Complementando a Parte 1, vamos acompanhar o TL em sua trajetória no Brasil e em suas incursões pelo mundo. Passando por seu facelift que resultou na frente baixa, chegando à sua despedida da linha de produção.
OS 50 ANOS DO VW 1600 TL – “O CARRO QUE VOCÊ NÃO ESPERAVA” – Parte 2
Por Hugo Bueno – Edição de Alexander Gromow
No mês de março de 1971, um grande evento estava prestes a ocorrer no Pavilhão da Bienal do Ibirapuera. Tratava-se da Exposição da Indústria Alemã, onde numa área de 45.000 m2 com aproximadamente 375 estandes, a Alemanha pretendia mostrar o que havia de mais moderno produzido por sua indústria, àquela altura a maior da Europa. Volkswagen, Daimler-Benz, Bosch, AEG, Siemens, Demag, Bayer, Basf, entre outros gigantes, iriam expor entre os dias 24 de março e 4 de abril de 1971 o que havia de mais moderno na produção industrial alemã, desde equipamentos eletrônicos a grandes máquinas, passando por brinquedos, roupas e automóveis.
Uma reportagem da Revista Manchete de 10 de abril de 1971 sobre esta feira, dizia:
Foi nesse cenário de alta tecnologia e um tanto quanto futurista que a Volkswagen do Brasil apresentou duas grandes novidades que causaram impacto: o protótipo do futuro esportivo brasileiro que viria a ser apresentado um ano depois (ainda sem as entradas de ar para o arrefecimento do motor), em junho de 1972, batizado como SP1 e SP2. A outra novidade que também causou um grande impacto foi a apresentação do VW 1600 TL quatro-portas que trazia, além de duas portas a mais, uma frente completamente nova somada a alguns outros detalhes. Sete meses após seu lançamento e no mês que foi premiado com o título de “O Carro do Ano”, a Volkswagen apresenta uma evolução do modelo com profundas modificações de estilo. A mídia especializada dava como certo que essas modificações seriam estendidas ao VW 1600 TL duas-portas e à Variant. Pareceu que de repente o novo ficou velho.
UMA INFORMAÇÃO DE UM INSiDER
Quando eu estava continuando na edição da matéria do Hugo e depois de já ter publicado a Parte 1, recebi a seguinte mensagem do Carlos Alemão, do VW SP2 Club:
“Como palpite para a segunda parte, acho interessante citar o Piancastelli como o responsável pela reestilização da família Variant / TL no Brasil”.
Uma boa dica, falei sobre isto com o Hugo e chegamos à conclusão que seria interessante se pudéssemos obter um testemunho de alguém que participou do time do Piancastelli.
Logo me lembrei do George Yamashita Oba e entrei em contato com ele que, muito gentilmente, nos presenteou com o seguinte depoimento, recebido no dia 11 de agosto último:
Caro Alexander,
Conforme conversamos previamente, mas continuando na informalidade das narrativas (mesmo porque se trata de memórias de quem fez parte da equipe do departamento de Estilo da VW do Brasil, sem me ater a datas e registros), poderia dizer que a criação da “frente nova” do VW-1600 TL e Variant foi de certa forma tranquila e rápida.
A diretoria da VW havia solicitado propostas de estilo de uma frente com uma nova identidade da marca ou a nova “cara da família” VW, com base no SP2, e também nos dois “primos” alemães: o VW K70 e Audi 60.
Essas frentes traziam o emblema VW (entre os faróis) com os frisos “bigodinhos”. Posteriormente o VW Brasília e Variant II também continuaram “puxando” a família, porém, sem os bigodinhos…rs.
Como sempre, após dezenas e dezenas de propostas de forma criadas principalmente pelo Márcio e Jota… e concomitantemente avaliadas funcionalmente por mim, se chegou ao consenso da versão final desse facelift que foi levado à produção através da engenharia, planejamento e meios de fabricação.
Devido à questão de logística de lançamento de produto (em relação à concorrência), lembro-me que a pressa para se colocar a novidade em produção foi um dos fatores mais importantes.
À disposição para mais algum detalhamento se necessário/possível.
Abraços.
