fábricas incrementando-os de acessórios, equipamentos, sofisticação e maior potência. Os motores foram evoluindo, recebendo novas tecnologias, compressor e turbocompressor e chegaram a dispor de cerca de 100 cv sob o capô.
Embora previsto para durar até o final de 1996, o incentivo foi eliminado no início de 1995 e o IPI subiu para 7%. Mesmo assim o segmento do “popular” continuou crescendo e chegou a virar uma aberração, ganhando fatias cada vez maiores do mercado nas duas décadas seguintes. As vendas atingiram seu pico em 2001, com inacreditáveis 70% de todo o mercado brasileiro de automóveis. Com a crise financeira que abalou o Brasil e o mundo, o governo voltou a reduzir o IPI (para zero) em 2008, com o intuito de estimular o crescimento da indústria. As vendas reagiram e os “populares” voltaram a representar 50% do mercado.
Mas o IPI retornou aos 7% em 2010 e a diferença de preço entre um 1,0 e o 1,3 ou 1,4 já não era tão significativa. O mercado foi percebendo ser mais vantajoso um carro com maior cilindrada, mais potente e ágil, sem consumir necessariamente mais que o 1,0. Em certas situações, o motorista tinha que afundar tanto o pé direito que o “popular” se revelava mais gastador que os demais. Suas vendas foram declinando, chegaram a apenas 40% e continuariam decrescendo não fosse o regime Inovar-Auto, que vigorou de 2013 a 2017, estimulando o aumento da eficiência energética dos modelos nacionais. Coincidiu com uma tendência de redução de cilindrada (“downsizing”) adotada por toda a indústria automobilística mundial. A idéia era reduzir consumo e emissões com motores de menor cilindrada, mantendo entretanto o desempenho a partir de tecnologia de ponta. E assim, acidentalmente, o motor de 1.000 cm³ voltou à berlinda, em geral reduzido de quatro para três cilindros. Dotado, entretanto, de turbocompressor, injeção direta, comandos de válvulas com fase variável e outros recursos mecânicos e eletrônicos. Além disso, equipando carros com câmbio automático, direção assistida, ar-condicionado e outros confortos.
Os motores 1,0 da Volkswagen, por exemplo, chegam a desenvolver hoje 128 cv (com álcool, 116 cv com gasolina) e, além de compactos, equipam até carros médios como o Golf, Virtus e até os suves Nivus e T-Cross. Os “ex-populares” estão prestes a dominar novamente o mercado brasileiro, pois sua fatia de participação nas vendas cresceu de 33% em 2016 para 47% no primeiro semestre deste ano.
Depois de sua ascensão pelo preço e queda pelo fraco desempenho, o motor 1.0 voltou à baila O raquítico 1.0 de 30 anos atrás acabou se impondo pela tecnologia e ninguém torce mais o nariz para ele.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
Mais Boris? autopapo.com.br