No “‘Exposé” detalhando a construção de um ‘Carro do Povo’ alemão”, compilado por Ferdinand Porsche em 1934 e apresentado ao Ministério dos Transportes do III Reich (e depois tomado por base para o contrato entre a Federação da Indústria Automobilística Alemã (RDA, a sigla em alemão) e a firma de Porsche para a construção dos três primeiros protótipos do Fusca), foram incluídos os parâmetros para a concepção técnica do Volkswagen: arrefecimento a ar, motor e tração traseiros, e suspensão independente nas quatro rodas. Na dianteira, braços arrastados duplos com feixes de lâminas de torção como elemento elástico, enquanto na traseira eram semieixos oscilantes com barras de torção para o mesmo fim. A construção separada tradicional, chassi com a carroceria nele aparafusada, permitia vários tipos de carroceria, um pré-requisito para o projeto de uma versão militar aberta.
Abaixo apresento o item deste Exposé, chamo a atenção para o fato de já falar em aplicação militar:
“O Volkswagen não pode ser um veículo para um propósito limitado, ele deve atender a quase todos os fins através de uma simples mudança de carroceria, ou seja, ele deve ser adequado não apenas como um automóvel de passageiros, mas também como carro de transporte e certos fins militares.”
Como vemos, o conceito do Volkswagen de Porsche já nasceu para ter aplicações múltiplas!!
Em 1938 começaram os trabalhos preliminares sobre a utilização militar do VW, que culminou no conhecido Kübelwagen e, posteriormente, no Schwimmwagen.
De acordo com as instruções do Gabinete de Armas do Exército, foram estabelecidas as seguintes diretrizes para a adaptação militar do VW: carroceria aberta, 950 kg de peso bruto (550 kg de peso em ordem de marcha, carga útil de 400 kg, podendo levar para três homens e uma metralhadora).
Após as más experiências com o sedã VW para serviço militar, grande ênfase foi colocada na leveza, baixo custo da modificação do sedã em um veículo militar, e baixo custo de produção.
Em 3 de novembro de 1937, o primeiro protótipo do VW Kübelwagen, ainda primitivo, foi concluído e, alguns dias depois, foi submetido a exaustivos testes no campo de treinamento de tropas perto de Münsingen.
Dos primórdios à origem do nome Kübelwagen
Os primeiros estudos para o projeto de um veículo militar leve foram iniciados a partir de um chassi de um VW 30, que foram os carros usados para o megateste de dois milhões de quilômetros.
Esta foi a primeira versão do Kübelwagen onde os passageiros iam sentados em bancos que pareciam um balde que em alemão se chama “Kübel”, daí veio o apelido que virou nome: Kübelwagen – carro-balde. O formato do banco visava deixar os ocupantes mais firmemente sentados — o que se conhece hoje como banco-concha nos carros esportivos e de corrida..
Este modelo de jipe leve, apesar de primitivo, foi apresentado ao Exército Alemão. Deve ter sido uma farra “testar” esta coisa aí:
O segundo protótipo, o “Stuka”, que já tinha uma carroceria mais reforçada – 01/02/1938
O terceiro protótipo foi o VW62 que foi desenvolvido em tempo recorde e cujo princípio depois foi usado também para viaturas de policiamento – 15/05/1938
Em 20/09/1939 apareceu o próximo estágio de desenvolvimento, o anguloso Tipo 62.1, que apresentava muita semelhança com o produto acabado.
A capacidade fora de estrada deste veículo, entretanto, não satisfez ao Alto Comando do Exército. Porsche realizou novas modificações: entre outras, aumentando a distância ao solo por meio de caixas redutoras nos cubos de rodas traseiras que serviram também para aumentar o torque e, consequentemente, a potência. Além disso, a frente do carro foi elevada. O Alto Comando do Exército solicitou também reduzir a velocidade mínima de 8 km/h para 4 km/h, de modo que os soldados pudessem acompanhar o Kübelwagen em marcha normal, para o quê as caixas redutoras nos cubos viriam a calhar.
A aplicação das caixas redutoras deu uma configuração de eixo traseiro tipo portal, resultando na altura de rodagem de 280 mm juntamente com a frente levantada proporcionalmente. O motor boxer era de 985 cm³ (70 x 64 mm) e 20 cv, tendo em março de 1943 passado para 1.131 cm³ (75 x 64 mm) e 25 cv. O notável foi esse motor ter sido o do lançamento comercial do Fusca após a guerra, ficando inalterado até dezembro de 1953, quando surgiu o de 1.192 cm³ (77 x 64 mm) e 30 cv. A velocidade máxima do Kübel era de 80 km/h.
Os primeiros exemplos do Type 82/3 – 4×2 acabados (com diferencial autobloqueante ZF) apareceram no início de dezembro de 1939. Ao mesmo tempo que o Type 62 foi desenvolvido, começou o trabalho nas versões de tração nas quatro rodas do Kübelwagen (Type 86 / 87 – 4×4) – que ficou pronto em 11/10/1939. Dois protótipos foram feitos; eles foram testados em fevereiro de 1940 (na estrada de montanha de Kummersdorf-St. Johann no Tirol, às vezes usando esquis de neve nas rodas dianteiras). Em março e abril, onze carros Tipo 82 e dois Tipo 86 foram convocados para o campo de testes das Forças Armadas em Wünsdorf, perto de Berlim, para testes de comparação (condução de coluna e off-road com uso tático).