George Yamashita Oba
Voltando à nossa matéria, o jornal O Globo de 3 abril de 1971 mostrou que o novo VW 1600 TL de quatro portas, com profundas modificações de estilo, foi apresentado na Exposição da Indústria Alemã: de repente, “O Carro do Ano” envelheceu.
Repetindo a mesma estratégia que utilizou antecipando o lançamento da linha 1971, a Volkswagen apresentava mais cedo ainda, em julho de 1971, sua linha para 1972. Conforme previsto em abril, a nova frente apresentada no VW 1600 TL de quatro portas foi estendida ao VW 1600 TL duas- portas e à Variant.
O jornal O Globo apresentou no final de junho de 1971 as impressões sobre os novos modelos da família TL/Variant após participação em um road test promovido pela Volkswagen para apresentação dos novos modelos:
Ainda em julho foi iniciada a campanha que apresentava a nova linha Volkswagen para 1972. Os demais modelos, VW 1300, VW 1500, Karmann Ghia e Karmann Ghia TC praticamente só ganharam novas cores. As mudanças mais profundas ficaram restritas à família TL/Variant, por isso o destaque na peça publicitária:
Um mês após o lançamento, em agosto de 1971, a revista Autoesporte publicou o teste que realizou com o VW 1600 TL quatro-portas e com a Variant chamando atenção que a nova linha foi apresentada menos de um ano em relação à anterior. A matéria ainda comentou sobre a boa aceitação da nova frente e da estranheza que causava a janela lateral fixa do modelo de quatro portas. Foi dado espaço para que a Volkswagen desse a sua palavra oficial sobre os novos modelos, os quais foram descritos em todos os seus detalhes:
Mesmo com todas as explicações, um detalhe curioso não foi citado pela fábrica, mas bem observado pela equipe de testes da Autoesporte. As maçanetas do VW 1600 TL duas-portas e Variant eram diferentes do modelo de quatro portas, as quais eram mais modernas, baseadas nos modelos alemães. Somente em 1973 essa peça foi padronizada para toda a família.
Após o lançamento, uma forte campanha publicitária foi lançada e permaneceu firme ao longo de 1972. Os principais pontos de destaque eram a facilidade de acesso ao interior proporcionada pelas quatro portas, a beleza e elegância da nova frente, o luxo do acabamento interno, a mecânica simples e robusta e o prazer de dirigir proporcionado pelo banco confortável e pelo acerto da mecânica 1.600 cm3 alimentada por dupla carburação. Há que se pensar como reagiram os proprietários que compraram o VW 1600 TL logo após seu lançamento e que menos de um ano depois, com o carro ainda novo, tinham a impressão de que seu carro havia envelhecido rapidamente. Será que a estratégia da Volkswagen para esse modelo foi acertada? Como você, caro leitor e cara leitora, reagiriam a essa estratégia?
Abaixo, propagandas como exemplo da maciça campanha publicitária deflagrada pela Volkswagen do Brasil:
Considerando números estimados, é possível perceber que talvez essa estratégia da fábrica tenha tido um impacto negativo na reputação do modelo. Os números de produção de 1972 em relação a 1971 tiveram uma queda superior a 30% mesmo contando com duas versões, duas e quatro portas. Sempre atenta ao mercado e talvez percebendo a queda no mercado brasileiro, em meados de 1972 a Volkswagen do Brasil, em parceria com a matriz alemã, vislumbrou que esse modelo, principalmente o VW 1600 TL de quatro portas, teria uma boa aceitação no mercado externo, principalmente nos países do Oriente Médio, norte da África e da América do Sul.
Em maio de 1971, o jornal O Globo noticiava a possibilidade de a Volkswagen exportar o VW 1600 TL quatro-portas principalmente para os países do Oriente Médio.
A robustez e a resistência tradicionais da marca e a versatilidade do modelo de quatro portas permitia que o TL fosse utilizado para diversas aplicações. Para os taxistas foi o substituto natural do VW 1600 quatro-portas. foi utilizado também nas frotas de repartições públicas inclusive nas forças policiais, para as quais recebeu uma série de adaptações. Logo depois do seu lançamento, em meados de 1972, a Polícia Militar do antigo Estado da Guanabara comprou 15 VW 1600 TL quatro-portas especialmente adaptados para o patrulhamento da cidade e para o transporte de presos, função que os TLs duas-portas, que já faziam parte da frota, não estavam aptos a realizar. Com a nova viatura de quatro portas, cujo compartimento traseiro era todo isolado e possuía uma barra fixa para a fixação de algemas, a Polícia Militar ganhou agilidade para cumprir sua função no Estado.
Em setembro de 1972, com a intenção de reforçar a imagem de esportividade do VW 1600 TL e buscando preencher uma lacuna em sua linha que não tinha um concorrente para o Ford Corcel GT e para o recém-lançado Opala SS Cupê, a Volkswagen lançou a série especial “Personalizado” que trazia alguns opcionais de fábrica focando o caráter esportivo. A história desse modelo já foi contada aqui na coluna e pode ser vista aqui:
Logo depois, em novembro de 1972, a Volkswagen apresentou sua nova linha para 1973. Como novidades, novas e maiores lanternas traseiras, novo sistema de exaustão da cabine com a introdução de quatro aberturas para saída de ar na coluna traseira. O painel deixou de ter a capa imitando jacarandá, passado a ser forrado com uma capa de material plástico preto. Um novo revestimento interno para as portas completou as modificações. Mas a maior novidade para 1973 foi a introdução de uma opção mais barata tanto para o TL duas-portas, quanto para o de quatro portas. A chamada “Opção 1”, que posteriormente foi chamada “Standard” não fez o sucesso desejado por ser muito despojada, durou pouco tempo em linha e hoje, encontrar um exemplar desse que conserve todas suas características originais preservadas é extremamente raro, principalmente o modelo de quatro portas, pois a maioria foi direcionada para atender a frotistas, principalmente motoristas de táxi. A história desse modelo também pode ser conferida aqui mesmo na coluna.
Abaixo duas fotos institucionais da Volkswagen do Brasil com VW 1600 TL de duas e de quatro portas:
A produção do TL em 1973 manteve-se estável na casa de 20.000 unidades, pouca coisa abaixo da produção de 1972. Com o recente lançamento do VW Brasília, que introduziu no mercado uma nova concepção de carroceria e com a aproximação do lançamento do moderno VW Passat, lançado em 1973 na Alemanha e que inaugurava a fase de utilização de motores arrefecidos a água pela Volkswagen do Brasil, a sobrevivência do TL ficou ameaçada. A Volkswagen desmentia a paralisação de sua produção alegando que eram modelos que ocupavam nichos de mercado diferentes e em outubro de 1973 apresentou a linha para 1974. Algumas modificações foram introduzidas acompanhando outros modelos da fábrica. No interior, o revestimento dos bancos mudou, passando-se a utilizar courvim liso com faixas centrais listradas, conhecidas como cordonê. O volante passou a ser o tipo chamado “bumerangue” com uma peça central de plástico preto rígido que era botão de buzina. Externamente perdeu as calotas cromadas, passando a utilizar os “copinhos” centrais na cor cinza, tal como era na série especial “Personalizado”. Assim como nos anos anteriores, nenhuma alteração mecânica considerável foi introduzida, mantendo-se a mesma robustez e confiabilidade já conhecidas.
Com dois lançamentos importantes ocorridos em 1973 e 1974, Brasília e Passat respectivamente, a demanda do mercado pelo TL caiu vertiginosamente, assim como sua produção a qual girou em torno de 6.500 unidades em 1974. Estava claro que esse modelo não era mais prioridade para a Volkswagen considerando que estava previsto para fins de 1974 o lançamento do Passat quatro-portas e especulava-se a possibilidade do lançamento de uma versão também de quatro portas do Brasília.
Essa especulação agradou demais os taxistas que utilizavam o VW 1600 TL quatro-portas na praça. Até hoje, há uma falsa impressão de que o TL era adorado pelos motoristas profissionais, o que é um ledo engano. A dificuldade da regulagem da dupla carburação era um tormento para quem rodava na praça. O verdadeiro “ídolo” dos motoristas de táxi era o VW 1600 quatro-portas, que com seu motor de turbina alta e carburador único não desregulava tão facilmente como a dupla carburação utilizada pelo VW 1600 TL.