Foto do teste no campo de provas de Wünsdorf. Neste teste deveria ser verificado o comportamento do Tipo 82, com distância ao solo aumentada, em frente ao Tipo 86 com tração 4×4. Na foto, em primeiro plano um Tipo 86 enfrentando a lama, seguido de um Tipo 82. Ao fundo a fila de Kübelwagens prontos para o teste de tráfego em coluna.
Os testes comparativos realizados na primavera de 1940 mostraram claramente que os Kübelwagens recém-desenvolvidos eram superiores em terreno acidentado às motocicletas com sidecar da BMW e da Zündapp. Isso levou à decisão de introduzir os Kübelwagens no lugar das motocicletas como “carros motocicleta de rifle” (motorcycle rifle wagons).
A produção em série do Kübelwagen começou na primavera de 1940; em abril, foram construídos 25 veículos em Stuttgart, na oficina de desenvolvimento de protótipos da empresa de Porsche:
A partir de maio, a produção passou a ser feita na fábrica da Volkswagen em Fallersleben (depois Wolfsburg): 100 em maio, 200 em junho, 275 em julho. O 1000º Kübelwagen foi concluído em 20 de dezembro.
Uma grande vantagem construtiva do Kübelwagen era sua leveza, o que significava que a tração nas quatro rodas poderia ser eliminada de uma vez por todas. Em momentos de necessidade, dois ou três homens poderiam levantar o veículo.
A vantagem do motor arrefecido a ar naquela época era que ele era insensível a climas extremos. Fosse com clima com um calor fervente na África ou um frio glacial na imensidão da Rússia, o motor VW continuava funcionando. E por muito tempo, essa também foi uma das razões do enorme sucesso de exportação do Fusca, tempos depois.
A construção simples também foi apreciada pelos soldados na guerra, pois todos os componentes eram de fácil acesso. O motor podia ser retirado da traseira após soltar alguns parafusos, e depois que a chapa traseira de fechamento da carroceria fosse desaparafusada. E o Kübelwagen logo adquiriu uma boa reputação por sua extraordinária robustez e confiabilidade, um pré-requisito para a carreira em constante ascensão da Volkswagen após a guerra. Além disso, o Kübelwagen apresentava uma boa capacidade de tração nas rodas traseiras graças às suas engrenagens de redução e, portanto, era um veículo off-road capaz, ainda mais com a sua grande distância ao solo.
Este conceito provou ser convincente, tão logo foi reconhecido, passou a ser usado de todas as maneiras possíveis. Uma série de variações foram desenvolvidas a partir da versão normal — o carro pessoal de quatro lugares: carro-rádio equipado com um transmissor/receptor (que na época era grande), adaptado para transportar feridos, “half track” – veículo com rodas na dianteira para conduzir e lagartas na traseira para maior tração, tanque fictício (para “guerra psicológica”), carro com sirene (uma sirene gigante para alarmar uma cidade em condições de perigo), carro de inteligência, etc.
Além disso, havia toda uma série de agregados adicionados ou embutidos que eram montados na parte traseira do veículo e acionados pelo motor, como uma bomba ou um equipamento para fornecer energia e dar partida em aviões…
De acordo com os dados da fábrica Volkswagen, os seguintes números foram produzidos:
Kübelwagen, carro pessoal de quatro lugares – 37.320
Kübelwagen, carro da inteligência – 7.545
Kübelwagen, carro de rádio – 3.326
Kübelwagen, carro de oficina – 273
Além disso, unidades individuais para fins de teste.
Alguns exemplos de suas aplicações
O próximo exemplo é meio bizarro. Trata-se de um Kübelwagen disfarçado de tanque para promover uma “guerra psicológica” — a ideia era “assustar o inimigo”. Era instalada uma torre e havia estruturas de chapa que imitavam a carenagem das lagartas de um tanque que, quando instaladas bloqueavam as portas laterais, sendo a entrada feita pela portinhola traseira. Este veículo não era blindado e qualquer tiro que fosse atravessaria a fina chapa de sua estrutura.
E, para terminar, uma foto de dois Kübelwagens da SS em plena ação de guerra:
Desta feita falamos do Kübelwagen, da trinca de veículos militares derivados do Fusca. Que é completada pelo Kommandeurwagen (carro do comandante com a carroceria do KdF e geralmente o chassi do Kübelwagen) e do Schwimmwagen (jipe anfíbio). Quem sabe falaremos destes outros dois no futuro.
AG
Para a realização deste trabalho foram feitas pesquisas nos livros: “Der Käfer” de Chris Barber e “Volkswagen of the Wehrmacht” de Hans Georg Mayer-Stein. Além de consultas à Wikipédia e outros sites da internet. O material fotográfico vem destas fontes; também foi utilizado acervo do autor.
NOTA: Nossos leitores são convidados a dar o seu parecer, fazer suas perguntas, sugerir material e, eventualmente, correções, etc. que poderão ser incluídos em eventual revisão deste trabalho.
Em alguns casos material pesquisado na internet, portanto via de regra de domínio público, é utilizado neste trabalho com fins históricos/didáticos em conformidade com o espírito de preservação histórica que norteia este trabalho. No entanto, caso alguém se apresente como proprietário do material, independentemente de ter sido citado nos créditos ou não, e, mesmo tendo colocado à disposição num meio público, queira que créditos específicos sejam dados ou até mesmo que tal material seja retirado, solicitamos entrar em contato pelo e-mail alexander.gromow@autoentusiastas.com.br para que sejam tomadas as providências cabíveis. Não há nenhum intuito de infringir direitos ou auferir quaisquer lucros com este trabalho que não seja a função de registro histórico e sua divulgação aos interessados.
A coluna “Falando de Fusca & Afins” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.