Mecânicos independentes chegaram a desenvolver um coletor para instalação de carburador único em motores de configuração plana e seu público-alvo era exatamente o formado por motoristas de táxi. Àquela altura, a configuração do motor do Brasília era a mesma do VW 1600 de quatro portas: motor de turbina alta e um carburador apenas.
Em novembro de 1974, era apresentada a linha Volkswagen 1975. Contrariando muitas expectativas, o VW 1600 TL de duas e quatro portas permanecia sendo fabricado. O modelo, para seu derradeiro ano de produção, teve como novidade a introdução de um novo painel de instrumentos, assim como a Variant. Conferindo uma aparência mais moderna, foi a última grande modificação antes de ser descontinuado.
Em meados de 1975, com seu fim iminente no mercado nacional, a Volkswagen conseguiu incrementar a exportação do VW 1600 TL quatro portas para países do Oriente Médio inclusive Israel, onde foi chamado de “VW Brasília”. O Chile também foi um destino importante para o VW 1600 TL quatro-portas. Detalhes dos números de exportação e a interessante história de um “VW Brasília” lá em Israel podem ser vistos em uma matéria aqui mesmo na coluna.
Assim, depois de uma vida relativamente curta e com um relativo sucesso no mercado nacional e internacional, saía de cena o VW 1600 TL. Oficialmente, em agosto de 1975, exatos cinco anos após o seu lançamento, era encerrada a produção do modelo de duas portas e em dezembro de 1975, pouco mais de quatro anos após o seu lançamento era encerrada definitivamente a produção do VW 1600 TL quatro-portas que permaneceu alguns meses a mais em linha de produção para atender a contratos de exportação. Apesar de uma produção estimada em torno de 7.000 unidades em 1975, pouco maior que em 1974 graças ao volume exportado, são raros os que ficaram no Brasil e que se encontram atualmente em bom estado de conservação, mantendo suas características de originalidade, principalmente o singular painel. Daquelas novidades lançadas em agosto de 1970, o Fuscão teve sua produção encerrada em abril de 1975 e o Karmann Ghia TC em novembro de 1975. Chegaram juntos e praticamente também foram embora juntos.
Em matéria para a coluna Auto Moto do jornal O Globo de outubro de 1975, o jornalista Fernando Mariano faz uma crítica veemente à Volkswagen por sua atitude de informar ao mercado a continuidade de um modelo que já estava com os dias contados para ser retirado de linha, o que prejudicava os consumidores que acreditando na marca, ficavam sujeitos a uma rápida desvalorização de seus modelos ainda novos:
Passados 50 anos e após um número estimado de 90.000 unidades produzidas, o VW 1600 TL volta a ser muito procurado não só no mercado nacional, mas também para exportação para os mercados europeu e americano. As poucas unidades em bom estado de conservação e que mantêm suas características originais são procuradas por aficionados brasileiros e estrangeiros, no caso destes por considerarem o VW 1600 TL nacional um modelo exótico, bem diferente do VW 1600 TL alemão que fez parte da família Tipo 3.
Com essa matéria, espero trazer ao leitor um resumo da história do VW 1600 TL no mercado nacional e ao mesmo tempo homenageá-lo pelos 50 anos de seu lançamento. Apesar de ser considerado um bom modelo produzido pela Volkswagen do Brasil, a estratégia adotada pela fábrica, que fez com que o modelo envelhecesse precocemente, e somado à concorrência interna com modelos mais novos e mais avançados tecnologicamente, caso do Passat, fez com que o VW 1600 TL encerrasse sua carreira bem antes e vendesse bem menos que sua irmã, a Variant. Mesmo com todos os percalços, esse simpático modelo “rodou” o mundo e ainda pode ser encontrado rodando na mão de aficionados em diversos países de vários continentes.
Complementando as informações desta matéria aí vão as fontes de pesquisa e consulta:
Jornais: O Globo, Jornal do Brasil, Correio da Manhã.
Revistas: Autoesporte, Quatro Rodas e Manchete.
Fotos: material institucional da Volkswagen, fotos coletadas na internet e fotos próprias.
Sites: thesamba.com.
Instituições: Anfavea, MIAU – Museu da Imprensa Automotiva, e Biblioteca Nacional
AG
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